Em editoriais, “Financial Times” e “Guardian” alertam para investidas autoritárias do presidente e criticam gestão desastrosa da pandemia. “Bolsonaro é um perigo para o Brasil e para o mundo.”
Dois jornais britânicos, o Financial Times e o The Guardian, publicaram editorais na segunda-feira (05/04) que alertam para o risco de o presidente Jair Bolsonaro tentar dar um golpe para se manter no poder caso seja derrotado nas eleições de 2022.
Ambos os veículos ressaltam, porém, que a crise aberta no final de março pela queda do ministro da Defesa e a troca dos três comandantes das Forças Armadas parece indicar que parte significativa dos militares está decidida a não apoiar uma maior escalada autoritária do presidente.
Os editorais criticam o gerenciamento da pandemia de covid-19 por Bolsonaro, que coloca hoje o Brasil na liderança mundial de novas mortes diárias e foi marcado por uma postura negacionista sobre a gravidade da doença e a importância do uso de máscaras e das vacinas, além do enfrentamento contra governadores e prefeitos que adotaram medidas de restrição à circulação de pessoas para reduzir a transmissão do vírus. Segundo o Guardian, Bolsonaro é “um perigo para o Brasil e para o mundo”.
Eles também lembram que a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no páreo para a próxima eleição, possibilitada pela anulação de suas condenações pelo Supremo Tribunal Federal, é um obstáculo adicional à reeleição de Bolsonaro, que vem enfrentando aumento da sua rejeição.
Estabilidade democrática
O Financial Times, veículo especializado em jornalismo econômico e respeitado por empresários e tomadores de decisão, afirma que a chance de Bolsonaro tentar algum tipo de golpe para afrontar a democracia e permanecer no poder a despeito do resultado eleitoral aumenta à medida que seu apoio popular e a chance de reeleição diminui.
Para o The Guardian, que tem linha editorial de centro-esquerda, mais do que “possível”, é “provável” que Bolsonaro tentará se manter no poder por meio do uso da força caso perca em 2022, e menciona os seguidos elogios do presidente à ditadura militar e a torturadores e seu uso recente da Lei de Segurança Nacional para tentar silenciar críticos.
A invasão do Capitólio nos Estados Unidos por apoiadores de Donald Trump, que buscava deslegitimar o resultado da eleição que deu vitória a Joe Biden, serviria de inspiração a Bolsonaro, segundo o Guardian, que no seu editorial lembra que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, criticou a desorganização e a falta de armas entre os invasores.
O jornal britânico transcreve ainda a fala de Eduardo sobre a invasão do Capitólio: “Foi um movimento desorganizado. Foi lamentável. Ninguém desejava que isso ocorresse (…) Se fosse organizada, teriam tomado o Capitólio e feito reivindicações que já estariam previamente estabelecidas pelo grupo invasor. Eles teriam um poder bélico mínimo para não morrer ninguém, matar todos os policiais lá dentro ou os congressistas que eles tanto odeiam. No dia em que a direita for 10% da esquerda, a gente vai ter guerra civil em todos os países do Ocidente”, disse o filho do presidente.
Papel dos militares
A crise entre Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas, a maior em décadas, foi definida pelo Financial Times como um motivo para comemoração. Segundo o diário, o episódio teria mostrado que os chefes militares escolheram “demonstrar sua lealdade à Constituição democrática” em vez de se manterem alinhados a um presidente “errático e imprevisível, que abertamente desdenha do Congresso e do Judiciário”.
Em 19 de março, Bolsonaro chegou a dizer que o “seu” Exército não iria contribuir para aplicar as medidas de restrição à circulação determinadas por alguns governadores do país, o que não foi bem recebido pelos militares. “O meu Exército não vai para a rua para cumprir decreto de governadores”, afirmou o presidente.
“Em uma atmosfera febril como essa, o comprometimento firme dos comandantes militares, do Congresso e do Judiciário para sustentar a quarta maior democracia do mundo é um sinal vital e positivo”, escreveu o Financial Times. Mas o jornal lembra que os militares receberam “centenas de cargos no governo – incluindo a vice-presidência e quase metade do ministério – além de aumentos generosos dos gastos militares”.
A possível mudança de posição entre dois pilares da vitória de Bolsonaro em 2018, os militares e a elite econômica, também foi considerada positiva pelo Guardian. Segundo o editorial do jornal, a gestão “desastrosa” da pandemia por Bolsonaro “parece estar deixando em dúvida a elite econômica que o apoiou anteriormente” e “alguns setores dos militares aparentemente sentem o mesmo desconforto”.
“Pode ser irritante ver aqueles que contribuíram para a sua [de Bolsonaro] ascensão se posicionarem como guardiões da democracia, em vez de dos seus próprios interesses. Mas a sua saída do poder seria de qualquer maneira bem-vinda, para os interesses do Brasil e do resto do planeta”, conclui o Guardian. “Um homem normalmente não pode causar tanto dano. Infelizmente, este homem é o presidente”, aponta o jornal.
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