Precisamos que nossa teoria social seja rigorosa e acessível, mas que também seja capaz de dar conta das complexidades nas ações das pessoas e suas motivações – e o livro “O debate sobre a teoria pós-colonial e o espectro do capital”, do sociólogo marxista Vivek Chibber, busca fazer isso.
Por: Tibor Rutar | Tradução: Gabriel Landi Fazzio |Crédito Foto: WBK Photography / Flickr
Desde a sua publicação, em 2013, o livro de Vivek Chibber Teoria pós-colonial e o espectro do capital (PTSC, na sigla em inglês) gerou diversas discussões acadêmicas. Um novo volume, O debate acerca da teoria pós-colonial e o espectro do capital, capta esse debate, muitas vezes bem genioso.
PTSC visa principalmente pôr a nú as falhas conceituais e empíricas no interior dos “estudos subalternos”, uma importante vertente da teoria pós-colonial. Ao fazê-lo, Chibber desafia o postulado pós-colonial mais amplo de que o Ocidente e o Oriente seriam tão radicalmente diferentes que teorias com origens europeias, como o marxismo, não teriam validade universal.
Chibber encontra pelo menos três argumentos na literatura subalternista que suportam essa alegação maior. O primeiro diz respeito às estratégias ostensivamente diferentes que as classes dominantes, ou seja, a burguesia, usaram para alçar-se e consolidar-se no poder. Na Europa, argumentam eles, a burguesia emergente governava pelo consentimento, enquanto na Índia dependia da coerção.
O segundo argumento resulta diretamente desse: o capitalismo teria evoluído de forma diferente a depender do estilo de governo da burguesia. Na Europa, o capitalismo transformou todas as relações sociais de acordo com sua lógica, mas na Índia deixou intactas algumas estruturas pré-capitalistas.
O terceiro argumento aborda a constituição psicológica supostamente distinta dos atores sociais. Na Europa, camponeses e operários teriam internalizado uma “consciência burguesa” que os tornava sensíveis aos seus interesses materiais; na Índia, tal consciência nunca teria surgido, e, assim, os indianos não se preocupariam com seus interesses objetivos quando se tratava de questões econômicas e, especialmente, políticas.
Chibber argumenta de forma convincente contra a corrente dos estudos subalternos em todas essas três frentes.
Primeiro, ele nos lembra que a crença de que o capitalismo francês e inglês teriam incorporado valores democráticos e se baseariam no consentimento das massas é pura fantasia. Na maior parte da história do capitalismo – tanto na Europa como em outros lugares – o consentimento esteve manifestamente ausente. As instituições democráticas só surgiram através das lutas de baixo, não graças a uma classe capitalista esclarecida.
Em segundo lugar, enquanto os subalternistas e outros teóricos da diferença apontam corretamente que o capitalismo não tem a mesma aparência em todo o mundo, Chibber demonstra que o marxismo não precisa negar – e, de fato, não nega – esse fato.
Quando os marxistas afirmam que suas ferramentas conceituais se aplicam em todo o mundo capitalista, eles estão destacando um pequeno conjunto de propriedades básicas que operam em qualquer sociedade capitalista, incluindo a motivação pelo lucro, o trabalho assalariado e a concorrência. O modo como essas propriedades se expressam ou que dinâmicas socioculturais existem ao seu lado, lhes dando forma, permanece em aberto – um problema para o qual o marxismo não é, em absoluto, cego.
Finalmente, Chibber usa a própria evidência historiográfica dos subalternistas para refutar a suposição de que as pessoas agem de acordo com seus interesses materiais somente quando devidamente socializadas pelas normas ocidentais. Os camponeses e trabalhadores indianos tinham uma compreensão tão clara dos riscos e custos associados à ação coletiva quanto seus colegas franceses e ingleses. De fato, os subalternistas bolaram um orientalismo inconsciente ao descrever as ações, no Oriente, como sendo radicalmente diferentes em sua natureza do que tais ações no Ocidente.
Mas a crítica de Chibber aos estudos subalternos também intervém de maneira útil em vários debates contemporâneos mais abrangentes na sociologia, sociologia histórica, estudos culturais e campos relacionados. Seu significado no desenvolvimento de uma teoria social marxista contemporânea, não ortodoxa; e no combate ao culturalismo difuso – quer ele apareça como pós-estruturalismo, pós-marxismo ou, ironicamente, certas versões do Novo Materialismo – dificilmente pode ser exagerado.
