Para Marcelo Medeiros, há muito preconceito contra a assistência social no Brasil. Em entrevista, economista e sociólogo fala sobre seu novo livro que aborda a desigualdade do país.
Por: Edison Veiga | Créditos da foto: Esperança Dias/Companhia das Letras. Marcelo Medeiros acaba de lançar “Os ricos e os pobres – O Brasil e a desigualdade”
Logo na introdução de seu novo livro Os ricos e os pobres – O Brasil e a desigualdade , o sociólogo e economista Marcelo Medeiros enfatiza que “há limites claros para algumas medidas de combate à desigualdade que, com grande frequência, são alçadas quase à condição de panaceia , como é a educação”.
Lançada pela Companhia das Letras, a obra, que chegou às livrarias nesta quarta-feira (18/10), não só escancara a, conforme o próprio autor, “absurda” desigualdade social brasileira, como explica que não existe uma solução mágica para o problema. “Resolver isso vai exigir um esforço gigantesco, custar muito caro e consumir um capital político imenso, porque isso, no fundo, implica em enfrentar diretamente os conflitos distributivos e grupos inteiros vão resistir pesadamente a isso, no campo da política e da economia, em tudo aquilo que puderem, porque os grupos sempre defendem seus interesses”, diz Medeiros, à DW.
Em entrevista, o professor visitante da Universidade de Columbia, em Nova York, comenta os conceitos envolvidos em seu novo livro.
DW: “O que significa ser pobre?” é o título de um capítulo do seu livro. Então, perguntas: o que significa ser pobre no Brasil?
Marcelo Medeiros: Escrevi esse capítulo porque há muito debate sobre pobreza que discute se a gente não deve cortar assistência, diminuir assistência, só focalizar os pobres… Por trás disso existe uma série de discussões, mas, fundamentalmente, muito preconceito contra a assistência social. Aquela ideia de que você não tem de dar o peixe, mas ensinar a pescar, que não faz sentido nenhum. Educação funciona, mas demora demais. Existe muito preconceito no Brasil contra a assistência social, especialmente nos últimos anos.
Geralmente, por estatística, quem ganha menos de 1,9 dólar por dia é pobre. Eu decido escrever um capítulo que mostra quais são os dilemas reais que uma pessoa pobre tem de enfrentar no Brasil. Por exemplo: se uma mãe quiser comprar um remédio, um antibiótico bastante simples, para sua filha, penicilina que é um remédio considerado barato, ela vai ter de passar cinco dias sem comer. Se ela quiser comprar material escolar para seu filho, vai ter de passar uma semana sem comer. Na verdade, é muito pior do que isso, porque a linha da pobreza não é só comida, mas todas as despesas com habitação, segurança, água, etc. Nesse nível, o Brasil tem cerca de 12% de sua população.
É isso que eu quero que as pessoas entendam. Não estamos falando de baixa renda, mas de uma coisa extrema que não tinha por que ter no Brasil, porque temos todas as condições do mundo para não ter mais pobreza. Então, toda a discussão sobre redução de despesas com assistência social é, na verdade, impedir a expansão da assistência social. E o Brasil tem de se expandir. Toda a discussão, no fundo, é compactar com esse estado de coisas. É um compromisso imoral compacto com isso. Imoral. O Brasil tem condições de ter mais e não tem razão de autorizar moralmente uma situação como essa.
É rico, o que significa?
Existe muita discussão sobre se ser rico é estar nos 10% mais ricos da população, ou 1%, ou 0,5%. O argumento de que definir isso é um pouco de perda de tempo. O Brasil é um país extremamente desigual, mas há uma característica: a desigualdade brasileira é altamente especializada no topo. Se o Brasil fosse composto apenas pelos 90% mais pobres, seria um país extremamente igualitário.
