A menos de três meses do primeiro turno da eleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) caminha para aprovar no Congresso um controverso pacotão de benefícios sociais que podem somar mais de R$ 40 bilhões.
Por: Mariana Schreiber |Créditos da foto: REUTERS. Com pacotão social, Bolsonaro tenta evitar derrota em primeiro turno para Lula
A proposta de alteração da Constituição, que já foi aprovada no Senado e será analisada nesta semana na Câmara dos Deputados, inclui o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e o repasse de R$ 1 mil para motoristas autônomos comprarem combustível, entre outras medidas.
O pacote é visto na campanha de Bolsonaro como fundamental para o presidente subir nas pesquisas de intenção de voto, que indicam hoje uma possível vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já no primeiro turno.
O impacto da medida, porém, deve ser nulo, na visão do cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest, empresa que vem realizando mensalmente pesquisas sobre intenção de voto e sentimentos dos eleitores brasileiros.
Esses levantamentos mostram que o Auxílio Brasil não conseguiu melhorar a avaliação de Bolsonaro. Na verdade, entre os que recebem o benefício, seu desempenho é até pior: de acordo com a pesquisa de junho, 51% dos beneficiários têm percepção negativa do atual governo, contra 47% dos que não recebem o auxílio.
Para Nunes, isso é reflexo de uma maior politização do eleitorado, que ficou mais crítico ao analisar medidas de curto prazo do governo.
“O impacto (eleitoral) é zero, ou seja, não tem nenhuma diferença estatisticamente significativa na avaliação do governo Bolsonaro quando a gente compara as pessoas que recebem o auxílio com as pessoas que não recebem”, ressalta.
“Essa evidência é muito clara de que esse tipo de política não funcionou para os efeitos eleitorais que o governo esperava”, acrescenta.
Além da ineficácia dessas medidas, Nunes também considera que o recente escândalo de corrupção envolvendo o Ministério da Educação, com a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, dificulta a missão de Bolsonaro de expandir sua base de apoio para além do eleitorado mais fiel que o acompanha hoje.
Apesar disso, diz que é cedo para cravar que Lula vencerá no primeiro turno. Na sua avaliação, a disputa em São Paulo será central para definir isso. Se o candidato petista continuar na frente no principal colégio eleitoral do país, suas chances de liquidar rápido a disputa aumentam, afirma o diretor da Quaest.
“Se o presidente não for capaz de virar o jogo em São Paulo com uma mínima margem à frente do Lula, é muito difícil que o cenário nacional seja diferente (do que apontam as pesquisas hoje), porque, sem vencer em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o PT foi capaz de ganhar (a eleição presidencial de) 2006, 2010, 2014. Imagine o que significa o PT ter vantagem nesse estado”, analisa.
Nunes, que há poucas semanas esteve em Nova York conversando com investidores internacionais, diz que o mercado já “precificou” uma possível vitória de Lula: ou seja, a vantagem do petista na corrida eleitoral hoje não deve trazer instabilidade como ocorreu em 2002. Na verdade, sua visão é de que há até uma preferência maior pela volta do petista nesse segmento do que pela reeleição do atual presidente.
“Não há uma rejeição do mercado financeiro a uma possível continuidade do Bolsonaro, mas, hoje, o meu sentimento é que eles preferem que o Lula volte ao governo, principalmente pela questão da estabilidade política que ele poderia gerar”, acredita.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida na quinta-feira (30/06).
BBC News Brasil – Bolsonaro tenta aprovar no Congresso um grande pacote de benefícios sociais. Se de fato sair do papel, isso pode provocar uma recuperação do presidente na disputa eleitoral?
Felipe Nunes – É comum, em anos eleitorais, vermos a máquina governamental funcionando com o objetivo de tentar melhorar a sensação de bem-estar do eleitor. Acontece nas prefeituras, nos governos estaduais e, claro, no governo federal. A diferença agora é que o nível de politização e de informação do eleitor aumentou muito nos últimos anos, o que faz com que ele esteja mais crítico em relação a esse tipo de medida de curto prazo. E ficou um pouco deflagrada a ideia de que o auxílio estaria sendo criado como uma tentativa de solucionar um problema político eleitoral, e não (seria) uma agenda de fato em que o governo acredita.
