Clipping

Não é possível derrotar a mudança climática sem derrotar o capitalismo

Os interesses corporativos querem transformar o movimento pelo clima em um movimento de soluções individuais, mas canudinhos de papel e lâmpadas de baixo consumo de energia não salvarão o planeta – precisamos de um movimento que acabe com o sistema que o está destruindo.

Por Zarah Sultana |Tradução Coletivo Leia Marxista |Ilustração de Adam Avery

Antigamente, um dos maiores obstáculos contra o ativismo ambiental era o negacionismo frente à mudança climática. Em uma tática secretamente financiada pela indústria de combustíveis fósseis, a ciência era ferozmente desacreditada. A desinformação era constantemente disparada para esconder uma realidade mortal. 

Atualmente, com algumas exceções notáveis, há poucos que negariam as evidências da mudança climática. Esse debate foi há muito encerrado. Até mesmo a gigante petrolífera Shell é forçada a admitir a emergência climática, recentemente tendo implorado, em um tweet, que consideremos “O que vocês estão dispostos a fazer para ajudar a diminuir as emissões?”

Mas a recusa em compreender corretamente a mudança climática ainda não foi de todo eliminada. Pelo contrário, enfrentamos uma forma diferente, mais sútil, de negacionismo climático. 

Essa perspectiva não nega a ciência da emergência climática: nega a sua política. Finge que, com um ajuste aqui, ou uma modificação acolá, pode-se evitar o desastre. Age como se os negócios como os conhecemos fossem viáveis, focando em banir canudinhos de plástico e encorajando o uso de sacolas reutilizáveis. Sugere que a crise climática seja uma questão de consumo pessoal, como se uma mudança em preferências de consumo  pudesse ser suficiente para prevenir um desastre climático. 

Essa fantasia liberal tem como companheira outra noção enganosa: o assim chamado “Antropoceno”. Um conceito cada vez mais popular, tanto entre acadêmicos como entre ativistas, ele sugere que os seres humanos em geral são responsáveis pelo aumento do dióxido de carbono na atmosfera de 280  partes por milhão em 1750 para 417 em maio do último ano. 

Essa abordagem à crise climática é semelhante àquelas escolas de pensamento do establishment que põem a culpa de males sociais graves – tais como pobreza  e analfabetismo – na sociedade como um todo, ao invés de num sistema econômico que os causa e na riqueza de uns poucos que possuem poder efetivo para mitigá-los. 

Há também um lado ainda mais preocupante da tese do Antropoceno. Se a humanidade coletivamente pode ser culpada pelos males do planeta, então, dita a lógica, uma redução da população mundial poderia ser uma solução, Essa, claro, não é uma ideia nova: o economista britânico Thomas Malthus explanou sobre ideias similares nos séculos XVIII e XIX.

Pouco tempo depois, a tese malthusiana da superpopulação foi criticada por Marx e Engels, que a chamaram de um “libelo à raça humana”. Para os socialistas, Malthus havia erroneamente culpado a humanidade por uma miríade de problemas que se derivaram, de fato, de um sistema social. Se as coisas fossem produzidas e distribuídas com base nas necessidades humanas, e não no crescimento capitalista, e se a tecnologia fosse direcionada para os mesmos fins, não haveria razão para que a humanidade não vivesse em harmonia com o planeta. 

As evidências comprovam essa tese. Um relatório escrito pelo Carbon Disclosure Project em 2017 mostrou que 100 companhias são responsáveis por 71% das emissões globais de carbono desde 1988. Em 2019, um estudo semelhante do  Climate Accountability Institute descobriu que apenas 20 empresas são responsáveis por 35% de todas as emissões de dióxido de carbono e gás metano relacionadas à energia em escala global  desde 1965. 

Em outras palavras, nosso problema não é o Antropoceno. Nosso problema é o capitalismo. O colapso ecológico que enfrentamos hoje pode ser totalmente atribuído à vasta acumulação dos recursos planetários por uma elite minoritária, que nos conduz à  mudança climática por sua ganância. O capitalismo é um sistema de alta concentração de poder. E seja como consumidores individuais – com seus jatinhos particulares e consumo excessivo e exuberante -, ou seja como capitalistas na economia internacional  – forçando mais extração de óleo e gás ou levando a produção para locais mais baratos e poluentes – a classe dominante tem um impacto extremamente desproporcional sobre nosso clima. 

Em uma sociedade de classes, os desejos de uma minoria minúscula têm prioridade sobre a sobrevivência de todos, já que o capitalismo nos condena à acumulação infinita. Tanto capitalistas como trabalhadores estão sob a égide do mercado – vender ou perecer. O capital, como colocou Marx, é “valor autovalorativo”: a riqueza é compelida a gerar mais riqueza. 

À medida que destruímos o solo em que pisamos e anunciamos o aumento nos números do PIB em nosso planeta finito, a ordem social presente se parece com um culto à morte.  A peculiaridade do capitalismo é ser um sistema tanto de poder de classe quanto de dominação universal – ambos os impulsos tornando-o duplamente tóxico  para o meio ambiente. 

A tese de que o capitalismo enquanto sistema, e não a humanidade enquanto espécie, é responsável pela crise ambiental está se tornando mais popular. A obra Fossil Capital (Capital Fóssil, em livre tradução), do escritor sueco Andreas Malm, explora o papel que o uso da máquina a vapor durante a Revolução Industrial Inglesa teve nessa  dinâmica, argumentando que a lógica do capital – e principalmente seu desejo de subordinar a gorça de trabalho – foi crucial para a ascensão de tecnologias que contribuiriam para a mudança climática. 

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/05/nao-e-possivel-derrotar-a-mudanca-climatica-sem-derrotar-o-capitalismo/

Comente aqui