Após o Flow Podcast atingir sua maior audiência histórica ao vivo no episódio com participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o dono e apresentador do programa, Igor Coelho, não estava celebrando os números, mas se sentindo “um pouco frustrado”.
Por: Mariana Schreiber | Créditos da foto: REPRODUÇÃO. Criado em 2018, canal do podcast Flow no YouTube tem quase 5 milhões de assinantes
Em entrevista à BBC News Brasil concedida dois dias depois (20/10), ele se mostrou incomodado com a decisão da equipe do petista em encerrar logo a conversa, que durou cerca de uma hora e meia, menos de um terço do episódio com o presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve mais de cinco horas.
Para Coelho, isso impediu que abordasse alguns temas espinhosos, como a suposta relação do PT com governos considerados autoritários na América do Sul. Além disso, a forma como trechos do programa foram usados na propaganda eleitoral de Lula também o incomodou, pois, na sua visão, deu a impressão de que ele seria “fã” do ex-presidente.
O saldo do episódio, diz, reforçou sua impressão de que campanha de Lula é “bem mais profissional” que a de Bolsonaro. O que, para Coelho, não é propriamente uma vantagem.
Segundo o apresentador, o petista é “inteligentíssimo” e “muito habilidoso”. Já Bolsonaro é “mais autêntico”, algo que vê como um trunfo do presidente.
“A impressão que eu fiquei do Lula é que amplificou a ideia que eu tinha de que ele é muito safo. Ele é inteligentíssimo, ele é muito hábil, ele comete poucos erros, até em um ambiente livre, sabe? Ele se compromete pouco na fala, muito habilidoso”, disse Coelho.
“Mas a maneira como a política é feita no PT, de uma forma geral, na campanha e tudo mais, só confirmou o que eu imaginava mesmo, que é muito controlado. É tudo muito cuidadoso e é meio plástico, meio artificial”, criticou ainda.
Em contraponto ao “profissionalismo” petista, Coelho destaca a capacidade de Bolsonaro de se conectar com uma parcela do eleitor por meio de seu jeito “cru”, embora o apresentador reconheça que muitas declarações do presidente são reprováveis e inapropriadas para o cargo.
“No dia do Bolsonaro, que é o presidente da República, não tinha ninguém enchendo o saco dele pra ele parar de falar. Ele falou um monte de coisas que podem ser reprováveis, e ninguém se meteu. Então, nesse sentido, eu acho que sim, é mais autêntico”, avaliou.
“Eu acho que na posição de presidente da República, um cuidado maior com as palavras faz-se necessário. Mas, a ausência desse cuidado comunica alguma coisa também. Eu acho que isso o aproxima do povo, sabe? Eu acho que ele falar do jeito chucrão dele lá, e cru, e sem pensar muito, dá a impressão que ele está falando o que está na cabeça dele. Portanto, a gente sabe exatamente o que tem na cabeça dele. E é melhor isso do que uma fala muito bem estudadinha, que nem, sei lá, do Alckmin”, acrescentou.
Na entrevista à BBC News Brasil, Coelho também criticou a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de desmonetizar (impedir ganhos com publicidade) canais do YouTube e suspender o lançamento de um filme sobre a facada da qual Bolsonaro foi vítima na eleição de 2018. Na sua avaliação, a medida seria censura prévia.
Já o TSE considerou que esses canais propagam informações falsas em apoio a Bolsonaro e contra Lula. Para a Corte, a suspensão da monetização desses canais é uma forma de proteger a lisura da eleição.
O apresentador comentou ainda a saída de Bruno Aiub, conhecido como Monark, do Flow, após ele ter defendido a possibilidade de um partido nazista existir legalmente no Brasil. Embora discorde dessa declaração, Coelho considera “absurdo” Monark ser tratado como nazista e ter perdido o direito de ter um canal monetizado no YouTube. Devido a essa restrição, Aiub deixou o programa para que o Flow não perdesse as receitas com o canal.
A entrevista com Lula, aliás, gerou bom retorno financeiro. Segundo Coelho, até o início da tarde de quinta-feira (20/10), o Flow havia recebido ao menos R$ 50 mil do YouTube, recursos que vêm principalmente de anúncios exibidos para o público que assistiu ao episódio.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por vídeo-chamada.
BBC News Brasil – A entrevista com o ex-presidente Lula bateu mais de um milhão de views simultâneos. Essa audiência te surpreendeu?
Igor Coelho – Surpreendeu sim. Eu já tinha visto o desempenho do Lula em eventos online antes, em comparação com eventos do pessoal do Bolsonaro. Então, eu estava chutando assim: Bolsonaro fez 590 mil, eu acho que o Lula vai ter uns 300 mil e pouco. Só que aconteceu uma mobilização na internet de vários influenciadores, todo mundo se movimentando com o único objetivo de bater o número que o Bolsonaro tinha feito. Isso gera algumas distorções, inclusive nos nossos (dados) analíticos. Por exemplo, a retenção (da audiência na live) é mais baixa do que naturalmente é. O tempo que as pessoas ficam no vídeo também é menor. Então, tem algumas distorções que me mostram que esse número não é real. Mas, mesmo se a gente cortar pela metade, ainda é muita gente de verdade assistindo.