Eu pessoalmente acho que o efeito é menor do que o governo tem apostado até aqui. O máximo que essas políticas (de curto prazo) conseguem fazer é diminuir a vontade das pessoas de reclamarem do governo. Elas, em momento nenhum, criam identidade, paixão, admiração pelos líderes políticos. E sem admiração, sem confiança, sem paixão pelos políticos, isso não se transforma em votos.
BBC News Brasil – O que dizem as pesquisas da Quaest sobre o impacto do Auxílio Brasil para o voto?
Nunes – O impacto é zero, ou seja, não tem nenhuma diferença estatisticamente significativa na avaliação do governo Bolsonaro quando a gente compara as pessoas que recebem o auxílio com as pessoas que não recebem. Ou seja, não tem nenhuma diferença de opinião ou de atitude movida, ou pelo menos correlacionada, com o recebimento ou não do auxílio. Essa evidência é muito clara de que esse tipo de política não funcionou para os efeitos eleitorais que o governo esperava.
O que a gente percebe é que o eleitor de baixa renda tem um nível de interesse em eleição, um nível de politização, maior do que tinha em 2018 e 2014. Essa politização, esse maior conhecimento de informação, contribui para um cenário de mais dificuldade de persuasão em relação aos projeto e às políticas.
BBC News Brasil – Essa maior politização está relacionada à forte polarização política do país?
Nunes – Exatamente. De 1994 a 2002, o Brasil vivia o que eu chamo de polarização política. Ou seja, PT e PSDB tinham agendas diferentes, mas a sociedade não estava polarizada. A partir de 2006 começamos a vivenciar o que a gente chama de polarização social que é quando essa polarização política vai pra sociedade e a gente começa a ver grupos políticos votando de maneira diferente: homens votam de um jeito, mulheres de outro; pobre vota de um jeito, rico de outro; Nordeste vota de um jeito, o Sul de outro.
Só que agora, depois de 2018, há uma polarização afetiva. O que é isso? As pessoas não se identificam mais como adversárias politicamente, elas se identificam como inimigas. Ou seja, o grau de radicalização chegou a tal ponto que o sentimento é que o outro é meu inimigo e não o meu adversário.
Isso faz com que as pessoas tenham mais interesse em buscar argumentos, a receber informações para poder participar desse debate público. A política hoje chegou nas mesas de bar, nos almoços de família, as pessoas estão cada vez falando mais sobre isso, algumas com mais informação, outras com menos, mas o fato é que essa polarização quase que exige que as pessoas tenham mais informação pra não parecerem bobas nas conversas com seus pares.
BBC News Brasil – O fato de o cenário econômico já vir de um processo longo de piora, com inflação em alta e renda em queda, reduz também o efeito dessas medidas a poucos meses da eleição?
Nunes – Meu primeiro ponto é que políticas de curto prazo tendem a ter menor retorno eleitoral. Mas tem outro componente: essas mesmas políticas, independentemente se são de longo ou de curto prazo, quando são combinadas com processos inflacionários muito críticos, o efeito positivo (da transferência de renda) é anulado pelo efeito negativo do aumento dos preços. Isso aconteceu tanto no caso do auxílio emergencial nos anos anteriores, como também tem acontecido com o Auxílio Brasil nesse ano.
BBC News Brasil – Embora o programa de transferência de renda tenha mudado de nome, há um legado do Bolsa Família que é muito associado ao governo PT. Isso também atrapalha o ganho de dividendo político para Bolsonaro com o Auxílio Brasil frente ao seu principal adversário hoje, o ex-presidente Lula?
Nunes – Não adianta nada o governo propor mudanças políticas, projetos, se ele não conseguir estabelecer uma comunicação clara e direta com o eleitor que faça com que o eleitor reconheça o atual governo como responsável por essas medidas. Eu acho que houve aí um erro na estratégia de comunicação do governo. O outro ponto é que o concorrente principal do Bolsonaro é um candidato que não levanta nenhuma dúvida a respeito da continuidade ou não dessas políticas.
Quando a gente junta esse equívoco de comunicação com o fato de que o principal opositor não é uma ameaça ao fim dessa política, você não tem incentivos para que o eleitor pense neste atributo como relevante na hora do voto.
BBC News Brasil – O Sr. mencionou a diferença de votos entre homens e mulheres. Em 2018, havia uma rejeição maior do eleitorado feminino a Bolsonaro na campanha, mas isso acabou perdendo força, e ele foi eleito com apoio da maioria desse grupo. O cenário é diferente agora?
