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O que esperar dos EUA sob Biden

Equipe do presidente sugere EUA de volta ao “velho normal”: guerras, espionagem, desigualdade, espaço para que corporações explorem e devastem. Porém, fim da ameaça fascista abre brecha de quatro anos. Futuro estará na pressão social

Por Chris Hedges / Tradução de Simone Paz

Joe Biden e os administradores do “Estado profundo” [“deep state”] e do Império estão voltando ao poder. Trump e seu círculo de bufões, racistas, vigaristas e fascistas cristãos se preparam, taciturnos, para deixar o cargo. As empresas farmacêuticas dos EUA estão começando a distribuir as vacinas para mitigar o pior surto de covid-19 do mundo, que resultou em mais de 2.600 mortes por dia. A América, como diz Biden, está de volta, pronta para ocupar seu lugar à cabeceira da mesa. Na batalha pela alma da América, ele nos garante, a democracia prevaleceu. Progresso, prosperidade, civilidade e uma reafirmação do prestígio e poder americanos estão a algumas semanas de distância, como nos foi prometido.

Mas a verdadeira lição que deveríamos tirar da ascensão de um demagogo como Trump — que recebeu 74 milhões de votos — e de uma pandemia, que nossa indústria de saúde voltada para o lucro se mostrou incapaz de conter, é que estamos perdendo o controle como nação e como espécie. Demagogos ainda mais perigosos surgirão a partir das políticas imperiais e neoliberais que o governo Biden adotará. Pandemias muito piores varrerão o globo com taxas de infecções e mortalidade mais elevadas — resultado inevitável de nosso consumo contínuo de animais e produtos de origem animal, e da destruição desenfreada do ecossistema do qual dependemos para viver, nós e as demais espécies.

Reinhold Niebuhr escreveu que: “um dos aspectos mais patéticos da história humana, é que cada civilização passa a se expressar de forma mais pretensiosa, a combinar seus valores particulares e universais de forma mais convincente e a reivindicar a imortalidade de sua existência finita no exato momento em que a decadência que os leva à morte já começou.”

Quase todas as nomeações de Biden vieram exclusivamente de círculos do Partido Democrata e da elite corporativa, responsáveis ​​pela enorme desigualdade social; por acordos comerciais, desindustrialização, polícia militarizada; pelo maior sistema prisional do mundo e por projetos de “austeridade” que aboliram programas sociais como o de bem-estar; pela retomada da Guerra Fria com a Rússia, pela vigilância governamental generalizada, pelas intermináveis guerras ​​no Oriente Médio, pelo empobrecimento da classe trabalhadora e sua respectiva privação de direitos. O Washington Post revelou que “cerca de 80% dos funcionários da Casa Branca e da agência que Biden anunciou possuem a palavra “Obama” em seu currículo, oriundos de empregos anteriores na Casa Branca ou das campanhas de Obama”. Bernie Sanders, aparentemente rejeitado em seus esforços para tornar-se secretário do Trabalho no governo Biden, já expressou sua frustração com as indicações do democrata eleito. Os democratas da Câmara negaram à deputada Alexandria Ocasio-Cortez uma cadeira no Comitê de Energia e Comércio, por causa de seu apoio ao Green New Deal. A mensagem do governo Biden para os progressistas e populistas de esquerda é muito clara: “finja-se de morto”.

Biden’s appointments are drawn almost exclusively from the circles of the Democratic Party and corporate elite, those responsible for the massive social inequality, trade deals, de-industrialization, militarized police, world’s largest prison system, austerity programs that abolished social programs such as welfare, the revived Cold War with Russia, wholesale government surveillance, endless wars in the Middle East and the disenfranchisement and impoverishment of the working class. The Washington Post writes that “about 80 percent of the White House and agency officials he’s announced have the word ‘Obama’ on their résumé from previous White House or Obama campaign jobs.” Bernie Sanders, apparently rebuffed in his efforts to become secretary of labor in the Biden administration, has expressed frustration with the Biden nominations. Rep. Alexandria Ocasio-Cortez was denied a seat by House Democrats on the House Energy and Commerce Committee because of her support for the Green New Deal. The message of the Biden administration to progressives and left-wing populists is very clear – “Drop dead.”

A lista de novos funcionários do governo inclui o general aposentado Lloyd J. Austin III, que está sendo nomeado secretário de Defesa. Austin faz parte do conselho da Raytheon Technologies e é sócio da Pine Island Capital, uma empresa que investe na indústria bélica e que também envolve Antony Blinken, nomeado de Biden para secretário de Estado. Blinken, que foi vice-conselheiro de segurança nacional e vice-secretário de Estado, é um forte defensor do Estado de apartheid de Israel. Foi um dos arquitetos da invasão do Afeganistão e do Iraque, e defensor da derrubada de Muammar Gaddafi na Líbia, que resultou em mais um estado falido no Oriente Médio.

