Fim da era Merkel pode dar início a uma nova fase na relação econômica entre os dois países, que historicamente já é intensa.
“Assinamos ontem um acordo animador no Brasil, com o qual queremos cooperar mais intensamente com o Brasil e também discutir como tornar [essa parceria] mais sustentável”. Com essas palavras a chanceler federal alemã, Angela Merkel, descreveu sua visão das relações econômicas entre os dois países na Cúpula Econômica UE-América Latina em Lima, em 2008.
Treze anos depois, neste mês de setembro os alemães irão às urnas, em eleições que vão marcar o fim do governo Merkel. E, com isso, também será de alguma forma decidido como Alemanha e Brasil vão continuar a cooperar no futuro.
Mas até que ponto os dois países estão atualmente ligados em termos de investimento, comércio, turismo e intercâmbio cultural?
1 – Investimento direto: Brasil, principal parceiro na América Latina
Brasil e Alemanha estão ligados por uma longa história econômica, caracterizada, porém, por uma balança assimétrica.
Se o Brasil tem apenas uma pequena participação em empresas alemãs, os investimentos diretos alemães no Brasil recentemente totalizaram 18 bilhões de euros (110 bilhões de reais). Segundo números do Bundesbank (o banco central alemão), a cifra representa cerca de 5% do capital investido pelos alemães em todo o continente americano e quase 2% de todos os investimentos alemães diretos no exterior.
No total, de acordo com o Bundesbank, 600 empresas alemãs estão atualmente em atividade no Brasil. O faturamento total delas antes da crise era de 49 bilhões de euros (300 bilhões de reais), o que corresponde a 2% do dinheiro gerado por todas empresas alemãs no exterior. Elas empregam cerca de 230 mil trabalhadores no Brasil e são responsáveis por cerca de 10% do PIB brasileiro.
O Brasil é o único país da América Latina com o qual a Alemanha fechou uma parceria estratégica. No mundo inteiro, tais relações econômicas especiais existem apenas com sete outros países – entre eles China, EUA e Índia. Por trás disso está o esforço para intensificar as relações com potências econômicas estrategicamente importantes, como através de consultas regulares em nível de governo.
2 – Comércio: entram máquinas, sai soja
Os laços econômicos também se refletem no comércio exterior, que, de acordo com números da ONU, tende a aumentar, ainda que seja também marcado por quedas, como a dos últimos anos.
O déficit do comércio externo do Brasil com a Alemanha é constante, o que, segundo dados da ONU, se deve principalmente à intensa importação de produtos químicos, máquinas e equipamentos. São setores nos quais a indústria alemã tradicionalmente tem uma forte participação global e que geralmente são muito procurados nos países emergentes. No setor de máquinas no Brasil, que cresce cerca de 10% ao ano, os vendedores alemães estão em terceiro lugar, atrás apenas de EUA e China.
Sobretudo a construção e a agroindústria brasileira, que é fortemente desenvolvida, estão entre os principais compradores de máquinas e equipamentos alemães. Por sua vez, a economia brasileira exporta produtos agrícolas para a Alemanha: soja, açúcar, café, carne bovina e de frango, laranja, tabaco e outros produtos similares respondem por mais de 40% das exportações.
As negociações entre a União Europeia (UE) e os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) buscam facilitar o comércio. Os dois blocos já haviam chegado a um acordo abrangente de livre-comércio em junho de 2019, segundo o qual cairiam 91% das tarifas sobre os produtos da UE e 95% sobre os produtos do Mercosul, incluindo 83% sobre os produtos agrícolas.
O acordo, porém, ainda não foi ratificado em Bruxelas. Os obstáculos são, sobretudo, as preocupações com a conservação da natureza e a resistência do setor agrícola europeu.
“Uma conclusão rápida seria muito benéfica para ambos os blocos econômicos e impulsionaria ainda mais os negócios. Atrasar ainda mais este processo, que já está em andamento há 20 anos, frustraria as empresas brasileiras e abriria a possibilidade de a China se tornar o maior parceiro econômico do Brasil”, diz Thomas Timm, Vice-Presidente da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha.
3 – Turismo: alemães preferem o Caribe
Os alemães que visitam o Brasil a passeio ainda são relativamente poucos quando considerados o tamanho e a natureza rica do país, diz a associação alemã Urlaub und Reisen.
Apenas 190 mil turistas viajaram da Alemanha para o Brasil e Paraguai em 2019. Isso representa menos de 15% dos turistas alemães de férias na América Latina e 0,3% em todo o mundo. Na América Latina, os alemães tendem a ser atraídos mais para o norte, para países do Caribe e para o México.
Na Alemanha, os brasileiros ainda estão entre os visitantes mais frequentes da América Latina, de acordo com o Destatis, a agência nacional de estatísticas alemã: 300 mil viajantes a negócios e turistas chegavam anualmente a aeroportos alemães antes da pandemia.
4- Educação: Muitos brasileiros em universidades alemãs
As universidades alemãs são populares entre os brasileiros. Quase 8 mil estão matriculados em instituições educacionais da Alemanha, de acordo com números do governo alemão. Eles representam quase 22% de todos os estudantes da América Latina, à frente de Colômbia (19%) e México (17%).
Em uma comparação global, porém, os brasileiros ainda ficam bem atrás de estudantes vindos de vizinhos europeus e países como China, Rússia e Índia.
5 – Língua: alemão ainda assusta
Como idioma, porém, o alemão não é muito popular no Brasil. Apenas um brasileiro em cada 1.700 aprende alemão. O Brasil não é uma exceção em sua região, no entanto. Peru, Paraguai e Colômbia também têm um número semelhante de alunos de alemão. A maioria está no Chile e no Uruguai.
No mundo inteiro, o alemão como língua estrangeira é mais popular na Polônia, onde até 5% da população aprendem o idioma.
Conclusão: esperança na inovação e no livre-comércio
A relação econômica entre Brasil e Alemanha ainda é moderada, mas poderia aumentar significativamente com o acordo comercial UE-Mercosul ratificado. Segundo Thomas Timm, da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, enquanto a Alemanha procura principalmente novos mercados de venda de máquinas, a agricultura brasileira provavelmente se beneficiará do acesso livre de impostos ao mercado interno da UE.
Mas outros setores, como as energias renováveis, também estão em consideração. O hidrogênio verde, por exemplo, é visto como a tecnologia mais provável para descarbonizar a indústria siderúrgica alemã, que utiliza intensivamente CO2.
“O hidrogênio verde é um dos principais atores neste assunto”, diz Timm. “O Brasil oferece à Alemanha um grande potencial para a produção de hidrogênio verde. De acordo com uma análise da Bloomberg, o Brasil poderia tornar-se o produtor do hidrogênio mais barato do mundo nos próximos anos”. É por isso, completa Timm, que existe uma aliança teuto-brasileira de hidrogênio verde desde 2020, para conectar empresas e facilitar a transferência de tecnologia.
O rápido crescimento de start-ups também poderia se beneficiar do investimento direto alemão. Com cerca de 13 mil jovens empresas e 16 start-ups avaliadas em bilhões, o Brasil oferece muito espaço para investimentos de capital de risco.
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