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O Ocidente diz adeus ao capitalismo industrial

História de uma regressão: contrariando até as previsões de Marx, sistema reabilitou rentismo feudal e, associado a ele, multiplica privilégios e desigualdade. Mas daí também seu declínio – e sua impotência diante de países como a China

Por Michael Hudson| Tradução: Resistir.info, com revisão de Outras Palavras | Imagem: William Gropper

Marx e muitos dos reformadores menos radicais que lhe foram contemporâneos viam o papel histórico do capitalismo industrial como sendo o de remover a herança do feudalismo – os latifundiários, banqueiros e monopolistas que extraíam renda econômica (ou renta) sem produzir valor real. Mas aquele movimento de reforma fracassou. Hoje o setor das Finanças, Seguros e Imobiliário (FIRE, em inglês, pelas iniciais de Finance, Insurance, Real Estate recuperou o controle do Estado, criando economias neo-rentistas.

O objetivo deste capitalismo financeiro pós-industrial é o oposto daquele do capitalismo industrial bem conhecido dos economistas do século XIX. Ele busca riqueza primariamente através da extração de renda econômica, não da formação de capital industrial. O favorecimento fiscal para o setor imobiliário, a privatização do petróleo e da extração mineral, os bancos e os monopólios de infraestrutura aumentam o custo de vida e da atividade empresarial. O trabalho está sendo explorado crescentemente pela dívida aos bancos, dívida estudantil, dívida do cartão de crédito, ao passo que a habitação e outros preços são inflacionados com o crédito, deixando menos rendimento para gastar em bens e serviços quando as economias sofrem deflação da dívida.

A Nova Guerra Fria de hoje é um combate para internacionalizar este capitalismo rentista pela privatização e financiarização global dos transportes, educação, cuidados de saúde, prisões e policiamento, correios e comunicações – além de outros setores que antigamente eram mantidos no domínio público – das economias europeias e americanas, de modo a manter seus custos baixos e minimizar seus custos de estrutura.

Nas economias ocidentais tais privatização reverteram o movimento do capitalismo industrial para minimizar custos de produção e distribuição socialmente desnecessários. Além dos preços de monopólio para serviços privatizados, os administradores financeiros estão canibalizarando a indústria pela alavancagem da dívida e elevados desembolsos de dividendos para aumentar preços de ações.


As economias neo-rentistas de hoje obtêm riqueza principalmente por meio da busca de renta. A financeirização converte a renda imobiliária e monopólica em empréstimos bancários, ações e títulos. Este processo tem sido alimentado desde 2009 pelo Quantitative Easing (“Flexibilização Quantitativa”) dos bancos centrais dos EUA. União Europeia, Inglaterra, Japão e outros. [Significa emitir volumes maciços de dólares, euros, libras ou ienes e despejá-los nas mãos de mega-especuladores, recebendo em troca títulos públicos que têm em seu poder. A inundação de dinheiro espalha-se por todo o mundo, refletindo, por exemplo, na super-valorização dos preços dos imóveis (Nota de Outras Palavras)]

Famílias e empresas afundam em dívida, devendo renda e serviço de dívida aos setores FIRE. Esta sobrecarga rentista deixa menos rendimento de salários e lucros para gastar em bens e serviços, provocando o fim dos 75 anos de expansão vividos pelos EUA e Europa a partir o término da II Guerra Mundial em 1945.

Estas dinâmicas rentistas são o oposto do que Marx descreveu como leis do movimento do capitalismo industrial. A banca alemã, à época, financiava a indústria pesada sob Bismarck, em associação com o Reichsbank e os militares. Mas em outros lugares o empréstimo bancário raramente financiou novos meios de produção tangíveis. Aquilo que prometia ser uma dinâmica democrática e em última análise socialista degradou-se em direção ao feudalismo e à servidão da dívida, com a classe financeira de hoje desempenhando o papel que a classe dos senhores da terra tinha em tempos pós-medievais.