Espera-se que Janet Yellen, ex-presidente do Federal Reserve no governo de Barack Obama, assuma como secretária do Tesouro. Yellen, como presidente do Conselho de Consultores Econômicos (CEA) de Bill Clinton e, mais tarde, como membro do conselho do Federal Reserve, apoiou a revogação da Lei Glass-Steagall, que levou à crise bancária de 2008. Ela apoiou o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (NAFTA) e também fez lobby por uma nova métrica estatística com o fim de reduzir os pagamentos aos idosos no Seguro Social. Yellen apoiou a “flexibilização quantitativa” que forneceu trilhões em empréstimos praticamente sem juros para Wall Street, empréstimos usados para resgatar bancos e corporações e para realizar compras massivas de ações — enquanto as vítimas da fraude financeira eram abandonadas.J

O ex-secretário de Estado, John Kerry, será o Enviado Especial para questões climáticas. Kerry defendeu a expansão maciça da produção interna de petróleo e gás, em grande parte por meio de fraturamento hidráulico e, de acordo com as memórias de Obama, trabalhou obstinadamente para convencer aqueles preocupados com a crise climática a “oferecer concessões em subsídios para a indústria de energia nuclear, e a explorar novos litorais norte-americanos, para a perfuração offshore de petróleo”.

Avril Haines, antiga vice-chefe da CIA de Obama, vai se tornar a Diretora de Inteligência Nacional de Biden. Haines supervisionou a expansão do programa de drones assassinos de Obama no exterior e apoiou a nomeação de Gina Haspel para chefe da CIA, apesar do envolvimento direto de Haspel no programa de tortura que a CIA levou a cabo em suas prisões secretas espalhadas pelo mundo inteiro. Haines se refere a Haspel como “inteligente, compassiva e justa”. Brian Deese, o executivo encarregado da “pasta climática” da BlackRock, empresa que investe fortemente em combustíveis fósseis, inclusive carvão, e que atuou como ex-assessor econômico de Obama na defesa das medidas de austeridade, foi escolhido para dirigir a política econômica da Casa Branca.

Neera Tanden, ex-assessora de Hillary Clinton, foi escolhida para dirigir o Escritório de Administração e Orçamento. Tanden, como chefe do thinktank do Partido Democrata, o Center for American Progress, levantou milhões em dinheiro obscuro proveniente do Vale do Silício e de Wall Street. Seus doadores incluem a Bain Capital, Blackstone, Evercore, Walmart e a indústria bélica Northrup Grumman. Os Emirados Árabes Unidos, aliados próximos da Arábia Saudita na guerra do Iêmen, também deram entre US$ 1,5 milhão e US$ 3 milhões ao thinktank. Quase sempre, ela ridiculariza Sanders e seus partidários ao aparecer nas notícias ou nas redes sociais. Também propôs uma aliança na plataforma democrata pelo bombardeio do Irã.

A manutenção dessas guerras profundamente impopulares e de políticas neoliberais onerosas pelo governo Biden será acompanhada por uma demonização acirrada da Rússia, mais recentemente acusada por ataques cibernéticos. Esses democratas corporativos se utilizarão de uma nova Guerra Fria com a Rússia para desacreditar os críticos internos e estrangeiros, e desviar a atenção da estagnação política e da pilhagem corporativa do país. Isso permitirá que a MSNBC e o New York Times, que passaram dois anos lutando contra conspirações vazias do Russiagate, divulguem um fluxo diário de rumores de forte apelo emocional junto de acusações obscuras sobre a Rússia. Celebridades da televisão fechada, como Rachel Maddow, vão falar toda noite “comentando” a Rússia, enquanto ignoram a corrupção no governo Biden. A única razão pela qual o Partido Democrata não culpou a Rússia de fraudar a eleição em 2020, ao contrário de 2016, é porque Trump foi derrotado.

Biden, após perder para Bernie Sanders nas primárias do Partido Democrata em Nevada, onde Sanders obteve mais que o dobro dos votos, imediatamente jogou a carta da Rússia, dizendo à CBS News: “os russos não querem que eu seja o indicado, eles gostam do Bernie”. Hillary Clinton foi quem começou esse jogo sujo quando atacou a candidata presidencial do Partido Verde em 2016, Jill Stein, chamando-a de “ativo russo”; em 2020, fez a mesma acusação contra o deputado Tulsi Gabbard. Os democratas precisam de um inimigo, real ou fictício, e o Vale do Silício e os grandes fabricantes não permitirão que eles ataquem a China.

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