Transporte de profissionais de saúde às aldeias foi bloqueado por garimpeiros. Liderança indígena diz ter feito mais de cem pedidos de ajuda à gestão Bolsonaro, nunca atendidos.
Por: Laís Modelli | Créditos da foto: Andressa Anholete/Getty Images. Mulher e crianças yanomami de aldeia indígena localizada em Roraima
Cerca de 40% da população yanomami teve diagnóstico confirmado de malária em 2022: foram 11.530 casos em um território de cerca de 29 mil habitantes, segundo o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, vinculado ao Ministério da Saúde.
Nos quatro anos da gestão Jair Bolsonaro, pelo menos 570 crianças yanomami morreram, na sua maioria de doenças curáveis como desnutrição, malária e diarreia, informou o governo federal nesta sexta-feira (20/01) – o número pode ser maior, devido a um apagão nos dados da saúde indígena.
Apesar das doenças e das mortes evitáveis, a ida de profissionais da saúde às aldeias yanomami foi bloqueada por garimpeiros nos últimos anos, que assumiram o controle de polos de saúde e de pistas de pouso, segundo o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana, Junior Hekurari Yanomami. Os profissionais de saúde precisam se deslocar de avião para conseguir atender 95% da população yanomami, espalhada por 371 aldeias isoladas e de difícil acesso na floresta.
“Os garimpeiros tomaram bases de saúde, botaram fogo em uma delas e tomaram as pistas de pouso. Eles estão lá armados com metralhadora controlando sete pistas de pouso dentro do território”, diz o indígena.
Nas pistas de pouso que ainda podiam ser usadas pelos profissionais de saúde, nem sempre era possível encontrar uma aeronave do governo para fazer o transporte. Na última semana de dezembro passado, quatro crianças Yanomami morreram sem poderem ser socorridas, pois o helicóptero de resgate estava quebrado.
Em vista da tragédia na região, o governo federal declarou na sexta-feira Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional na Terra Indígena (TI) Yanomami. A última vez que o Brasil declarou uma emergência do tipo foi em 2020, por causa da pandemia de coronavírus.
No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros estiveram em Boa Vista para anunciar as ações federais de socorro ao povo yanomami. Em pronunciamento no local, Lula afirmou ter ficado chocado com histórias de indígenas que estão há seis meses na cidade sem conseguir voltar para suas aldeias por falta de segurança e de transporte aéreo.
“A primeira coisa é que vamos garantir transporte para levar pessoas que estão há seis meses aqui sem conseguir voltar”, disse Lula a um jornalista.
“Bolsonaro derramou muito sangue yanomami”
A emergência socioambiental e sanitária que vinha se desenrolando no território indígena não era desconhecida pelo governo Bolsonaro. Em 2019, um estudo da Fiocruz alertou que 56% dos indígenas apresentavam concentrações de mercúrio no sangue acima do limite, substância venenosa usada para garimpar o ouro nos rios. No ano seguinte, outro relatório da Fiocruz apontou que oito em cada dez crianças menores de cinco anos tinham desnutrição crônica na TI Yanomami.
“Nos quatro anos do governo Bolsonaro, somente eu fiz cerca de cem pedidos de ajuda para o Ministério da Saúde e a Funai e denúncias protocoladas no Ministério Público Federal. Nenhum desses pedidos foi atendido. Quando eu trouxe uma equipe de jornalistas para ver a situação dos yanomami, a Funai ameaçou me processar”, diz Júnior Yanomami. Ele recebe ameaças de morte desde 2019.
Em janeiro de 2021, o Conselho Distrital Indígena Yanomami e Ye´Kuana denunciou a morte por covid-19 de nove crianças yanomami de um a cinco anos em menos de um mês, além de 25 outros casos infantis de covid-19 nas aldeias, mas nenhum profissional de saúde foi enviado ao local, segundo ele.
“Bolsonaro derramou muito sangue yanomami. Por causa dele, perdemos muitas crianças, muitas mulheres e muitos idosos”, diz o presidente do Conselho Distrital Indígena Yanomami e Ye´Kuana.
O relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação, publicado em abril de 2022, denunciou que garimpeiros haviam tomado polos de saúde indígena que atendiam mais de 5 mil indígenas por mês. O levantamento também apresentou casos de casamento forçado entre garimpeiros e indígenas em troca de comida e armas de fogo, estupro de menores, rapto de crianças, aliciamento e trabalho escravo na TI Yanomami.
“Todos do governo federal já sabiam há muito tempo que os yanomami estão doentes de malária, diarreia, covid e desnutrição. Nossos adultos não têm mais força para abrir uma roça e plantar. Também não temos mais peixe e camarão para pescar porque os garimpeiros estão destruindo nossos rios. Também quase não temos mais proteína, porque o barulho das máquinas do garimpo fizeram nossas caças fugirem para longe”, relata Júnior Yanomami.
O pesquisador Cesar Diniz, coordenador técnico do mapeamento de mineração da organização MapBiomas, afirma que a existência de garimpos em terras indígenas é “uma clara e evidente ilegalidade” que foi ignorada por Bolsonaro.
“A ineficiência e desinteresse em remover os garimpeiros e as estruturas garimpeiras do interior de terras indígenas é uma das marcas do governo Bolsonaro. É impulsionado por essa inépcia e pela certeza da impunidade que o garimpo ilegal avança floresta adentro, rompendo cada vez mais a proteção ambiental, social e cultural constituídas pelas terras indígenas”, afirma Diniz.
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