‘Conversas à beira-mar’ é o terceiro volume da série de lembranças políticas e pessoais do educador popular Samuel Aarão Reis
Por Léa Maria Aarão Reis | Créditos da foto: Samuel Aarão Reis (LMAR)
Chegou o terceiro volume da coleção de memórias e histórias de autoria de Samuel Aarão Reis batizado de Conversas à beiramar. Escrito no seu refúgio, na Ilha de Paquetá, onde mora, ele vem com o mesmo ritmo informal e gostoso dos outros dois – 87 estórias e 6 poesias e Memória guerreira não se apaga nunca. Esses foram lançados em 2019 e em 2020, respectivamente, e comentados por nós aqui, em Carta Maior.
Agora, são 43 conversas rápidas, instantâneos captados ao sabor da vontade, da intuição e do impulso. Assim como os flashes dos volumes anteriores, são narrativas que dão vontade de saber mais sobre os personagens que as povoam, os fatos, detalhes novos, bem como todas circunstâncias em que ocorreram.
Quando terminou o segundo volume da coleção, ano passado, Samuel nos disse que o livro a seguir ”provavelmente será sobre sonhos e aventuras.” Aventuras, com certeza. Sonhos, nos toques de fantasia que confessa ter acrescentado às suas lembranças.
Sua trajetória de andanças em 87 estórias e 6 poesias recupera a memória dos tempos da ditadura de 64, a prisão e tortura, o vôo da liberdade dos 70 resistentes banidos do país, grupo ao qual ele pertenceu, e envereda pelo período de trabalho de Educação comunitária em Moçambique e na Bahia.
“Estou mais triste do que com medo”, ele diz nesse primeiro volume descrevendo como se sentia dentro do carro com os meganhas quando foi apanhado e olhava pela janela, atravessando o bairro da Tijuca, a caminho da cadeia. “Se soubesse realmente o que eu iria passar estaria com medo. Muito medo. A tortura ultrapassa totalmente tudo que possamos imaginar”.”
Em Memória guerreira não se apaga nunca são as recordações do exílio em Moçambique onde dois anos antes da sua chegada ”a paz ainda cambaleava” após Samora Machel proclamar a independência do país africano.A inspiração para esse título veio um dia, quando passou pelos fundos da antiga Faculdade de Economia, na Praia Vermelha, (NR: Rio de Janeiro) e viu escrito num muro: Memória Guerreira não se apaga nunca. ”Do outro lado da rua, Av. Pasteur, há o monumento em homenagem ao meu amigo Stuart. Isso me encheu de recordações. Foi então que comecei a escrever aquelas estórias”.
Com formação acadêmica concluída no mestrado na Faculdade de História da Universidade de Paris onde viveu exilado por um tempo, a profissão de Samuel sempre foi a de educador popular. Ele segue afirmando que sua ”verdadeira universidade foi nas comunidades, com o povo, aprendendo e ensinando.”
Agora, os instantâneos de Conversas à beira mar vão de Paquetá e da cidade de Nazaré das Farinhas, no interior baiano, onde trabalhou, nos anos 80, aos papos com amigos do Chile. De uma divertida historieta relâmpago de episódio presenciado no Museu do Prado, em Madri, até a viagem a Luanda, em missão para uma ONG norueguesa.
Lá, o seu contato foram anfitriões mau humorados, sem interesse de trabalhar com educadores brasileiros e o deixaram livre para bisbilhotar pela capital e pelo interior angolano cujo solo é contaminado por centenas de milhares de minas terrestres nele enterradas. Herança de guerra.
Recentemente, Samuel e o professor José de Sousa Miguel Lopes, da Universidade Estadual de Minas Gerais, que trabalharam na mesma época em Moçambique, porém perderam contato desde então, voltaram a se encontrar. Depois de 42 anos se reconheceram através de recente entrevista para Carta Maior por ocasião do lançamento do livro Formação de Professores Primários e Identidade Nacional: Moçambique em tempos de mudança, de autoria do professor Lopes.Os títulos das ”conversas” de Samuel são mínimos: Passe livre é um deles. Discute a necessidade de implantação do passe livre – gratuidade nos transportes urbanos para todos – que ” em muitos lugares já existe; se espalha pelo mundo inteiro”. Transporte é uma necessidade básica para a população, ele acrescenta.
Outra vez, celulares. ”Vejam só que maravilha – cada aluno na sala de aula ter à sua disposição, na sua mão, um computador”.
Dom Helder é uma das mais tocantes conversas no livro. Trata da última vez que Samuel viu o amigo, em uma igreja de Bruges, na Bélgica. ”(…) ” ele já tinha morrido. Como assim? Impossível. Explico”. E depois de explicar: ”Não sei como foi, só sei que foi assim. Como diz Chicó, no Auto da Compadecida”.
As lutas do povo. ”Muitas vezes já ouvi, e continuo ouvindo, pessoas que falam, até bem intencionadas: nós precisamos trazer o povo para nossas lutas. A pergunta do autor: ”Não seria melhor inverter”?
Racismo. Luta contra o racismo. Racismo estrutural. A conversa é esta: ”O ano de 2020 não foi apenas o ano da pandemia. Foi igualmente o ano em que o mito da democracia racial esfarelou-se. O racismo bateu na consciência da sociedade brasileira”.
E na 43ª. conversa com a qual encerra seu livro, Samuel lembra de dois provérbios africanos. ”As pegadas das pessoas que andaram juntas nunca se apagam. O outro: ” Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado”.
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