No Pará, repórteres viram de perto a maior operação do instituto para retirar gado ilegal em terras indígenas. Além de acossar povos isolados, criminosos tentam frear o trabalho dos fiscais: destroem pontes, incendeiam matas e ameaçam moradores
Por: Rafael Moro Martins (texto), na Sumaúma| Créditos da foto: Lela Beltrão
Sábado, 26 de agosto, 9h
Dois minutos depois de apagarem o incêndio criminoso de uma ponte de toras, agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) temem ter chegado ao fim da linha. Mais uma ponte de madeira, essa com 10 metros de extensão, tinha sido destruída por motosserras, impedindo as caminhonetes da fiscalização de avançar. Do outro lado, quilômetros depois da ponte arruinada, outro grupo de agentes do Ibama e policiais da Força Nacional guarda um rebanho ilegal de 500 bovinos. Foram os grileiros da Terra Indígena Ituna/Itatá, nos municípios de Senador José Porfírio e Altamira, no Pará, na Amazônia brasileira, que destruíram a ponte. Destruir pontes é uma estratégia de ladrões de terras públicas para impedir a retirada de cerca de 5 mil bovinos de uma das terras de maior conflito da Amazônia brasileira. Desde 17 de agosto, quando começou a operação batizada de Eraha Tapiro, a maior já realizada pelo Ibama para tirar gado de uma terra indígena, os grileiros e seus peões têm confrontado as forças do Estado. É guerra.
Com 142 mil hectares, quase o tamanho de São Paulo, a TI Ituna/Itatá é lar de um grupo de indígenas que evitam o contato com não indígenas e são conhecidos como “isolados do Igarapé Ipiaçava”. Desde o início da década de 1970 eles são avistados por colonos, sertanistas e outros povos originários. Em 2011, o início do processo de demarcação do território deflagrou uma corrida pela invasão da área por latifundiários da região e outros aventureiros, ameaçando a floresta e seus habitantes originários.
Para protegê-los, desde 2011 a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) limita o acesso ao território a apenas pessoas autorizadas pelo órgão. É uma medida necessária para salvá-los de vírus como os da gripe ou do sarampo, que podem exterminar populações inteiras. Nos séculos 16 e 17, mais de 90% dos indígenas de algumas regiões da América foram dizimados principalmente pelas doenças trazidas a bordo do corpo dos invasores europeus.
A medida da Funai, porém, foi largamente descumprida. De 2018 a 2021, Ituna/Itatá esteve entre as três terras indígenas mais desmatadas do Brasil. Em 2019, foi a mais destruída do país, com 12 mil hectares de floresta perdidos, um aumento assombroso de 656% em relação a 2018. Um hectare equivale, aproximadamente, à área de um campo de futebol. Atualmente, 94% do território da Ituna/Itatá está registrado por grileiros no Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Pará. O registro no CAR, que tem finalidade meramente formal e é um requisito da lei ambiental, tem sido usado na prática como forma de “esquentar” a posse ilegal de uma terra, dando à área roubada um documento oficial.
Desde o ano passado, fiscais do Ibama planejavam uma operação para retirar todo o gado criado ilegalmente na Ituna/Itatá. Eraha Tapiro, na língua dos Asurini, um dos povos indígenas da região, significa “levar boi”. O Ibama sobrevoou a região ao longo de semanas para localizar 21 rebanhos de gado, espalhados por vários pontos da terra indígena. Finalmente, foi a campo em 17 de agosto, com o auxílio de agentes da Funai, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará).
“É a operação mais desafiadora de que já participei”, conta Chiara Laboissiere, analista ambiental do Ibama que atua em campo como uma espécie de secretária administrativa da Eraha Tapiro. Os alvos da ação estatal não são apenas um, mas vários criminosos ambientais que invadiram a terra indígena e criam gado ali. Os diversos rebanhos espalhados no território precisam ser reunidos em local estratégico, uma “fazenda” transformada em base operacional pelo Ibama. Dali, aos poucos serão embarcados em caminhões e levados para ser abatidos num frigorífico da região de Altamira, a mais de 100 quilômetros de distância, por estradas precárias e sem pavimentação. Como cada caminhão pode carregar entre 15 e 20 bovinos por viagem, a operação terá de ser repetida dezenas de vezes. O trabalho, que já seria suficientemente complexo, enfrenta a sabotagem sistemática dos donos do gado. Profundos conhecedores da região, integrantes das elites locais, eles têm a ousadia de quem circula com a desenvoltura da impunidade: nem mesmo o armamento pesado e ostensivamente exibido pelos policiais que auxiliam os agentes do Ibama os intimida.