Existe uma desigualdade gigantesca entre o 1% mais rico e os 10% mais ricos. Para traçar políticas, não é necessário ter uma divisão exata dos ricos, mas sim entender que essa desigualdade é técnica no topo. Portanto, nossas políticas, em particular a tributária, têm de ser muito progressivas. É preciso tributar mais quem tem mais capacidade de pagar.
Nos últimos anos, o Brasil voltou ao famigerado Mapa da Fome . De que forma combater a desigualdade pode ajudar a resolver o problema?
Combater a pobreza vai reduzir a desigualdade? Não. A pobreza tem a ver com os pobres, a desigualdade tem a ver com os ricos. É extremamente importante acabar com a pobreza no Brasil, mas isso não teria efeitos sobre a desigualdade. Se você dobrasse a renda da metade mais pobre do Brasil, a desigualdade não cairia mais do que 10%.
Não é que reduzir a desigualdade vai acabar com a pobreza, é que as medidas que vão acabar com a pobreza vão se beneficiar do fato de a renda ser menos técnicas. Uma pequena redução da desigualdade seria suficiente para provocar uma grande redução da fome no país. Se a gente conseguisse tributar mais as pessoas mais ricas, a gente conseguiria levantar mais recursos para gastar com mais assistência social, por exemplo, o que é algo importante para a fome.
Seu livro defende que tudo o que faz em termos de políticas públicas, das taxas de juros aos subsídios para as empresas, passando por programas sociais, deve ser pensando no sentido do combate à desigualdade. Como isso pode ser feito?
Responda com uma outra pergunta, uma brincadeira: você está me perguntando como eu faço para transformar o Brasil em uma Dinamarca em termos de desigualdade. Eu perguntei como é que eu faço para transformar o Brasil em uma Dinamarca em termos de PIB per capita. E a resposta para as duas questões que eu não sei, não sou ninguém que tenha qualquer noção de fato sobre como isso pode ser feito na prática.
Não é um problema simples combater a desigualdade ou fazer o Brasil crescer. Vai exigir um esforço gigantesco, custar muito caro e consumir um capital político imenso, porque isso, no fundo, implica em enfrentar diretamente os conflitos distributivos e grupos inteiros vão resistir pesadamente a isso, no campo da política e da economia, em tudo aquilo que Podem, porque os grupos sempre defendem seus interesses.
Uma sociedade mais igualitária é necessariamente melhor?
O que justifica a desigualdade? Vem de uma situação justa, porque há pessoas se esforçando mais do que as outras? Essa seria a resposta para a desigualdade racial no Brasil? Ou isso vem de uma série de estruturas muito maiores que são justas? Toda sociedade tem alguma desigualdade e alguma desigualdade é tolerável e pode ser até funcional. Para você ter uma enfermeira trabalhando de madrugada no hospital, você tem que pagar a ela mais do que a que trabalha durante o dia. É uma desigualdade funcional, totalmente aceitável. O que não é aceitável é o nível de desigualdade no Brasil, que é difícil demais de ser explicado.
Uma sociedade mais igualitária é, muito provavelmente, mais justa. Alguma microdesigualdade sempre existirá e será tolerável e aceitável. O que estamos discutindo não é isso: é o nível extremamente elevado da desigualdade na sociedade brasileira.
Uma das ideias centrais do livro é que não existe solução mágica para combater a desigualdade. Há esperança, então?
Há esperança, sim. Eu poderia argumentar que vai ser muito difícil o mundo manter o crescimento sob as restrições imensas que serão impostas pelas crises ambientais. A gente deve ter esperança? Sim. A gente vai enfrentar crises e dificuldades. Vai dar muito trabalho, vai levar muito tempo e terá um preço político gigantesco. Digo isso para acabar com a ilusão das soluções fáceis, de que basta fazer uma reforma educacional ou tributar os ricos e a desigualdade vai diminuir. Não é só isso. A desigualdade está em tudo. E, portanto, dá muito trabalho mexer, tem de mexer muito.
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