Clipping

Desmatamento na Amazônia aquece áreas distantes até 100 km

Pesquisadores brasileiros e britânicos calcularam o impacto da derrubada da floresta na temperatura de locais afastados.

Créditos da foto: Bruno Kelly/REUTERS. Áreas desmatadas ficam em média de 1°C a 2°C mais quentes no local – e há efeito também em regiões distantes

O desmatamento de áreas da Amazônia provoca aquecimento de superfícies terrestres a até 100 quilômetros de distância da região desflorestada, de acordo com um estudo publicado nesta segunda-feira (30/10) na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

A pesquisa, realizada por uma equipe de cientistas brasileiros e britânicos liderada por Edward Butt, da Universidade de Leeds, reforça que as florestas tropicais desempenham um papel fundamental na temperatura da superfície terrestre, e que esse efeito pode ocorrer a distâncias consideráveis.

Já é bem conhecido que, quando as florestas tropicais são derrubadas, o clima no local se aquece. Isso ocorre porque áreas desmatadas têm uma superfície menos irregular e menor evaporação de umidade, entre outros motivos que contribuem para o maior aquecimento. Diversos estudos apontam que o desmatamento provoca um aquecimento local médio de 1°C a 2°C, que pode chegar a 3°C na estação seca.

No estudo publicado na PNAS, os pesquisadores buscaram responder se o desmatamento de áreas da Amazônia também provocava o aquecimento de locais mais distantes, por meio de mudanças na circulação do ar e da dinâmica atmosférica.

Como foi feito o estudo

Os pesquisadores examinaram o impacto da perda florestal em locais a até 100 quilômetros de distância do ponto desflorestado.

Para isso, eles recolheram dados de satélite sobre a temperatura da superfície terrestre e a perda florestal em 3,7 milhões de pontos da Amazônia, cada um com uma área de 1 quilômetro quadrado, no período de 2001 a 2020.

Os pesquisadores compararam o aquecimento ocorrido em regiões com diferentes níveis de desmatamento local e regional. Os dados num raio de até 2 quilômetros de um ponto eram considerados como locais. Se estivessem mais distantes, de 2 a100 quilômetros, eram classificado como regionais.

Quais foram os resultados

Em áreas com pouco desmatamento local, a mudança média na temperatura de 2001 a 2020 foi de 0,3°C. Enquanto isso, áreas com 40% a 50% de desmatamento local, mas pouco desmatamento regional, aqueceram em média 1,3°C.

Os cientistas aplicaram um modelo de aprendizado de máquina para isolar os efeitos locais e regionais da perda florestal e estimar como a alteração da temperatura dependia do desmatamento local e regional.

O resultado indicou que o desmatamento em uma área aumenta em até quatro vezes o aquecimento em regiões a até 100 quilômetros na região amazônica.

Quando o desmatamento local chegava a 40% da área, o impacto no aquecimento regional de áreas não desmatadas a até 100 quilômetros foi de 0,7°C. Quando tanto o ponto de recolha de dados como seu entorno de até 100 quilômetros havia sido desmatado em 40%, o impacto na temperatura foi de 1,6°C.

“Nossos resultados fornecem mais evidências de que tanto o desmatamento local como regional estão contribuindo para as respostas climáticas observadas no bioma amazônico”, diz o estudo.

Projeções futuras

No artigo, os pesquisadores afirmam que “o aquecimento regional devido ao desmatamento da Amazônia terá consequências negativas para os 30 milhões de pessoas que vivem na bacia amazônica, muitas das quais já estão expostas a níveis perigosos de calor“.

Os cientistas também analisaram como o desmatamento futuro poderia aquecer ainda mais a Amazônia brasileira de 2020 a 2050, considerando dois cenários, um em que o Código Florestal é ignorado e as áreas protegidas não são salvaguardadas, e outro em que existe alguma proteção.

No sul da Amazônia, onde a perda florestal é maior, a observância das normas ambientais teria o maior benefício, reduzindo o aquecimento futuro provocado por desmatamento em mais de 0,5°C em Mato Grosso – de 0,96°C no pior cenário para 0,4°C no cenário de preservação. Essas projeções não incluem o acréscimo de temperatura provocado pelo aquecimento global.

Florestas e mudanças climáticas

Butt, da Escola de Terra e Meio Ambiente de Leeds, afirmou em um comunicado que “compreender o impacto da perda de florestas na Amazônia é de vital importância”.

“O mundo está aquecendo, como resultado das mudanças climáticas. É importante sabermos como o desmatamento do ecossistema amazônico contribui para o aquecimento climático”, alerta. “Se o desmatamento estiver aquecendo as regiões vizinhas, isso terá grandes implicações para as pessoas. Elas vivem nessas áreas.”

O professor Dominick Spracklen, da Universidade de Leeds e coautor do estudo, salientou que “é bem sabido que a proteção das florestas tropicais é crucial na luta contra as alterações climáticas globais” e também traz grandes benefícios a nível local, regional e nacional.

“Mostramos que a redução do desmatamento reduziria o aquecimento futuro no sul da Amazônia. Isso beneficiaria os habitantes de toda a região, reduzindo o stress térmico e os efeitos negativos na agricultura”, afirmou.

Celso von Randow, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coautor do estudo, disse que “estudos sobre a importância da conservação das florestas para armazenar carbono são comuns no Brasil, mas ainda faltam estudos sobre os seus efeitos biofísicos”. Isto “é importante porque a Amazônia está aquecendo rapidamente devido às mudanças climáticas e agora é agravada pelo desmatamento.”

“Novos esforços para controlar o desmatamento em toda a Amazônia brasileira foram bem-sucedidos e as taxas de desmatamento diminuíram, e agora vemos os benefícios da possível redução do aquecimento que afeta as pessoas que vivem nesta região”, disse.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/desmatamento-na-amaz%C3%B4nia-aquece-%C3%A1reas-distantes-at%C3%A9-100-km/a-67271405

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