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Para que o “fique em casa” seja para todos, precisamos ir às ruas

Para enfrentar o plano genocida de Bolsonaro precisamos politizar as ruas. Hoje sabemos que as máscaras PFF2 constituem proteção adequada para manifestações ao ar livre, quebrando a barreira que setores da esquerda tinham para não irem às ruas contra um governo mais perigoso que o próprio vírus.

Por Victor Hugo Viegas Silva

Não se pode falar de um plano deliberado, por parte do governo Bolsonaro, de lidar com a pandemia por meio da infecção natural em massa da população brasileira (que resultaria então na famigerada “imunidade de rebanho”) sem entender um ponto essencial: o objetivo dessa estratégia sempre foi garantir o trabalho presencial de boa parte dessa população. A campanha lançada pelo “isolamento vertical” era chamada #OBrasilNãoPodeParar, e sua finalidade óbvia era manter a continuidade do trabalho e da normalidade capitalista mesmo em tempos de pandemia.

No entanto, por algumas semanas, o Brasil praticamente parou. Isso aconteceu por uma confluência de fatores: houve um consenso na classe dominante de que a situação era de fato grave, e que seria possível subsidiar uma paralisação temporária das atividades e um home office mais amplo, enquanto, no andar de baixo, se expressava uma indisposição generalizada a se submeter a condições de contágio.

Pouca gente lembra, mas de acordo com o Datafolha de março de 2020 73% da população tinha medo do coronavírus e era favorável a medidas de contenção. Já naquela época, no entanto, jovens e setores de renda mais alta predominavam entre os que pararam de trabalhar. Nas favelas, em abril de 2020, 71% eram contra a posição do Bolsonaro de isolar apenas grupos de risco, mas 51% tinham comida apenas para a próxima semana. Havia já um impasse, mas a maioria estava a favor das medidas de isolamento. O auxílio emergencial foi em parte uma resposta positiva, e de esquerda, a essa esmagadora mobilização da opinião pública por uma solução que oferecesse condições materiais à população trabalhadora a fim de tornar possível um isolamento social efetivo.

Essa opinião favorável ao isolamento se manifestou nos ambientes de trabalho na forma de uma espécie de absenteísmo de quarentena. Conforme a quarentena foi decretada, os patrões eram comunicados pelos empregados que era “impossível ir para o trabalho”. Os patrões que se recusaram a aceitar essa justificativa foram obrigados a enfrentar uma onda de greves relacionadas a medidas sanitárias como distanciamento, e disponibilidade de álcool gel e máscaras. Foi o caso dos call centers, que viram em 19 e 20 de março paralisações por parte de seus trabalhadores em Salvador, Teresina, Juiz de Fora, Goiânia, Curitiba, Limeira, São Paulo – frequentemente apesar (ou mesmo contra) dos sindicatos oficiais e pelegos de suas categorias. Essas mobilizações conquistaram o direito ao home office em muitos call centers no Brasil inteiro, mesmo naqueles que não paralisaram.

A resposta do governo federal para essas duas formas de mobilização dos trabalhadores foi decretar como serviços essenciais um número cada vez maior de serviços, nos quais os trabalhadores simplesmente se recusavam a comparecer. O primeiro setor foi o de call center, dia 21 de março, em resposta direta à agitação dos trabalhadores, com a finalidade expressa de evitar mobilizações abertas e coletivas, conforme relatou a própria Uol. Depois veio o decreto de 29 de abril, que afirmou a essencialidade dos serviços bancários e logísticos, e o de 11 de maio, que incluiu serviços como o de cabeleireiros. A quase totalidade dos serviços passou a ser considerada como “essencial”, retirando a possibilidade do empregado alegar que a quarentena o liberava de ir presencialmente ao lugar de trabalho. Esses decretos de essencialidade não tiveram resposta adequada por parte da oposição parlamentar, nem por parte do movimento sindical. Dessa forma, as categorias afetadas puderam ser mobilizadas para retornar ao trabalho – e, portanto, para ser infectadas – livremente.

Uma exceção foram os professores do ensino básico público e as categorias do ensino superior, que organizaram greves sanitárias toda vez que se ameaçou um retorno ao trabalho presencial. Os professores do ensino básico particular tiveram que enfrentar situações de maior precariedade e desigualdade interna, seguindo mais os decretos estaduais e municipais, como o restante da classe trabalhadora, do que a sua contraparte no serviço público, que conta com um sindicalismo mais forte e atuante. Uma exceção notável vem sendo a mobilização de professores de algumas escolas ditas de “elite” em São Paulo, que têm conseguido manter o ensino à distância com algum sucesso desde que as aulas foram liberadas em abril de 2021, conforme relata o Estadão. Os colegas professores de escolas menos organizadas, no entanto, não tiveram tanta sorte, e estão enfrentando a pandemia em cada escola de um jeito.

A exceção e a regra

Aregra, no entanto, para as categorias sem representação trabalhista ou de base forte e atuante tem sido o cada um por si e salve-se quem puder. A maior parte da intelectualidade de esquerda (incluindo uma boa parcela da “militância digital”), que tem garantido o direito de ficar em casa, em parte porque dispõe de sindicatos organizados e atuante, capazes de impor a negociação coletiva, parece ter dificuldade em se conectar com esses trabalhadores mais precarizadas, que não conseguiram ou não podem realizar seu trabalho remotamente. E, no entanto, esses constituem a imensa maioria da classe trabalhadora brasileira. O abismo que normalmente já existe entre camadas qualificadas de trabalhadores intelectuais mais protegidos por direitos e aqueles que executam trabalhos manuais (e são menos protegidos) aprofundou-se ainda mais durante a pandemia.

Houve, no entanto, uma curta exceção. Foi o Breque dos Apps. Nesse momento, em 1 e 27 de julho de 2020, conseguiu-se construir uma aliança real entre trabalhadores que ficavam em casa, e consumiam as entregas, e os trabalhadores de aplicativos, que não podiam ficar em casa e realizavam as entregas. Essa aliança se deu, para ser sucinto, basicamente por meio das redes sociais – com boicote e doações – e foi forte o suficiente para arrancar algumas conquistas reais, além de dar considerável visibilidade pública para a categoria dos entregadores.

Uma das propostas que surgiu das mobilizações do Breque foi o Projeto de Lei 1665/20 de autoria do PSOL que determinava que “esses profissionais devem receber orientações adequadas sobre a doença e ter direito a equipamentos de proteção individual além de proteção financeira caso venham a contrair o vírus e sejam obrigados a se afastar do trabalho em razão da necessidade de isolamento social”.

Apesar de ser uma proposta simples, quase compensatória, foi retirada do plenário e nunca foi votada, tendo enfrentado divergências por parte de grupos de entregadores que puxavam a mobilização dos Breques e não ter encontrado consenso entre os deputados.

A solidariedade entre os trabalhadores de diferentes situações sociais, expressa em sua representação parlamentar, durou pouco e, infelizmente, não causou consequências institucionais duradouras. Restou para os informais em geral, inclusive os entregadores, apenas o auxílio emergencial para segurar os piores momentos da crise até dezembro de 2020.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/05/para-que-o-fique-em-casa-seja-para-todos-precisamos-ir-as-ruas/

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