Por David Harvey
Com uma nova temporada de manifestações inaugurada em 2015, o Blog da Boitempo publica este ensaio de David Harvey, escrito originalmente para o catálogo da exibição Uneven Growth: Tactical Urbanisms for Expanding Megacities, em 18 de novembro de 2014, logo após sua visita ao Brasil para o ciclo de conferências “A economia política da urbanização“, em que lançou o volume final de seu guia de leitura sobre O capital de Marx, em Brasília, Recife, Fortaleza, Curitiba e São Paulo. Partindo de uma reflexão sobre as Jornadas de Junho 2013 e seu lugar no contexto das explosões de rua que vêm pipocando ao redor do mundo, Harvey diagnostica o que chama de uma “crise da urbanização planetária” que estaríamos atravessando às cegas e oferece um panorama dos desafios e perspectivas que vêm sendo construídas pelos diversos atores e movimentos sociais emergentes. A tradução é de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo.
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Na noite de 20 de junho de 2013, mais de um milhão de pessoas em cerca de 388 cidades brasileiras tomaram as ruas em um enorme movimento de protesto. O maior desses protestos, reunindo mais de 100,000 pessoas, ocorreu no Rio de Janeiro e sofreu considerável violência policial. Por mais de um ano antes disso, manifestações esporádicas vinham acontecendo em diversas cidades brasileiras. Capitaneadas pelo MPL que há muito vinha se mobilizando entre estudantes pelo transporte gratuito, os protestos anteriores foram em larga medida ignorados.
Mas no começo de junho de 2013, o aumento da tarifa sobre o transporte público desencadeou manifestações mais amplas. Muitos outros grupos, incluído black blocs anarquistas, saíram em defesa dos manifestantes do MPL e outros que estavam sofrendo repressão policial. No dia 13 de junho, o movimento já havia se transformado em um protesto generalizado contra a repressão policial, o fracasso dos serviços públicos perante as necessidades sociais, e a qualidade deteriorante da vida urbana. Os enormes gastos de recursos públicos para sediar megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas – em detrimento do interesse público mas muito favoráveis, como amplamente se reconheceu, aos interesses de empreiteiras e incorporadoras corruptas – só aumentaram o descontentamento.
Os protestos no Brasil vieram menos de um mês depois de milhares de pessoas terem ido às ruas das principais cidades da Turquia. O que aparentemente começara como uma revolta com o projeto de reurbanização que transformaria em shopping center o precioso espaço verde do Parque Taskim Gezi, em Istambul, se alastrou em um protesto mais amplo contra a forma cada vez mais autocrática de governo e a violência da resposta policial. Um descontentamento generalizado sobre o ritmo e o estilo das transformações urbanas (incluindo aí enormes despejos de populações inteiras de terrenos valorizados no centro da cidade) também há muito vinha borbulhando e só jogou mais lenha na fogueira. A má qualidade de vida, para todos menos as classes mais abastadas, em Istambul e em outras cidades turcas era claramente uma questão importante.
O amplo paralelo entre o Brasil e a Turquia levou o articulista Bill Keller a escrever uma coluna de opinião no New York Times intitulada “The Revolt of the Rising Class” [A revolta da classe ascendente]. Os levantes não “nasceram do desespero”, ele escreveu. Tanto o Brasil quanto a Turquia haviam passado por um crescimento econômico notável em um período de crise global generalizada. Tratavam-se dos “mais recentes em uma série de revoltas brotando da classe média – as classes urbanas, educadas e não necessitadas, que são de certa forma as principais beneficiárias dos regimes que agora se põem a rejeitar” e que tinham algo a perder ao tomar as ruas em protesto. “Quando os movimentos atingiram uma massa crítica, eles já reivindicavam algo maior e mais incoeso como dignidade, os pré-requisitos da cidadania, as obrigações do poder.” As revoltas significavam “uma nova alienação, um novo anseio” que tinha de ser encarado.
Saiba mais em: https://blogdaboitempo.com.br/2015/01/10/david-harvey-a-crise-da-urbanizacao-planetaria/
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