Ao realinhar o marxismo com suas raízes materialistas, Chibber coloca a ação humana não apenas no centro do capitalismo, mas também no centro da resistência.
Que tipo de materialismo?
Desde o início, o marxismo orgulhou-se de seu profundo materialismo, que se desenvolveu em forte oposição às variedades a-históricas e metodologicamente individualistas de materialismo – que são geralmente chamados de materialismos vulgares, ingênuos, abstratos, contemplativos ou mecanicistas. Apesar da rejeição de Marx a essas escolas, ele apresentou sua teoria como autoconscientemente materialista, como materialismo histórico.
Entre muitas outras coisas, isso significa que o marxismo considera as pessoas como tendo tanto mentes como corpos, e que as mentes das pessoas são fundamentalmente corpóreas. Isso coloca em primeiro plano os dotes biológicos da humanidade – a capacidade de autoconsciência, intencionalidade, reflexividade e racionalidade, bem como a necessidade de bem-estar material, atividade significativa e autonomia pessoal.
Em suma, o “materialismo” no materialismo histórico significava que, ao lado do condicionamento histórico, ao lado das estruturas sociais que capacitam, restringem e motivam a atividade humana, a natureza também desempenha um papel causal.
O equilíbrio do marxismo entre um paradigma completamente naturalista e um inteiramente historicista foi, na sua maior parte, perdido na segunda metade do século XX. Como observou Sebastiano Timpanaro em 1966:
“Talvez a única característica comum a todas as variedades contemporâneas do marxismo ocidental seja, com poucas exceções, a preocupação de se defenderem contra a acusação de materialismo. Os marxistas gramscianos ou togliattianos, os marxistas existencialistas-hegelianos, os marxistas neo-positivistas, os marxistas freudianos ou estruturalistas, apesar das profundas dissensões que de outra forma os dividem, rejeitam toda suspeita de conluio com o materialismo “vulgar” ou “mecânico”; e o fazem com tanto zelo como que para expulsar, juntamente com o mecanismo ou a vulgaridade, o materialismo tout court [no geral].”
Podemos localizar pelo menos dois fenômenos responsáveis por esse giro. Em primeiro lugar, quase todas as variedades do marxismo estavam se esforçando muito para se distanciar do materialismo vulgar stalinista. Em segundo lugar, e talvez mais importante, muitos tentaram se adaptar às transformações linguísticas e culturais da academia.
Na era do pós-guerra, uma crítica proeminente sustentava que o marxismo seria responsável por reduzir a cultura a um fluído superestrutural que funcionaria apenas para assegurar a reprodução da economia – a esfera social realmente importante. Como resultado, a maioria das variedades de marxismo corrigiu qualquer maltrato potencial de fenômenos sociais extra-econômicos, completamente rejeitando ou ajustando a metáfora de base-superestrutura.
Embora tenham sido sempre importantes para o materialismo histórico, a cultura, o discurso, a política, a ideologia, a hegemonia, a identidade, o gênero e a raça tornaram-se as palavras de ordem do marxismo. O marxismo se inclinou tanto na direção cultural que começou a se dissociar completamente a si mesmo e seus estudos da cultura do materialismo. Timpanaro – novamente, já em 1966! – capta esta tendência:
“A posição do marxista contemporâneo parece, às vezes, como a de uma pessoa que vive no primeiro andar de uma casa, que se volta para o inquilino do segundo andar e diz: “Você acha que é independente, que se sustenta sozinho? Você está errado! Seu apartamento só se mantém porque é apoiado no meu, e se o meu colapsa, o seu também”; e, por outro lado, para o inquilino do piso térreo: “O que você está fingindo? Que você me apóia e condiciona? Que ilusão infeliz! O piso térreo existe apenas na medida em que é o piso térreo para o primeiro andar. Ou melhor, estritamente falando, o andar térreo é o primeiro andar, e seu apartamento é apenas uma espécie de porão, ao qual nenhuma existência real pode ser atribuída”. Para dizer a verdade, as relações entre o marxista e o inquilino do segundo andar tem tido perceptível melhora por algum tempo, não porque o inquilino do segundo andar tenha reconhecido sua própria “dependência”, mas porque o marxista reduziu consideravelmente suas pretensões e chegou a admitir que o segundo andar é amplamente autônomo do primeiro, ou então que os dois apartamentos “se apoiam uns aos outros”. Mas o desprezo pelo habitante do andar térreo tornou-se cada vez mais pronunciado.”