Nunes – Mulheres conservadoras, mulheres evangélicas foram fundamentais para o crescimento do Bolsonaro na reta final da eleição de 2018. Isso está bem documentado em pesquisa. A diferença é que a agenda do governo Bolsonaro nos últimos três anos fala diretamente sobre os interesses que as mulheres vocalizam de maneira mais transparente. Eu estou falando dos posicionamentos que o governo teve durante a pandemia, como negação da vacina, negação do uso de máscara. Posições desse tipo afetam as mulheres em primeiro lugar porque são elas que se preocupam com os filhos, com as questões privadas de dentro de casa.
Mas tem um segundo componente que é o efeito do agravamento da crise econômica que não está pautada sobre o desemprego. Não é o desemprego que está aumentando, é a inflação, e isso afeta a mulher que organiza as compras de casa, que lida com a alimentação dos filhos. Ou seja, as duas agendas, a da pandemia e da economia, falam diretamente sobre os interesses das mulheres, mais especificamente do que os homens, o que gera esse racha mais explícito que a gente acompanha nas pesquisas.
BBC News Brasil – Pesquisa da Quaest de junho mostrou que o eleitor do Bolsonaro confia bastante na capacidade do presidente de combater a corrupção, mas o governo agora enfrenta o escândalo do suposto desvio de recursos por meio de pastores no Ministério da Educação e risco de uma nova CPI. Qual o impacto disso para a eleição?
Nunes – Em 2018, corrupção era, na cabeça do eleitor, o principal problema do Brasil. Hoje é a economia. Esses recentes escândalos mais próximos ao presidente não têm efeito, na minha avaliação, sobre o eleitor do Bolsonaro, aqueles 25% que classifico como fã-clube bolsonarista. É um grupo que tem atitudes completamente alinhadas ao presidente, independentemente do que acontece na versão pública do governo. Na minha opinião, até pela rejeição ao PT, esse grupo vai continuar com esse apoio.
O problema desses escândalos, dessas acusações, está justamente no que a gente chama de eleitor que poderia ser do Bolsonaro, mas também poderia ser do Lula. É aquele que não é ideológico nem pra esquerda, nem para direita, e vota de acordo com seu estado de bem-estar social. Esse eleitor, numa discussão sobre corrupção, ele tinha menos argumentos para dizer: “olha, o governo Bolsonaro se envolveu com corrupção e tal”. A partir desses últimos escândalos, isso caiu por terra e vai dificultar a capacidade do eleitor bolsonarista tradicional de convencer esse eleitor a vir para o lado bolsonarista. Ele portanto vai ter mais incentivos para ir paro lado de lá, que é o lado do Lula.
BBC News Brasil – Diante desse cenário difícil para Bolsonaro atrair o voto de centro, o Sr. considera provável Lula vencer no primeiro turno, ou há obstáculos?
Nunes – Eleição não é só racionalidade, eleição também é emoção. E as eleições brasileiras são marcadas por choques exógenos que mudam completamente o quadro, como facada (em Bolsonaro, em 2018), a queda do avião do Eduardo Campos (em 2014). Ou seja, há fenômenos imponderáveis, as coisas ainda podem mudar.
Agora, se tem um fator que eu acho que é preponderante pra entender se haverá ou não mudança desse quadro, é a eleição do Estado São Paulo. De todas as eleições brasileiras pós-redemocratização, a única em que o (candidato presidencial do) PT venceu São Paulo foi em 2002. Hoje o Lula está na frente em todas as pesquisas que são publicadas no estado de São Paulo, o que indica que São Paulo se transforma no campo de batalha: é o local que o presidente vai ter que conseguir virar o jogo, abrir vantagem, pra conseguir que o resultado seja diferente (do que apontam as pesquisas hoje).
Se o presidente não for capaz de virar o jogo em São Paulo com uma mínima margem à frente do Lula, é muito difícil que o cenário nacional seja diferente, porque, repito, sem vencer em São Paulo, o maior colégio eleitoral do Brasil, o PT foi capaz de ganhar (a eleição presidencial de) 2006, 2010, 2014. Imagine o que significa o PT ter vantagem nesse estado.
Então, a disputa entre Tarcísio (de Freitas, pré-candidato do Republicanos apoiado por Bolsonaro) e (o petista Fernando) Haddad (pelo governo de São Paulo) passa a ser a eleição realmente mais importante para entender se a decisão (na eleição nacional) vai se dar pró ou contra Lula, no primeiro ou no segundo turno.
