Como uma ilha cercada pelo Brasil do presidente de direita Jair Bolsonaro, a cidade de Maricá está testando um totem esquerdista: a renda básica incondicional. Ele provou seu valor na crise da coroa.
Por Jens Glüsing | Foto: Kristin Bethge / DER SPIEGEL
Quando a caixa Agnes Marques Ferreira perdeu o emprego no supermercado em janeiro, o governo de sua cidade natal, Maricá, salvou-a de cair na miséria ao proporcionar-lhe uma renda básica mensal de cerca de R $ 900, o equivalente a 140 euros (US $ 171).
Em teoria, a soma dificilmente seria suficiente para que uma mãe solteira de dois meninos pudesse sobreviver. Mas Marques Ferreira agora paga 20 por cento menos pela eletricidade e água. Além disso, o sistema de transporte público da cidade é gratuito e, se ela precisar fazer despesas maiores, como reforma do banheiro, pode solicitar um empréstimo da prefeitura sem juros.
Ela mora com a família em uma casa simples no bairro de Maricá. “No Rio, estaria mendigando nas ruas”, diz Marques Ferreira. “Aqui, tenho uma qualidade de vida com a qual a maioria dos brasileiros pobres só pode sonhar”.
A cidade responsável por essa beneficência está localizada a cerca de 60 quilômetros (37 milhas) a leste do Rio de Janeiro, na costa do Atlântico. À primeira vista, Maricá é quase indistinguível de outras cidades brasileiras. Postos de gasolina, oficinas, restaurantes baratos e igrejas protestantes se alinham na artéria de quatro pistas que a conecta ao Rio.
Mas se você sair da estrada principal para o centro da cidade, a imagem muda. As ciclovias passam ao longo das estradas e as bicicletas podem ser emprestadas gratuitamente. Guardas de trânsito uniformizados ajudam crianças e idosos a atravessar a rua. Bem na saída da praça principal da cidade, que está passando por reformas, há um cinema totalmente novo e vermelho, construído pela agência de cultura da cidade. Os ônibus também são vermelhos, assim como as bicicletas emprestadas e a prefeitura. A escolha da cor não é acidental: aqui, proclama, os esquerdistas estão no poder.
Num Brasil governado pelo presidente da extrema direita Jair Bolsonaro, Maricá é como uma ilha. Com 160 mil habitantes, a comunidade é liderada pelo Partido Trabalhista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há 12 anos e abriga uma experiência de novas políticas sociais voltadas para a igualdade de oportunidades e integração.
Em Maricá, políticas que estão sendo discutidas como modelo em várias partes do mundo – principalmente para a era pós-corona – se tornaram realidade: renda básica incondicional, sistema de transporte público gratuito e saúde integral e gratuita. Cientistas sociais, economistas e políticos de todo o mundo estão prestando muita atenção.
“Somos um laboratório de todo o Brasil”, afirma o ex-prefeito Washington Quaquá. O ex-prefeito Washington Quaquá, de 49 anos, governou a cidade de 2009 a 2017 e lançou as bases para a realidade de hoje. O jovial cientista social é uma figura importante do Partido Trabalhista e é uma estrela em ascensão entre os protegidos do poderoso Lula.
Após dois mandatos, Quaquá não pôde mais se candidatar à reeleição em 2016. Por isso, pressionou seu colega de faculdade, Fabiano Horta, a concorrer. Horta teve tanto sucesso que foi reeleito em novembro com espetaculares 88 por cento dos votos.
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