Um dia antes – sexta-feira, 25 de agosto, 20h
“Até 2011, na área da Ituna/Itatá só havia floresta. Foi o início do processo de demarcação que detonou a invasão por criadores de gado”, explica o agente de fiscalização do Ibama Givanildo Lima, de 50 anos. Com fala mansa e gestos contidos, ele comanda a operação Eraha Tapiro. “O desmatamento de Ituna/Itatá foi planejado e executado por uma quadrilha que tinha grande poder político. Fazer esta operação ser bem-sucedida demonstra a nossa capacidade de combater o crime na Amazônia, que é cada vez mais organizado”, diz.
Givanildo conversa com a reportagem de SUMAÚMA sentado num banco de madeira, na sacada da casa da fazenda ilegal que serve como base da operação. A sacada, de cimento nu, é a única parte da construção feita de alvenaria. O restante da casa é de madeira, pintada de azul-bebê, com pé-direito baixo e telhas de cimento-amianto, uma combinação que faz a habitação guardar o intenso calor do dia do verão amazônico mesmo após o sol se pôr. Agosto costuma ser um dos meses mais quentes do ano, e, em 2023, o El Niño pode estar acentuando a seca. Na longa mesa ao lado do banco, um jantar está servido – grandes panelas com arroz e feijão, farofa, carne cozida e uma salada de repolho, preparados por servidores da Funai. Agentes ambientais e policiais se servem em pratos fundos de vidro temperado.
A área da fazenda que o Ibama usa como base foi grilada por um homem chamado Danilo José Barros Rocha, que tem casas em Marabá e Altamira, as duas maiores cidades da região. Oficialmente, nos registros da Adepará, Rocha é proprietário de apenas 70 animais. Mas, na área de 800 hectares – 330 dos quais desmatados – que ele grilou e registrou no Cadastro Ambiental Rural do Pará, os fiscais encontraram 400 bovinos da raça nelore. SUMAÚMA procurou Rocha por meio de seu advogado, Ivonaldo Cascaes, mas não houve retorno até o fechamento desta reportagem. SUMAÚMA permanece disponível para sua declaração.
Danilo Rocha já havia sido notificado pelo Ibama, em 2022, para retirar os animais da terra indígena. Agora, além de ter o gado apreendido, será multado em 500 mil reais. Cada animal apreendido pode valer até 5 mil reais. “O grande causador do desmatamento nesta região sempre foi o gado. Então, só apreender os rebanhos, causando prejuízo financeiro aos invasores, pode resolver o problema”, acredita o coordenador da operação. Givanildo se refere à estratégia dos grileiros de garantir a posse da terra da qual se apropriaram ilegalmente colocando sobre ela bois e vacas para dar tanto uma aparência de “produtividade” quanto de “propriedade”. Fazem isso confiando no padrão histórico de diversos governos brasileiros, que acabaram “legalizando” o crime de apropriação de terras públicas com projetos de lei de regularização fundiária, aprovados por Congressos dominados pelo agronegócio predatório. Assim, os grileiros se tornam, oficialmente, “produtores rurais”, “fazendeiros” e “pecuaristas”. Quando chega a fiscalização, os grileiros disseminam a narrativa de que o Estado tenta impedi-los de “trabalhar” e de “produzir alimentos”.
A fazenda de Rocha foi escolhida como base da operação por sua localização estratégica, que facilita a chegada dos caminhões que vão retirar o gado. Mas é também simbólica. “A primeira autuação por desmatamento na TI Ituna/Itatá foi justamente nesta fazenda, em 2013, por causa de um desmatamento realizado em 2012”, conta Givanildo. Foi naquela época que a derrubada da floresta começou a desenhar um mapa de devastação na região. Daí em diante, a situação piorou exponencialmente. A tentativa de demarcar Ituna/Itatá pouco avançou nos 12 anos que abarcaram os governos de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (eleito pelo PSL, atual União Brasil, e hoje no PL).