BBC News Brasil – Apesar da dificuldade de Bolsonaro, as pesquisas indicam que Tarcísio é um candidato competitivo em São Paulo?
Nunes – Sim, até porque ele fala com um público pra além do bolsonarismo. Todo os candidatos de São Paulo estão tentando dialogar com o centro. O Haddad está tentando dialogar com o centro. O Tarcísio está tentando dialogar com o centro. O Rodrigo Garcia (governador pré-candidato à reeleição pelo PSDB) também. Ali é que está na disputa.
O Tarcísio se transforma no candidato mais importante para tentar salvar o governo de um vexame. Nenhum presidente que tentou a reeleição perdeu até agora na história brasileira: Fernando Henrique, Lula e Dilma foram reeleitos. Bolsonaro seria o primeiro.
BBC News Brasil – Enquanto Bolsonaro enfrenta dificuldades nacionalmente, o que explica essa competitividade maior do Tarcísio em São Paulo?
Nunes – A eleição de São Paulo está muito fragmentada, ao contrário do Brasil. O Haddad tem percentual de voto alto, Tarcísio tem percentual de voto alto, mas há outros nomes. O Márcio França (pré-candidato do PSB) e o próprio (atual governador) Rodrigo Garcia se colocam como adversários importantes.
Então, para o Tarcísio basta ter 20% para garantir um segundo turno, já que há outros candidatos fortes. É diferente da disputa presidencial: para que haja segundo turno, o Ciro Gomes (pré-candidato do PDT) tem que crescer em cima do eleitor do Lula. A Simone Tebet (pré-candidata do MDB) tem que crescer em cima do eleitor do Lula. Do contrário, fica cada vez menos provável que esse cenário (de haver um segundo turno) aconteça.
BBC News Brasil – A terceira via hoje tenta ultrapassar Bolsonaro e disputar o segundo turno com Lula. Considera possível, tendo em vista que o presidente tem a máquina pública e a projeção do cargo de presidente?
Nunes – Eu acho que mais do que a máquina pública, o Bolsonaro conseguiu construir algo que é muito relevante: Bolsonaro é uma liderança popular. Ele tem grupos organizados no Brasil inteiro que defendem o seu projeto político, defendem a sua maneira de governar, a sua forma de conduzir os processos políticos. Eu diria que, tirando ele e Lula, nenhum outro político nacional conseguiu fazer isso de maneira tão organizada.
E isso é o que cria dificuldades para Tebet, paro Ciro crescerem no processo. Eles teriam que encontrar um caminho que é justamente o de tirar votos do Lula, quando na verdade hoje o que a gente está observando é o contrário: o eleitor do Ciro tem alta propensão de, na reta final da eleição, migrar paro Lula. Porque ele até gosta mais do Ciro do que do Lula, mas já que o Lula é quem tem chance de ganhar a eleição contra o Bolsonaro, como o eleitor do Ciro rejeita mais o Bolsonaro do que o Lula, ele acaba podendo fazer uso daquilo que a gente chama voto estratégico para já definir a eleição logo de cara.
BBC News Brasil – Qual sua avaliação sobre as escolhas dos candidatos a vice-presidente: Geraldo Alckmin no caso de Lula, e general Braga Netto no caso de Bolsonaro?
Nunes – Essas escolhas dizem muito (sobre as estratégias dos candidatos). O que Lula está tentando fazer é dar para o mercado e a classe política um recado de moderação. Ele está dizendo o seguinte: “olha, se vocês não gostarem do que eu fizer, me tirem, o vice é o Alckmin”, um político que se aliou à direita muitas vezes, sempre foi de centro, governou São Paulo com uma agenda muito clara.
No caso do Bolsonaro é o inverso. Ele está radicalizando. Ela está dizendo: “olha, vocês estão achando que eu sou o problema, pode ser muito pior, vocês podem ter um Braga Netto no governo”. Eu acho que a escolha do presidente Bolsonaro já é quase uma preparação para uma possível derrota. Caso ele perca, continua tendo apoio de um setor importante da sociedade que são as Forças Armadas.