Ainda encontramos esse “desprezo pelo habitante do térreo”, na medida em que algumas tendências marxistas e da teoria social radical em geral descartam a biologia e o materialismo de suas análises.
Diana Coole e Samantha Frost apresentam os ensaios na coletânea Novos materialismos descrevendo “o eclipse do materialismo na teoria recente” e um correspondente “giro cultural que privilegia a linguagem, o discurso, a cultura e os valores”. Mais especificamente, Kieran Durkin observa em seu livro de 2014 sobre Erich Fromm que “falar da ‘natureza humana’, ou da ‘essência humana’, é geralmente visto como algo embaraçoso hoje”, uma vez que tal ideia está associada com o triste projeto da sociobiologia.
Estudiosos excepcionalmente influentes, de Richard Rorty e Clifford Geertz a Stuart Hall, Judith Butler, Michel Foucault e muitos outros, todos compartilham esta convicção. Hall escreve, ecoando Foucault, que o corpo humano deve ser reconhecido como “infinitamente maleável e contingente”. Assim, como estudantes “de Foucault, Deleuze e Irigaray”, somos levados à “rejeição de todas as formas de universalismo, incluindo a variação socialista”.
Mas este erro lamentável, como Lena Gunnarsson aponta de maneira sagaz, só reforça a lógica subjacente por trás sociobiologia:
“Embora negar à biologia qualquer significado para as questões sociais pareça buscar colocar o prego final no caixão do determinismo biológico, o movimento na realidade depende de uma noção determinista do biológico. Buscar evitar o determinismo biológico evitando a biologia não desafia a convicção sociobiológica básica de que, se a biologia é admitida como base do funcionamento humano, ela deve determinar o comportamento humano… A posição radical construtivista pode ser oposta ao determinismo biológico em um nível superficial, mas opera dentro dos limites das estruturas categóricas deste último, apenas em forma invertida. O que caracteriza ambos os campos é o reducionismo, na medida em que o que na realidade é tanto biológico quanto socialmente construído é reduzido a uma questão de determinações biológicas ou sociais.”
Chibber expõe muito bem o desprezo injustificado pelo materialismo e o construcionismo excessivo associado a este desprezo nos capítulos sete e oito de PTSC. No entanto, essa tendência aparece em muitas das críticas que ele recebeu desde a publicação do livro.
Racionalidade sob o capitalismo
Em PTSC, Chibber sublinha as potenciais armadilhas da análise materialista. Atribuir racionalidade ou reflexividade aos atores sociais e enfatizar o poder que os interesses materiais têm na motivação de algumas de suas ações pode dar errado de várias maneiras: se retratar atores como implacáveis otimizadores da utilidade ou, pior ainda, puros egoístas; se nega o papel da ação habitual e rotineira; se ignorar que quase todas – se não todas – as ações humanas são culturalmente mediadas, dotadas de significado social e expressas de diversas maneiras em diferentes contextos; se negar que muitos aspectos da vida humana não são apenas mediados, mas, de fato, construídos pela cultura; se descontar o comportamento irracional, até mesmo a irracionalidade sistemática, em certas esferas da vida; e assim por diante.
Depois de desenhar este mapa do campo minado, ele usa a evidência historiográfica fornecida pelos subalternistas para ilustrar sua argumentação a favor do materialismo. Contrariamente às afirmações explícitas de dois subalternistas de destaque, Partha Chatterjee e Dipesh Chakrabarty, essas evidências mostram que quando o bem-estar e a autonomia das pessoas estão em risco elas percebem essa situação, independentemente do relacionamento da suas culturas locais com a consciência européia ou burguesa.
A defesa de Chibber do materialismo resume-se quase como um truísmo: quando as pessoas experimentam muito estresse, elas o reconhecem e não o apreciam.
Isto, naturalmente, não significa que os explorados irão espontaneamente irromper em luta efetiva. Desgostar da exploração e de fato lutar contra ela são dois assuntos diferentes. A primeira deve vir antes da segunda, mas a ação coletiva depende de muitos fatores, além da experiência e do reconhecimento da privação.