A estratégia é perversa: os grileiros avançam pelo território, fincam suas bases e afugentam os povos indígenas isolados. Assim, poderão argumentar que não há povos originários e que por isso a decisão de demarcar é descabida. Há semelhanças em relação aos métodos empregados, séculos atrás, pelos bandeirantes que caçavam e escravizavam indígenas, tomando-lhes as terras que depois se tornariam os grandes latifúndios que até hoje determinam a concentração de terras no Brasil.
Na mata vizinha à casa do grileiro Danilo Rocha, servidores da Funai que participam da operação encontraram um instrumento de pedra polida que, suspeitam, é utilizado pelos indígenas isolados da região como uma espécie de machadinha. É um indício de que a casa foi erguida em território tradicional indígena.
Sexta-feira, 25 de agosto, 17h
O caminho mais curto entre Altamira – a cidade mais próxima com escritórios regionais do Ibama e dos outros órgãos públicos envolvidos na operação – e a TI Ituna/Itatá cruza a Vila Mocotó. O lugarejo, que faz parte do município de Senador José Porfírio, é composto de algumas poucas ruas de terra e algumas dezenas de casas, a maioria delas construída com a madeira do desmatamento. Conhecida como o quartel-general da grilagem, a Vila Mocotó está a apenas 30 quilômetros de distância do início da TI Ituna/Itatá. A proximidade faz dela um local estratégico para os crimes ambientais que o Ibama combate na terra indígena. Segundo os agentes do órgão, a maior parte dos peões que manejam o gado criado ilegalmente na Ituna/Itatá e dos pistoleiros que fazem a vigilância, além de vários proprietários de pequenos rebanhos, vive na Vila Mocotó.
A simplicidade e a aparente precariedade da Vila Mocotó disfarçam o poder econômico dos verdadeiros protagonistas da grilagem da Ituna/Itatá. Um relatório da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) publicado em maio de 2021 mostra que um terço das 223 “propriedades” localizadas na terra indígena e registradas no Cadastro Ambiental Rural do Pará tem mais de mil hectares. O desmatamento por corte raso (como é chamada a eliminação total das árvores) exige maquinário pesado e custa no mínimo 3 mil reais por hectare. A grilagem nessa escala demanda capital.
Além de se basear no poder econômico, a estrutura que sustenta a Vila Mocotó é garantida por aliados políticos poderosos. Entre eles, o senador Zequinha Marinho (Podemos). Pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus, Marinho iniciou sua carreira política na década de 1990, elegeu-se deputado federal pela primeira vez em 2003 e foi o candidato a governador do Pará apoiado por Jair Bolsonaro em 2022 – mas perdeu para Helder Barbalho (MDB). O senador já se referiu a servidores do Ibama que reprimiram crimes ambientais na Vila Mocotó, perto de Ituna/Itatá, como “bandidos e malandros” e enviou ofício em que pedia formalmente ao então presidente do Ibama, Eduardo Bim, que tomasse “providências cabíveis” contra agentes ambientais. No documento, afirma que está “comprovada a não existência de índios isolados na área Ituna/Itatá” – o que é mentira. SUMAÚMA enviou perguntas à assessoria do senador. Uma delas questionava se ele mantinha o apoio aos grileiros mesmo após os atos de sabotagem contra o Ibama.
“O senador Zequinha Marinho defende e continuará defendendo os direitos das famílias de agricultores que vivem há décadas na área denominada Ituna-Itatá e áreas adjacentes”, respondeu a assessoria do político por escrito. Marinho também reafirmou que “Ituna-Itatá não é terra indígena”. Para sustentar o argumento, ele usa uma decisão tomada pela Funai em janeiro de 2022, no governo Bolsonaro. À época, o órgão disse que suspendeu a interdição da entrada de não indígenas no território, em vigor desde 2011, para a realização de estudos sobre a presença de indígenas isolados. Meses depois, no entanto, a própria Funai renovou a proibição por mais três anos. O senador disse que “nunca apoiou e jamais apoiará suspeitos de invadir terras públicas e destruir vegetação nativa”, mas “reconhece e defende a legitimidade das famílias de agricultores, que não podem ser vistas e tratadas como invasores e grileiros, tampouco como criminosos”.