Meu objetivo não era fazer uns números absurdos. Eu queria mesmo conversar com o Lula, até porque faz dois anos que a gente está correndo atrás dele. Aí a gente teve essa rápida chance.
BBC News Brasil – E no caso da entrevista com Bolsonaro?
Igor Coelho – Não estou dizendo que aquele número do Bolsonaro também é absolutamente real. Mas tem algumas diferenças. A gente também já está conversando com ele faz um tempo, desde o ano passado. Como a gente não sabia se ele ia vir de verdade, a gente só soltou a agenda no mesmo dia, às 13h, então não teve tanto tempo assim para a galera se mobilizar. Portanto, eu acho que aqueles números do Bolsonaro são menos inflados que os números que aconteceram com o Lula.
A gente queria fazer a mesma coisa para manter todo o mundo nas mesmas condições. Então, com a Simone Tebet a gente também soltou às 13h o aviso que ela ia estar [no Flow]. Já no caso do Lula, o [deputado André] Janones soltou [antes]. Alguém vazou pra ele, e ele começou a mobilização uns dois dias antes do programa.
BBC News Brasil – O podcast é um formato de entrevista com linguagem diferente do jornalismo que tem ganhado muito espaço nessas eleições. Isso atrai uma audiência maior?
Igor Coelho – Eu acho que as pessoas gostariam de ver esses caras, que são profissionais em enganar a gente, de uma forma mais humana, sentado numa mesa, conversando de igual para igual, com outro cara que se coloca na posição de um cidadão comum. Essa é a verdade. Quando eu vou conversar com eles, as perguntas que eu formulo são coisas que me interessam na minha vida prática. Todas aquelas firulas que eles falam, os ataques uns aos outros e tal, eu tô menos interessado nisso. Então eu acho que as pessoas estão querendo entender melhor a mente desses caras. E um formato longo e livre, o mais livre possível, eu acho que ajuda bastante nisso. E por isso que eu acho que tem um interesse aí.
Tem também toda a ideia dessa guerra pessoal que eles estão travando. Então, no caso do Lula, eu percebi que, quando chegou 1 milhão de pessoas assistindo, eles [celebraram] “ah, tá, batemos o recorde do Bolsonaro”. O pessoal da campanha dele [quis terminar a participação do Lula após o recorde], não o Lula pessoalmente.
Eu fiquei um pouco frustrado e, mais uma vez, não com o Lula, mas com o bastidor da coisa. Eu estudei pra caramba e eu não consegui usar nem 30% do que eu anotei. Ficou parecendo que eu estava ajudando o Lula.
Porque, assim, [críticos vão dizer] “ah, você não questionou isso, não questionou aquilo”. Não, eu tentei falar umas coisas aqui, mas não deu tempo de construir nada. Com uma hora de programa, [a equipe do Lula] já estava pedindo para terminar.
Assim, eu entendo que com o Bolsonaro foi muito longo. O Lula é dez anos mais velho que o Bolsonaro, está numa campanha intensa, reta final. Não queria ficar cinco horas com Lula, mas é que uma hora e meia é muito pouco. Não dá para desenvolver nada. Então, nesse ponto eu fiquei meio frustrado.
BBC News Brasil – Uma crítica comum ao formato do seu podcast é que seria uma conversa muito livre e que não haveria um preparo seu para rebater quando a pessoa fala algo que não é verdade. Como foi sua preparação para o podcast do Lula e do Bolsonaro?
Igor Coelho – Eu acho que confunde-se eu ser, com o perdão da palavra, escroto com o cara e pressionar e colocar contra a parede, com não perguntar ou não pôr os pontos que podem ser incômodos. Se você assistiu ao programa com o Bolsonaro, vai ver que na maioria do tempo eu estou levantando pontos incômodos. O que eu não estou sendo é desrespeitoso e escroto com o Bolsonaro.
Então, independente do que eu ache, tem um ser humano ali, que, inclusive, pessoalmente, parece meu tio. É uma sensação meio comum em todo o mundo que eu já vi que conversou com o Bolsonaro pessoalmente. Parece que em toda família tem um Bolsonaro. Então, daí a ele ser presidente e pôr em prática essas coisas [que ele fala], aí já é uma outra discussão.
Mas o que eu estou dizendo é eu não me coloco na posição realmente de ser escroto com cara. Porque eu preciso que seja uma conversa. Se não for uma conversa, ele não vai se sentir confortável para me dizer o que eu quero saber.