Então, enquanto o Lula modera para tentar dar um recado e aumentar suas chances de vitória, o Bolsonaro radicaliza com essa escolha, dando um recado de certo tensionamento institucional, ou do que poderia ser o pós-eleição. Eu digo isso porque a Tereza Cristina, do ponto de vista eleitoral, agregaria muito mais à campanha, se o objetivo do presidente fosse eleitoral e não de uma certa preparação do que pode vir mais a frente.
BBC News Brasil – Vê risco de, em caso de derrota do Bolsonaro, termos algum tipo de turbulência nas ruas envolvendo Forças Armadas, ou algo parecido com a tentativa de invasão do Congresso dos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump para Joe Biden?
Nunes – Acho que haverá uma tentativa, caso aconteça (a derrota do presidente). Acho que Bolsonaro está preparando alguns argumentos muito fortes para, caso perca, ele conseguir explicar para sua base que perdeu por fraudes nas urnas, ou porque o sistema é corrompido, ou porque o Supremo… Ele está preparando justificativas que ajudem a explicar a derrota, e ao mesmo tempo, com apoio de, pelo menos, uma parte das Forças Armadas, conseguir criar uma confusão para atrapalhar o que seria o governo de um opositor seu.
Agora, eu não acredito que o mercado, a imprensa, os setores econômicos queiram entrar num processo de ruptura real ou de golpe. Acho que será muito mais uma movimentação política no sentido de dificultar a governabilidade e a estrutura política de Lula caso ele vença a eleição, do que de fato uma ruptura em si como a gente observou em 1964.
BBC News Brasil – Lula tem tido alguns encontros com empresários. Como está o clima na elite econômica com relação a essa aproximação e a possibilidade de vitória do petista?
Nunes – Há 20 dias, eu estive uma semana inteira em Nova York (EUA) a convite do banco Genial dando palestras para grupos de investidores internacionais que têm interesse no Brasil. O que eu pude perceber lá é que há um movimento de uma certa precificação da possibilidade do Lula ser presidente de novo.
Ao contrário do que aconteceu em 2002, quando houve uma especulação financeira enorme (diante da perspectiva de eleição do Lula) que gerou instabilidade no país, esse ano eu vi um cenário diferente. Achei que os investidores internacionais aceitariam com uma certa naturalidade uma eventual vitória do Lula. Não ficariam chateados se o Bolsonaro vencesse, mas também não tem qualquer tipo de rejeição forte a um possível terceiro governo Lula.
Eu acho que isso se replica também nos setores econômicos brasileiros. A reação desses setores é de compreender que há uma possibilidade real de que o Lula seja presidente novamente, e com isso as pessoas já precificam esse processo, o que acaba criando um cenário normal para essa mudança política de um presidente mais à direita, para um presidente mais à esquerda.
BBC News Brasil – O fato de Lula já ter sido presidente, com um governo pragmático, contribui para essa aceitação?
Nunes – É uma mistura da memória que as pessoas têm do governo, mas também pelas escolhas que ele está fazendo. A escolha do Alckmin (como candidato a vice-presidente) é um exemplo disso. E Lula tem dado declarações públicas em reuniões com empresários de que quer voltar a gerar estabilidade no país. São sinais de discurso e de posicionamento que acabam ajudando na formatação de uma visão menos crítica. Embora, isso não queira dizer, nem no caso da população, nem no caso da elite brasileira, que haja qualquer perdão em relação a escândalos de corrupção.
Eu gosto sempre de lembrar que metade da minha amostra (das pesquisas eleitorais da Quaest) diz que o Lula foi corretamente punido pela Lava Jato. Não é que as pessoas perdoaram, acham que ele virou inocente. É que na opinião delas, e eu acho que isso se estende ao mercado financeiro, as escolhas do governo Bolsonaro são piores do que as escolhas de um eventual terceiro governo Lula.
BBC News Brasil – O governo Bolsonaro tem resultados econômicos ruins e se afastou da agenda liberal. Por que sua percepção é que o mercado não ficaria chateado com a vitória de Bolsonaro?
Nunes – Os investidores internacionais olham para o governo e reconhecem que o governo fez uma arrumação econômica que veem como positiva. Estou dizendo o que eu ouvi, principalmente na atuação do Banco Central, eles acham que houve mais acertos do que erros. Muitos elogiam o ministro Paulo Guedes. Então, não há uma rejeição do mercado financeiro a uma possível continuidade do Bolsonaro, mas, hoje, o meu sentimento é que eles preferem que o Lula volte ao governo, principalmente pela questão da estabilidade política que ele poderia gerar.
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