A visão de Marx do destino histórico do capitalismo:
Libertar economias do feudalismo

O capitalismo industrial que Marx descrevia no Volume 1 do Capital está sendo desmantelado. Ele considerava que o destino histórico do capitalismo era libertar as economias do legado do feudalismo: uma classe hereditária de senhores da guerra que impunha uma renda da terra (por meio de tributos) e da banca (via juros). Ele pensava que na medida em que o capitalismo industrial evoluísse rumo a uma administração esclarecida, e na verdade rumo ao socialismo, a finança usurária, predatória, seria eliminada, suprimindo-se o rendimento rentista, economicamente e socialmente desnecessário: renda da terra, juros financeiros e taxas relativas a crédito improdutivo. Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, Joseph Proudon e seus companheiros economistas clássicos analisaram este fenômeno e Marx resumiu sua discussão nos Volume II e III do Capital e no seu livro paralelo Teorias da mais-valia, que trata da renda econômica e da matemática do juro composto, o qual leva a que a dívida cresça exponencialmente a uma taxa mais alta do que o resto da economia.

Entretanto, Marx dedicou o Volume I do Capital à característica mais óbvia do capitalismo industrial: o impulso para obter lucros por meio do investimento em meios de produção para empregar trabalho assalariado a fim de produzir bens e serviços para vender com uma margem superior ao que se pagava ao trabalho. Analisando o valor excedente pelo ajustamento das taxas de lucro para levar em conta gastos com a fábrica, equipamento e materiais (a “composição orgânica do capital”), Marx descreveu um fluxo circular no qual patrões capitalistas pagam salários aos seus trabalhadores e investem seus lucros na fábrica e em equipamentos com o excedente não pago aos empregados.

O capitalismo financeiro corroeu este núcleo da circulação entre trabalho e capital industrial. Grande parte do meio-oeste dos Estados Unidos [uma região antes intensamente industrializada] transformou-se num “cinturão de ferrugem”. Ao invés de o setor financeiro evoluir para financiar investimento de capital na manufactura, a indústria está sendo financeirizada. A obtenção de ganhos econômicos por via financeira, primariamente pela alavancagem da dívida, ultrapassa de longe os lucros alcançados pela contratação de empregados para produzir bens e serviços.

A aliança do capitalismo dos bancos com a indústria
para promover reforma política democrática

O capitalismo nos dias de Marx ainda continha muitas sobrevivências do feudalismo, mais notavelmente uma classe hereditária de senhores da terra que viviam de rendas da terra, a maior parte das quais era gasta improdutivamente com serviçais e luxos, não para obter lucro.

Estas rendas tinham tido origem num imposto. Vinte anos após a Conquista Normanda, Guilherme o Conquistador ordenou a compilação do [censo territorial] Domesday Book em 1086 para calcular o rendimento (yield) que podia ser extraído como imposto das terras inglesas que ele e os seus companheiros haviam capturado. Como resultado das exigências fiscais prepotentes do Rei João, a Revolta dos Barões (1215-17) e a sua Carta Magna permitiram aos principais senhores da guerra obter grande parte desta renda para si próprios. Marx explicou que o capitalismo industrial era politicamente radical ao procurar libertar-se do fardo de ter de suportar esta classe privilegiada de senhores da terra, a receber rendimentos sem qualquer base no valor de custo ou do próprio empreendimento.

Os industriais procuravam ganhar mercados através de cortes de custos abaixo daqueles dos seus competidores. Aquele objecivo exigia libertar toda a economia das “faux frais” [falsas despesas] de produção, encargos socialmente desnecessários embutidos no custo de vida e de fazer negócio. A renda econômica clássica era definida como o excesso de preço acima do valor de custo intrínseco, este último sendo em última análise redutível aos custos do trabalho. O trabalho produtivo era definido como aquele empregado para criar um lucro, em contraste com os serviçais e criados (cocheiros, mordomos, cozinheiros, etc.), com os quais os senhores da terra gastavam grande parte da sua renda.

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