Por exemplo, tem coisas que o Bolsonaro fala e que o Paulo Guedes fala durante o programa aqui que eu fiquei impressionado de não ter ninguém repercutido essas coisas, [e em vez disso] repercutindo coisas muito menores, sabe? Ele fala inclusive que ele sabe que a cloroquina não tem comprovação científica. Ninguém repercute esse tipo de coisa.
Com o Lula, não deu tempo de construir nada de verdade ali. Aí pegaram uma fala do Lula e estão transformando num crime absurdo. Estão chamando Lula de transfóbico, é forçar a barra.
Eu queria também que as redes sociais tivessem o mesmo fervor para desmentir esses absurdos como estão tendo com Lula, que eu acho que é um absurdo mesmo, mas para todos os seres humanos, porque eles só estão a fim de desmentir quem está de fato ali alinhado com a narrativa deles.
[Nota da redação – A fala acusada de transfobia a qual Igor Coelho se refere ocorreu quando Lula trouxe exemplos hipotéticos de mentiras que, na sua visão, poderiam ser criadas na campanha contra ele. É esse trecho: “As coisas absurdas que eles inventam todos os dias não têm critérios. Eles são capazes de dizer que você nasceu mulher e, depois, virou homem. São capazes de dizer que vacas voam e que cavalo tem chifre”].
BBC News Brasil – E essa é uma crítica que você faz aos dois lados, tanto ao bolsonarismo como ao lulismo?
Igor Coelho – Com certeza. Tirando a pessoa dos candidatos, eu considero as campanhas bem parecidas. Ataques semelhantes, mentiras dos dois lados. Não dá para dizer que a campanha do Lula não mente, porque mente. Não dá para dizer que a campanha do Bolsonaro não mente, porque mente. E são ataques raivosos. Cancela aqui, cancela ali.
Eu acho as campanhas muito parecidas, apesar de achar a campanha do Lula bem mais profissional, e eu não estou dizendo que isso é bom. Eu sinto que, com o Bolsonaro, pelo menos eles [a equipe do presidente] parecem estar empenhados em deixar ele aparecer. Já o Lula parece ter um cuidado [da equipe] para não falar m****.
BBC News Brasil – Mesmo entre apoiadores de Lula, há críticas de que esse profissionalismo da campanha criaria uma imagem que o distanciaria do “povão”, embora Lula seja uma figura com apelo nas grandes massas populares. Você concorda que talvez o Bolsonaro acaba tendo uma imagem mais autêntica?
Igor Coelho – Sem dúvida nenhuma. Eu acho que essa é a principal diferença da campanha dos dois. Pô, o que aconteceu aqui na conversa com o Lula foi por causa deles [a equipe da campanha]. No dia do Bolsonaro, que é o presidente da República, não tinha ninguém enchendo o saco dele pra ele parar de falar. Ele falou um monte de coisas que podem ser reprováveis, e ninguém se meteu. Então, nesse sentido, eu acho que sim, é mais autêntico.
BBC News Brasil – Há pessoas que criticam quem coloca Lula e Bolsonaro no mesmo patamar. Elas dizem que Bolsonaro é uma ameaça à democracia e não consideram que Lula seja uma ameaça. Lula conseguiu atrair antigos adversários, como Geraldo Alckmin e Simone Tebet, justamente por verem essa diferença dele em relação a Bolsonaro. Você concorda com essa visão?
Igor Coelho – Eu concordo até certo ponto com isso. Realmente eles não são parecidos, mas eu não sei se é porque o Bolsonaro é uma ameaça à democracia.
Eu acho que o Bolsonaro é uma ameaça à maneira como as coisas funcionam, não necessariamente democracia. O que eu quero dizer com isso: ele é meio errático, sabe? A sensação que eu tenho é que você não sabe o que você espera do Bolsonaro. O Lula é um político experiente, muito mais hábil. Então, espera-se que ele vá fazer determinadas alianças e conversar com determinados setores e tal. O Bolsonaro é um pouco mais difícil de prever.
O Lula, por outro lado, ele é muito mais hábil e isso também é perigoso porque ele consegue se entranhar pelo poder e espalhar os tentáculos do PT, por exemplo, pelo poder, como, aconteceu nos anos em que o PT ficou no poder. Eles estavam no meio da máquina pública. E o Bolsonaro, eu acho que ele nem é capaz disso. Ele não é sofisticado o suficiente para conseguir esse tipo de manobra.
Então, pra mim, os dois são um problema. Na verdade, se eu pudesse escolher apertar um botão “segundo turno não vai ter nenhum dos dois”, eu apertava.
Então, eu acho que a questão com o Bolsonaro é muito mais de não conseguir prever nem nada, do que de fato ser uma ameaça. Ele nem tem apoio popular, nem apoio das Forças Armadas eu acho, para dar esse golpe que estão falando que ele vai dar. Eu só estou curioso para saber, no caso da vitória do Lula, se o Bolsonaro vai estar lá para passar a faixa, que isso vai ser uma cena interessante.
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63353233
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