As lutas eficazes demandam recursos materiais e não materiais suficientes para realizar mobilizações; nelas, os atores enfrentam riscos extremos e devem pesar estes contra suas chances de sucesso; devem produzir solidariedade ou identidades culturais comuns entre os explorados e oprimidos. Deveria ser desnecessário dizer que esses fatores também permanecem fundamentalmente ligados aos interesses e à racionalidade das pessoas.
Alguns dos críticos de Chibber, mesmo alguns mais simpáticos, não concordam com este ponto. William Sewell Jr chama isso de “racionalismo” e “muito próximo da escolha racional”, uma preocupação que Bruce Robbins e Stein Sundstøl Eriksen compartilham. Para Sewell, o marxismo de Chibber não tem “sensibilidades culturais”.
Julian Murphet encara com ceticismo o “apego de Chibber a uma lista de interesses individuais que ditam as decisões sobre o ser”. George Steinmetz vai mais longe e afirma: “Chibber está implicitamente defendendo uma visão inteiramente irrealista de um homem como uma máquina racional”. Durante a aparição de Chibber em um programa esloveno de rádio, o entrevistador, criticamente (embora um pouco obscuramente) apresenta um argumento semelhante:
“Reduzir um ser humano unicamente às suas características [sic] naturalmente dadas cria uma vida pura, que não pode gerar a mudança social porque foi, como tal, expelida da sociedade. A vida pura, definida como nem humana nem animal, não pode ser o denominador comum que une as pessoas como sujeitos políticos de um movimento operário.”
Podemos concordar com Sewell, que argumenta que Chibber deveria ter ido mais longe e fornecido uma sociologia histórica e política alternativa do mundo pós-colonial para combater os subalternistas. Mas essas críticas sobre o lugar da racionalidade em PTSC captam sua argumentação de maneira fundamentalmente errada.
Afirmar que Chibber monta uma defesa das pessoas como máquinas racionais ou que ele reduz a humanidade a características naturalmente dadas – ou “vida pura”, o que quer que isso signifique – não só deturpa o livro como também revela o desprezo pelo materialismo que Timpanaro descreve.
Esta posição tem duas falhas principais. Primeiro, é conceitual e empiricamente errada. Pessoas subalternas em todos os lugares sempre reconheceram a seriedade de sua posição e sentiram-se prejudicadas por ela. Como atesta o “Verso Book of Dissent”, a humanidade vem se organizando, resistindo e gerando mudanças durante a maior parte de sua história.
Como podemos explicar isso sem fundamentar o comportamento humano nos interesses materiais das pessoas e em sua capacidade de se distanciar criticamente das normas que tentam justificar a opressão e a exploração? Se as pessoas não fossem mais do que “construções socioculturais infinitamente maleáveis”, elas simplesmente internalizariam a ideologia predominante – não a questionariam, desafiariam e a subverteriam. É precisamente porque as pessoas não são “infinitamente maleáveis” que as práticas socioculturais opressivas as afetam, frustram e as ferem.
Além disso, rejeitar a crença de que as pessoas possuem interesses materiais e que esses interesses, mediados pela cultura, motivam os atores em determinadas situações, torna quase impossível dar sentido às características mais básicas e salientes do capitalismo. Por que os trabalhadores sem propriedade em qualquer lugar se oferecem para o emprego? Por que eles competem contra seus colegas de trabalho? Por que os capitalistas trabalham constantemente para minimizar custos e maximizar lucros?
Será que essas coisas não passam de consequências de ideologia, hábito ou normas culturais? Será que a racionalidade e os interesses materiais – ligados às necessidades humanas e bloqueados pela distribuição desigual de recursos – não têm qualquer influência no comportamento dos trabalhadores e dos capitalistas? Se isso for verdade, por que encontramos as mesmas práticas em contextos culturais muito diferentes? De onde provêm as normas que reforçam essas estruturas? Por que as pessoas teriam criado as mesmas normas em todos os países capitalistas?
É muito mais plausível argumentar que os capitalistas minimizam os custos e maximizam os lucros porque competem com outros capitalistas. Recusar-se a respeitar os protocolos capitalistas os forçaria à falência e a perder sua confortável posição de classe, que lhes concede bem-estar material, autonomia, etc. Da mesma forma, os trabalhadores procuram empregos e competem uns com os outros porque, caso contrário, suas necessidades humanas mais básicas ficariam completamente insatisfeitas.
