Em última fala na Conferência do Clima em Dubai, presidente tenta contornar repercussão negativa do anúncio da adesão à Opep+. Sociedade civil critica silêncio sobre exigência de data limite para fim da era fóssil.
Por: Nádia Pontes enviada a Dubai | Créditos da foto: Chris Jackson/dpa/picture alliance. Lula durante seu discurso na COP28 na sexta-feira
Antes de se despedir da Conferência do Clima de Dubai (COP28), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou a entrada do Brasil no poderoso clube do petróleo. Segundo Lula, o país integrará um subgrupo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, a Opep+, como observador.
“É como a minha participação no G7: eu vou lá, escuto, e não apito nada. Só falo depois que eles decidiram tudo”, disse Lula neste sábado (02/12) durante um encontro com a sociedade civil.
O presidente tentou contornar a repercussão negativa do anúncio feito pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Junqueira, na quinta-feira – mesmo dia em que as negociações do clima começavam. Durante uma reunião virtual com a diretoria da Opep, Junqueira fora aplaudido de pé ao fim de sua fala.
“A gente precisa convencer esses países que eles precisam sair do petróleo”, tentou justificar Lula sobre a adesão do Brasil. Ainda segundo o presidente, o país poderia ajudar os maiores produtores de combustíveis fósseis nesta transição.
Na sequência, o mandatário brasileiro citou a Alemanha, para onde segue neste domingo. “A [ex-chanceler] Angela Merkel acabou com as usinas nucleares contando com o gás da Rússia. Ela não imaginava que haveria uma guerra na Ucrânia. E agora o país voltou a usar carvão”, disse.
No país agora sob o comando do chanceler federal Olaf Scholz, Lula terá uma agenda recheada de conversas sobre parcerias estratégicas para acelerar a transformação ecológica e o acordo Mercosul-União Europeia.
O acordo, negociado por 20 anos e assinado em 2019, agora precisa ser ratificado. Se depender do presidente francês, Emmanuel Macron, ele não será. Numa conversa com a imprensa, Macron disse que o pacto é antigo e não contempla de forma satisfatória a proteção climática e da biodiversidade.
“Não posso exigir que os produtores franceses descarbonizem sua produção e apoiar a importação de carne ‘cheia de carbono’. Sou contra”, comentou Macron, no que pareceu ser uma crítica sutil ao setor agropecuário brasileiro.
“Grande silêncio”
Como na COP27, Lula cedeu uma parte de sua agenda para um encontro com a sociedade civil brasileira em Dubai. Num tom amistoso, representantes de 135 entidades lembraram ao presidente a lista de medidas pendentes em casa: demarcação de terras indígenas e expulsão dos invasores, reconhecimento de territórios quilombolas, inclusão da juventude nos processos de tomada de decisões e abandono definitivo dos combustíveis fósseis.
“Tínhamos que abordar isso de forma clara aqui. É um assunto importante para nosso futuro, e a juventude quer ter futuro”, disse Marcele Oliveira, jovem negociadora do clima e membro da Coalizão o Clima é de Mudança.
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, desafiou Lula a fazer a promessa que nunca é feita numa COP: fixar a data que o mundo vai abandonar de vez os combustíveis fósseis. “O senhor poderia assumir a liderança e colocar à mesa um limite para o fim desta era”, sugeriu em tom elegante.
Para Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, Lula deixa a COP28 sem respostas importantes. “Não houve nada anunciado aqui que neutralize essa intenção do Brasil de se juntar ao cartel dos grandes petroleiros. Infelizmente, houve um grande silêncio com relação ao principal tema desta COP”, avalia à DW.
A voz da florestas
Neste terceiro dia de COP28, o Reino Unido anunciou R$ 215 milhões adicionais ao Fundo Amazônia. No total, o aporte chega a R$ 700 milhões desde o início da contribuição, em maio. Outros anúncios são esperados até o fim da conferência.
Numa quebra de protocolo, Lula cedeu o palco para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, falar sobre o plano de conservação de florestas num evento oficial. Os dois se emocionaram ao lembrar a trajetória da ministra, que cresceu numa reserva extrativista no Acre.
No dia anterior, o governo havia anunciado o esboço do programa Florestas Tropicais para Sempre, proposta de criação de um instrumento financeiro para compensar países que preservam suas florestas. A ideia foi bem recebida por países como Indonésia, que enfrenta desafios para manter a vegetação.
“As florestas intactas dependem muito de recursos nacionais, de filantropia. Essa proposta de Lula vem tratar dessa lacuna”, comenta Carlos Rittl, da Wildlife Conservation Society, à DW.
É uma proposta inicial, reconhece Rittl, e ela visa ganhar tração. Para ele, há muito mérito na proposta, mas há questões que precisam ser resolvidas com clareza, como os indicadores de integridade ecológica das florestas.
“A ideia com certeza tem ótimas intenções, mas, de fato, não é possível orçar nada ainda. Há muitas dúvidas. Estou ouvindo alguns especialistas em finanças sobre isso, há lacunas técnicas que precisam ser resolvida”, comenta Unterstell, do Instituto Talanoa.
Rumo das negociações
Nas mesas de negociações, a aprovação logo no primeiro dia do fundo de Perdas e Danos, prometido na edição passada da conferência, acalmou um pouco os ânimos dos países mais pobres impactados pelas mudanças climáticas. O fundo deve alocar recursos para compensar, por exemplo, prejuízos causados pelo aumento do nível do mar, tempestades mais fortes e outros efeitos que os cientistas associam às mudanças climáticas.
Por outro lado, a garantia do dinheiro dada logo na estreia do COP em Dubai é vista com desconfiança por participantes experientes: as nações menos industrializadas podem diminuir o tom da cobrança sobre os mais ricos para que eliminem os combustíveis fósseis.
Também neste sábado, os Estados Unidos se comprometeram a contribuir com 3 bilhões de dólares para o Fundo Verde do Clima, com o objetivo de ajudar os países em desenvolvimento a “investir em resiliência, energia limpa e soluções baseadas na natureza”, nas palavras da vice-presidente americana, Kamala Harris. Paralelamente, os EUA anunciaram que vão encerrar as atividades de usinas de energia a carvão até 2035.
A segunda semana de negociações deve ser mais dura. A presidência da conferência, sob comando do petroleiro Sultan Al-Jaber, precisa entregar um acordo que corrija os trilhos das emissões globais para que o aquecimento não ultrapasse o 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, como estabelecido pelo Acordo de Paris.
Se não oferecer uma data limite para o fim dos combustíveis fósseis, Dubai deve firmar um plano de eliminação gradual desta fonte, dizem diplomatas ouvidos pela DW.
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