País asiático ressalta convite para missões conjuntas à sua estação espacial. EUA recusam parceria, e Europa hesita.
Por: Dang Yuan | Créditos da foto: Li Gang/Xinhua/picture aliance. Três taiconautas partiram na “nave divina” Shenzhou-17 rumo à estação espacial chinesa Tiangong
Na mitologia chinesa, é comum seres humanos irem para o céu para explorar o universo. O caracter chinês “céu” (天) baseia-se no caracter “ser humano” (人). Numa livre interpretação, isso significa que o cosmos é aquilo que está acima ou além dos seres humanos. O regime em Pequim faz uso desses motivos para promover a ideia de que o espaço deveria estar livre de diferenças políticas e ideológicas.
Porém, desde a corrida espacial entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos, nas décadas de 1950 e 1960, está claro que viagens espaciais sempre são também um acontecimento político. Em jogo está a superioridade tecnológica, a capacidade inovativa e o poderio econômico de uma nação.
Que aChina faz parte das grandes potências espaciais ficou mais uma vez claro na quinta-feira passada (26/10), quando três taiconautas partiram na “nave divina” Shenzhou-17 rumo à estação espacial chinesa Tiangong (Palácio Celestial, em tradução livre). Depois de dez minutos de voo e de seis horas e meia de manobras de acoplagem, eles chegaram em segurança ao “palácio celestial”.
Depois do sucesso dos projetos antecessores, Tiangong 1 (2011 – 2017) e Tiangong 2 (2016 – 2019), a China deu início em 2021 à construção de sua própria estação espacial, composta por um núcleo e dois módulos científicos, que ficou pronta em novembro de 2022. O local tem capacidade para acoplagem simultânea de três naves espaciais: uma de abastecimento e duas cápsulas espaciais.
Pequena, mas requintada
O “apartamento de três cômodos” chinês, como a estação espacial está sendo chamada pela imprensa do país, pesa 100 toneladas – bem menos do que a Estação Espacial Internacional (ISS), com suas 450 toneladas – e foi concebida para ser utilizada por 15 anos a uma altitude de 450 quilômetros.
Recentemente, a China anunciou planos de expandir a estação, aumentando para seis o número de módulos acoplados. Antes do lançamento da Shenzhou-17, o vice-diretor do programa espacial tripulado chinês, Lin Xiqiang, declarou ainda que o país está pronto para levar viajantes estrangeiros para a Tiangong.
“Gostaríamos de convidar todos os países empenhados no uso pacífico do espaço para cooperar conosco em missões conjuntas à estação espacial chinesa”, destacou Lin.
O Exército de Libertação Popular supervisiona as viagens espaciais da China. A escolha e o treinamento dos futuros taiconautas também envolve diretamente os militares. Dos 18 taiconautas chineses, apenas duas são mulheres e somente um é civil. Mas também este professor universitário bateu continência num gesto de respeito aos militares e à pátria.
Longa lista de sucessos
A lista de sucessos e os planos da China para o espaço é longa: pouso de uma sonda no lado escuro da Lua em 2019, pouso de um veículo rover na superfície de Marte em 2021, instalação de um terceiro telescópio espacial até 2024, que será acoplado à estação espacial para abastecimento, e a primeira missão tripulada à Lua até 2030.
Na corrida pela supremacia espacial, os chineses estão no encalço de seus rivais americanos da Nasa. Além da estação espacial chinesa, apenas a ISS está funcionando com tripulação permanente desde 2000. Devido à recusa dos Estados Unidos, a China não pode participar do projeto internacional.
Tecnicamente, a ISS pode ser operada até 2030. Aí a Tiangong poderia se tornar o único posto avançado da humanidade em órbita.
“A China já é uma grande potência espacial e domina todo o espectro de disciplinas espaciais”, avalia o ex-astronauta alemão Thomas Reiter, da Agência Espacial Europeia (ESA). “Isso coloca o país no mesmo nível de outras nações espaciais, como os Estados Unidos e a Rússia.”
Ideologia em órbita
Um novo sucesso no espaço é sempre uma boa oportunidade para o governo de Pequim acender o orgulho nacional e distrair a população de problemas como o desempenho ruim da economia ou o alto índice de desemprego entre jovens. O país e o mundo devem se impressionar com o ambicioso programa.
A emissora estatal CCTV-4, voltada para o exterior, transmitiu ao vivo o lançamento mais recente. A intenção era alcançar principalmente os telespectadores americanos devido à rivalidade entre os dois países. Os EUA proíbem, por lei, a Nasa de cooperar com a agência espacial chinesa.
“Em relação ao espaço, a China e os Estados Unidos não disputam apenas o prestígio nacional e a liderança tecnológica global, mas também influência geopolítica e poderio militar”, afirma Johann C. Fuhrmann, diretor do escritório de Pequim da Fundação Konrad Adenauer.
Grande adversária da China na Ásia, a Índia também entrou na corrida espacial. O país anunciou os planos de construir sua própria estação espacial até 2035 e de pousar na Lua até 2040.
Europa em cima do muro
Na Europa, a ESA descobriu cedo o potencial do ambicioso programa espacial chinês. Muitos astronautas da agência europeia fizeram cursos intensivos da língua chinesa. Em 2017, o astronauta alemão Mathias Maurer participou na China de um treinamento de sobrevivência em alto mar para se preparar para um eventual pouso no oceano.
“Considero a cooperação com a China muito importante. O país será uma das grandes nações espaciais no futuro, ao lado dos Estados Unidos e da Rússia”, disse Maurer na época. Ele acabou, porém, passando 176 dias na ISS entre 2021 e 2022.
Em janeiro deste ano, o diretor-geral da ESA, Josef Aschbacher, disse que a agência europeia deveria se concentrar, no momento, na ISS. “Não temos luz verde nem política nem orçamentária para nos envolvermos numa segunda estação espacial, em outras palavras, na estação espacial chinesa”, ressaltou.
Apesar da declaração, a agência espacial chinesa CNSA e a ESA têm dez projetos conjuntos. Para Reiter, essa colaboração é positiva. “O espaço e a ciência deveriam nos ajudar manter os canais de comunicação abertos em situações como essa. Assim que a poeira baixar, deveríamos retomar esse diálogo com a China e buscar novos projetos”, destaca o astronauta.
As viagens espaciais são planejadas a longo prazo, começando muitos anos antes da execução da missão. assim, Reiter gostaria que a ESA já fosse preparando o terreno para enviar astronautas para Tiangong. “Em órbita há um grande grupo internacional de pesquisadores. Se essa cooperação internacional puder ser mantida, isso deveria definitivamente ter nosso apoio”.
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