Crescimento da rejeição ao presidente, que já era medido por pesquisas, se traduz pela primeira vez em protestos. Ao romper “trégua” da pandemia, oposição abre nova frente de pressão sobre o governo.
Após um ano de “trégua” forçada por causa da pandemia, movimentos de oposição ao presidente Jair Bolsonaro fizeram neste sábado (29/05) um ensaio bem-sucedido para retomar as ruas contra o governo e reavivar a pauta do impeachment, quebrando meses de monopólio bolsonarista na organização de manifestações.
Atos contra o presidente ocorreram em todas as 27 capitais, com presença expressiva em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Ao menos 180 cidades registram protestos, segundo levantamento do portal G1. Dezenas de milhares de pessoas ocuparam sete quarteirões ao longo da Avenida Paulista, o principal termômetro de protestos no país desde 2013, protagonizando a maior manifestação antigovernamental no local em mais de dois anos. Recife foi palco do único incidente ao longo do dia, com a PM local reprimindo violentamente a passeata na cidade.
A pauta dos atos contemplou temas como pressão pela aceleração da vacinação e aumento do valor do auxílio-emergencial, mas o tema principal foi pressionar pelo impeachment do presidente e manifestar repúdio à gestão de Bolsonaro – especialmente pelo gerenciamento da pandemia, que provocou recordes de mortes e escassez de vacinas.
A volta do antibolsonarismo às ruas capitaneado principalmente por movimentos de esquerda ocorre em um momento delicado para Bolsonaro, com a reprovação do presidente batendo recorde, com pesquisas indicando a desidratação de sua candidatura à reeleição e com o desgaste diário da CPI da gestão da pandemia no Senado.
Para parte da esquerda que participou dos atos, o cenário é atual também é mais otimista para retomar as ruas, com o estímulo da volta do petista Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo eleitoral após decisão do Supremo que anulou as condenações do ex-presidente.
“O crescimento da oposição a Bolsonaro, que as pesquisas já mediam, agora se manifesta publicamente”, apontou o cientista político Maurício Santoro.
Perda da influência do bolsonarismo
Os últimos protestos antibolsonaristas dignos de nota haviam ocorrido em junho de 2020, época em que o presidente estava em plena ofensiva contra o Congresso e o Supremo – ofensiva que arrefeceu após a prisão do antigo “faz-tudo” do presidente, Fabrício Queiroz. Nos meses seguintes, o pagamento do auxílio-emergencial – que por alguns meses deu fôlego para a popularidade do presidente – e o agravamento da pandemia acabaram limitando manifestações contra Bolsonaro, que se reduziram a alguns panelaços esporádicos.
Neste sábado, no entanto, a oposição ao bolsonarismo liderada por frentes que agregam sindicatos, coletivos e movimentos sociais e de esquerda mostrou que a rejeição recorde de Bolsonaro pode ser traduzida em atos nas ruas, mesmo com o desestímulo da pandemia. Protestos com adesão significativa também foram realizados em capitais onde Bolsonaro registrou algumas de suas votações mais expressivas em 2018, como Curitiba e Belo Horizonte. Nos últimos meses, bolsonaristas só conseguiram organizar pequenas carreatas ou passeatas pró-governo e pró-golpe nessas cidades.
Protesto contra Bolsonaro me Brasília
Mesmo os atos pró-governo que tiveram participação significativa, na maior parte dos casos, precisaram contar com o peso da presença do presidente para atrair participantes, como no caso da “motociata” do Rio de Janeiro no último fim de semana. Em São Paulo, a última manifestação bolsonarista comparável ao ato deste sábado na Avenida Paulista ocorreu em maio de 2019, quando, segundo pesquisas, a base de apoio do presidente ainda era consideravelmente maior.
Já os protestos deste domingo não precisaram contar com a participação direta de atores políticos equivalentes ou com o mesmo apelo. O único político com alguma projeção nacional que tomou parte foi o ex-presidenciável Guilherme Boulos, que participou do ato na Avenida Paulista. Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto para a eleição presidencial de 2022, não participou e também evitou fazer comentários sobre o movimento em suas redes sociais ao longo de sábado.
Início de um movimento maior?
Havia temor em alguns segmentos antibolsonaristas de que as manifestações deste sábado fossem visivelmente menores do que os cada vez mais esvaziados atos pró-governo, mas imagens das concentrações em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro logo dissiparam esse receio.
Organizadores não definiram uma data para uma nova mobilização nacional. Em 2015 e 2016, a pressão de protestos regulares contra Dilma Rousseff acabaram dando impulso para a debandada do Centrão da base da então presidente no Congresso.
Manifestantes nas ruas do Rio de Janeiro, que foi palco de “motociata” pró-Bolsonaro na semana passada
“Para o impeachment, seria preciso que a mobilização se sustentasse no tempo e que derrubasse pela metade pelo menos a aprovação de Bolsonaro. Seria preciso também dobrar o PT, que não gosta do impeachment porque atrapalha sua estratégia eleitoral”, escreveu o cientista político Pablo Ortellado no Twitter.
Há, de fato, dúvidas se todos os setores mais influentes de esquerda, em especial o petista, estariam dispostos a abraçar esse tipo de pressão regular nos próximos meses numa escala decisiva, mesmo com ensaio bem-sucedido deste sábado. O ex-presidente Lula já expressou repetidas vezes sua falta de entusiasmo com a abertura de um processo de impeachment. Neste momento, Lula lidera com folga as intenções de voto para a Presidência nas eleições de 2022, aparecendo quase 20 pontos percentuais à frente de Bolsonaro.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/opositores-rompem-dom%C3%ADnio-bolsonarista-das-ruas/a-57716900
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