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O Cerimonial da Violência

No dia do seu aniversário, reproduzimos um artigo do poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini publicado no jornal italiano Tempo em 1969. Um dos grandes protagonistas e comentaristas de sua época, Pasolini não poupava críticas aos inimigos – muito menos aos aliados.

Por Pier Paolo Pasolini / Tradução Carlos Nelson Coutinho

“Vamos lá: toquemos fogo nas prefeituras, nos quartéis e nos bancos, nos cartórios e nos registros, nas igrejas e hotéis, tomemos posse das casas luxuosas jogando pelas janelas todos os grandes burgueses e suas putas. Rapidamente tomemos de assalto as lojas onde estão víveres e as roupas; quebremos os telégrafos, os trilhos e outros meios de comunicação… As barricadas, a chuva de telhas e de água fervente: vamos jogar cacos de vidro, e pregos imenso (isso para a cavalaria), e pó-de-mico ou bombas de dinamite. (…) Cada um deve agir por sua própria iniciativa, quebrar e queimar onde houve um mal-feito e onde se poderá reparar uma injustiça passada: é preciso odiar muito, se se deseja amar muito no futuro. A revolução não deve ter chefes: se estes se apresentarem, devem ser para eles os primeiros tiros”.  

Um trecho, mal traduzido, de um discurso de particular acento anarquista de Cohn-Bendit? Ou, talvez, de um manifesto distribuído em Versilia ou no Piemonte por algum grupo marxista-leninsta, mal egresso de um ginásio provinciano, onde ainda se ensina a escrever num italiano assim? [O texto original do texto citado por Pasolini está em italiano arcaico].

Não, de modo algum. Trata-se de um trecho (“que não é dos mais imoderados”, como diz o autor do livro que o cita: Pier Carlo Masini, Storie degli anarchici italiani, ed. Rizzoli) de Il pugnale, publicado em abril de 1889, em Paris. Os fundadores desse jornal eram Pini e Parmeggiani, dois anarquistas que fugiram para a França a fim de não serem presos pela polícia italiana (era a época do governo de Crispi: naquele momento, havia uma certa tensão entre a Itália e a França, com perigo de guerra etc.: os anarquistas lutavam pela solidariedade entre o povo francês e o italiano, unidos contra os respectivos governos etc.). Mas o significativo é que Pini e Parmeggiani não haviam cometido um crime ou delito contra o Estado, mas sim contra um outro anarquista, Ceretti, de Mirandola, que dirigia Il sole dell’avvenire. Tratava-se, portanto, de uma luta interna de correntes, em nome da “pureza”, da “intransigência anarquista”. 

Mas – à parte essa analogia, inquietante e até mesmo angustiante, precisamente com certas atitudes de “pureza e intransigência” dos movimentos revolucionários “espontâneos” de hoje (analogia que demonstra quanto é antiga e enraizada a tradição italiana do “fascismo de esquerda”, fundada sobre a contradição-identificação entre indiferentismo e moralismo) – observemos alguns pontos do trecho transcrito. 

Saiba mais: https://jacobin.com.br/2021/03/o-cerimonial-da-violencia/

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