Quando o comboio formado por carros do Ibama e da Força Nacional cruza a Vila Mocotó, é impossível não perceber a atitude hostil dos moradores diante da fiscalização ambiental. Quem está fora de casa de imediato para o que está fazendo e encara os carros e seus ocupantes. Outros saem à porta ou à janela e apenas observam. A passagem do comboio também será registrada e repassada imediatamente em grupos de WhatsApp. A informação é essencial para planejar ações de sabotagem como a destruição de pontes. Os fiscais monitoram os movimentos dos grileiros, mas sabem que também são vigiados por eles.
Sábado, 26 de agosto, 18h
Uma equipe de servidores do Ibama, da Funai e do ICMBio trabalha há três horas numa alternativa para a ponte derrubada pelos grileiros. A solução foi usar partes da estrutura destruída para montar uma espécie de passarela, dentro do rio, sobre a qual as caminhonetes consigam andar. Enquanto os fiscais tentam abrir caminho para os colegas que escoltam os 500 bois apreendidos, os grileiros incendeiam a vegetação que margeia a estrada. Os criminosos esperam que o fogo assuste os animais, dificultando o transporte para a base da operação.
Esses 500 bovinos, segundo o Ibama, pertencem a um grileiro chamado Welton Borges da Silva. Ele é suspeito de manter 2 mil animais numa área de 5 mil hectares da TI Ituna/Itatá. Borges tem 10 mil cabeças de gado registradas na Adepará, órgão responsável pelo cadastro dos rebanhos no estado. Na papelada oficial, porém, todos os animais dele ficam em fazendas localizadas em Marabá, a centenas de quilômetros dali. Por isso será autuado pela Adepará por trânsito ilegal de rebanhos e multado em quase 6 milhões de reais pelo Ibama por infração ambiental. O grileiro coleciona multas desse porte desde 2008 – mas, segundo o Ibama, nunca pagou nenhuma.
A área em que os fiscais encontraram o rebanho de Borges na Ituna/Itatá tem três registros diferentes no CAR, todos em nome de terceiros. Apesar de os animais carregarem as iniciais WB marcadas a ferro no corpo, Borges costuma alegar que é apenas o gerente de fazendas. Trata-se de uma estratégia para evitar que eventuais apreensões de gado ilegal na terra indígena criem problemas legais para rebanhos que ele mantém em outras áreas do Pará. A advogada de Borges, Andreia Leal, disse a SUMAÚMA que ele “não invadiu terra dentro da TI Ituna/Itatá, não mantém e nunca manteve rebanho dentro da área em questão, não cometeu nenhum ilícito e não foi notificado pelo órgão ambiental”.
A estratégia dos grileiros de barrar a passagem do rebanho com fogo não consegue impedir o avanço da operação. Apesar da fumaça e dos muitos focos de incêndio que se espalharam ao longo de 30 quilômetros de estrada, o rebanho avança lentamente rumo à base da operação, tangido por vaqueiros trazidos de outras regiões do Pará. Levará ainda algumas horas até que, já noite alta, eles cheguem ao destino.
Domingo, 27 de agosto, 9h
O dia amanhece carregado de expectativa: é a saída do primeiro comboio de caminhões cheios de bovinos rumo ao frigorífico. A operação liderada pelo Ibama conseguiu contratar sete caminhoneiros. Assim que se espalhou a notícia, eles passaram a ser ameaçados pelos grileiros. “Esse vagabundo gosta de trair o produtor rural… por isso que tem apreensão de gado… por causa desses traíra”, diz uma mensagem que circula em grupos de WhatsApp da região. “Mas todo mundo da Mocoto sabe que ele tá no meio. Vamos ver a onde isso vai vira”, ameaça a mensagem, aqui reproduzida com os erros de ortografia do texto original.