Steinmetz afirma que o “argumento sobre racionalidade não é uma parte necessária dos argumentos de Chibber sobre a natureza do capitalismo”. Eriksen diz mais ou menos o mesmo: “não está claro o que ganhamos ao insistir na racionalidade dos atores”. Peço licença para divergir. O argumento de Chibber sobre a racionalidade representa não apenas uma parte necessária, mas talvez central de sua análise do funcionamento do capitalismo.
Em segundo lugar, descartar o materialismo desarma as políticas socialistas que enfatizam a importância da luta a partir de baixo. Se as pessoas devem emancipar-se – ao invés de serem emancipadas pelo alto – elas têm de ser pelo menos um pouco racionais, e têm de localizar algumas preocupações universais para uni-las. Sem racionalidade, elas não teriam como descobrir a situação problemática em que se encontram, nem poderiam coordenar ações coletivas apropriadas que nos aproximem de um futuro socialista.
De fato, se os interesses materiais não existem ou são irrelevantes, por que os capitalistas e os trabalhadores simplesmente não juntam suas mãos e coexistem pacificamente no aqui e agora? Se não há interesses, não pode haver conflito de interesses: por que, então, lutar e protestar?
Um tipo melhor de crítica
Muitos dos críticos de Chibber caracterizam sua obra como não sendo marxista o bastante ou por ser demasiado marxista. Isso nunca foi uma argumentação útil: os críticos devem extrair as falhas de uma obra, não simplesmente rotulá-la e assumir que seu trabalho está feito. Para ser justo, a maioria dos críticos de Chibber se limitam a denominá-lo e tomar isso por crítica. No entanto, o fato de que as avaliações da procedência intelectual de PTSC muitas vezes assumem posições opostas nos diz algo sobre a qualidade desses argumentos.
Chris Taylor, por exemplo, insiste que o livro seria “um dos ‘textos marxistas’ menos dialéticos, mais rasos” publicados nos últimos anos. Ele insinua que o livro não conta realmente como marxista ou que é marxista no mais trivial dos sentidos.
Murphet lamenta também o “marxismo analítico weberiano defendido por Chibber” e felicita Chatterjee por sua “decisão tática de ‘desmarxistizar’ o marxista”. Murphet está se referindo à queixa de Chatterjee, feita na conferência “Materialismo Histórico” de Nova York em 2013, de que “Chibber… oferece um relato alternativo da produção capitalista que não tem nenhuma relação reconhecível com a tradição marxista… Chibber rejeita a definição de Marx do trabalho abstrato”.
Uday Chandra felicita Chatterjee, escrevendo que sua “hábil leitura da obra de Marx excedeu os esforços de Chibber e mostrou que este último é pouco mais que um liberal rawlsiano dedicado a alguma variante da teoria do contrato social”. Para ele, o quadro teórico de Chibber não seria suficientemente marxista, dependendo demais de manobras não-dialéticas e burguesas como análise, discordância com Marx e reconhecimento de contribuições da sociologia weberiana e do liberalismo rawlsiano.
Outros acham Chibber demasiado marxista – ou melhor, acham que seu marxismo é muito estreito e ortodoxo demais. Spivak rejeita o PTSC como sendo “marxismo da Pequena Grã-Bretanha”, alegando que o escopo do livro “destrói qualquer tentativa de ampliar o escopo de um discurso marxista geral”. No final, Spivak afirma que “Chibber não oferece nada mais do que o usual pronunciamento utópico mecânico marxista”.
O entrevistador esloveno que mencionei acima reclama que Chibber “cria uma barreira impenetrável entre o que ele conceitua como materialismo e o que não é materialismo… Com isso ele gera uma incompatibilidade universal entre o marxismo e o não-marxismo… E nos obriga a escolher um lado como correto e o outro como falso”. Ou seja, o marxismo dogmático e ortodoxo de Chibber se recusaria a aceitar quaisquer idéias que estejam fora de sua estreita estrutura teórica.
Agora, qual deles está certo? Chibber tem muito ou muito pouco marxismo em sua obra? Será que ele se recusa a aceitar qualquer coisa fora do marxismo ou ele inclui não-marxistas demais, como Weber e Rawls? Não responda: a pergunta em si é tola demais.
A fidelidade a um paradigma não importa em si – o que importa é se os argumentos de Chibber são conceitual e empiricamente sustentáveis ou não. É surpreendente quão pouco esforço os críticos mais agressivos de Chibber gastaram para esta finalidade até agora.
Veja em: https://jacobin.com.br/2022/03/o-espectro-do-materialismo/
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