O autor da mensagem, segundo o Ibama, é Leonardo Martins Rocha. Além de disparar ameaças por texto, ele ameaçou de viva voz um dos caminhoneiros. Leonardo é primo de Danilo Rocha, o grileiro da fazenda usada como base pela operação. Nas redes sociais, ele se apresenta como comprador e vendedor de gado. Segundo os fiscais, Leonardo também é grileiro de uma área de mais de 1.300 hectares na Ituna/Itatá. As ameaças feitas por ele foram encaminhadas à Polícia Federal, que deverá abrir inquérito. Ao falar com SUMAÚMA, por telefone, Leonardo desafiou a Funai: “Do jeito que eles querem [a área] nunca vai ser [demarcada], eles sabem que não tem índio lá”. Ele também negou ter ameaçado um dos caminhoneiros: “Não passou de um mal-entendido, pode perguntar pra ele. Não temos nenhum problema um com o outro, somos amigos, eu também tenho caminhão boiadeiro”.
Enquanto os caminhoneiros esperam pelo embarque do gado, os servidores públicos se preparam para a ação. Alguns aproveitam para tomar banho num riacho a alguns metros da casa e aliviar o calor. Outros bebem café – bem doce, como é o gosto na região – em copos americanos. Na cozinha, uma servidora da Funai brinca com um filhote de gato siamês, encontrado com o gado a quilômetros dali, que ela pretende adotar e levar para casa. Uma agente do Ibama pede a Chiara que lhe faça tranças no longo cabelo preto, para atenuar o calor.
O intervalo dura pouco. Uma das pontes da rota que seria usada para retirar os bois rumo a Altamira amanheceu destruída. Com o auxílio de três helicópteros do Ibama, os fiscais sobrevoam a região em busca de caminhos alternativos. A intenção é evitar passar pela Vila Mocotó, onde haveria risco de uma reação dos moradores. Uma equipe da Força Nacional é enviada então para guardar uma ponte crucial em uma das rotas alternativas. A ordem é impedir que ela seja alvo de sabotadores. Enquanto isso, um caminhoneiro embarca num dos helicópteros para avaliar se os veículos longos e pesados conseguirão trafegar por ali. “Positivo”, ele diz.
Domingo, 27 de agosto, 12h
Com o percurso definido, os animais começam a ser embarcados nos caminhões. Às 14 horas, um comboio formado por viaturas da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Ibama deixa a base da operação. O percurso tem pouco mais de 100 quilômetros, mas a viagem será demorada – a estrada é ruim, esburacada, e frequentes paradas são necessárias para verificar as condições dos animais.
Bois e vacas são vítimas inocentes da guerra movida contra a natureza na Amazônia. Já exaustos pela caminhada da noite anterior, precisarão suportar oito horas sacolejando na carroceria dos caminhões, numa sensação térmica que ultrapassa os 40 graus Celsius. Não é um caminho para a liberdade, mas para a morte. Os animais sabem. Pressentem e desesperam-se. Uma das vacas tenta pular a cerca antes de ser embarcada. Quebra o pescoço no gesto. Está grávida. Quando finalmente chegarem ao destino, todos eles serão abatidos. A carne poderá ser doada a programas sociais.
Domingo, 27 de agosto, 22h30
O comboio finalmente chega à região do Assurini, onde uma balsa está à espera para levar os caminhões até Altamira, na margem oposta do rio Xingu. O embarque é lento. Já passa da meia-noite quando os caminhões deixam a balsa para percorrer os quilômetros finais até o frigorífico. Essa primeira viagem retirou apenas 123 animais criados ilegalmente na Terra Indígena Ituna/Itatá e aplicou multas que – se forem pagas – somam 15 milhões de reais. O Ibama calcula que levará semanas até que os 5 mil bovinos sejam retirados do território indígena.
A maior operação de retirada de gado já realizada pelo Ibama mostra a disposição do governo Lula de voltar a fiscalizar os crimes ambientais praticados contra a Amazônia, depois dos quatro anos de impunidade do governo do extremista de direita Jair Bolsonaro (2019-2022). Mas só com a demarcação do território a floresta terá chance de ficar em pé. Em diferentes lugares do que ainda resta da mata, indígenas isolados devem estar observando a movimentação. Se forem respeitados, nunca saberemos o que pensam da civilização que os encurrala e os mata.
Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/a-guerra-do-ibama-contra-grileiros-da-amazonia/
Checagem: Plínio Lopes
Revisão ortográfica (português): Elvira Gago
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Diane Whitty
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Montagem da página: Érica Saboya
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