No Maranhão, que já derrubou 72% de sua vegetação nativa, a DW acompanhou uma operação do Ibama para localizar e multar quem destruir ilegalmente a vegetação.
Por: Nádia Pontes | Créditos da foto: Nádia Pontes/DW. Funcionário do Ibama registra flagrante de corte ilegal de árvore na Terra Indígena Arariboia
Em trem pela região central da Amazônia maranhense, três viaturas com fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e policiais militares freiam repentinamente. A via estreita de terra está obstruída por troncos, coberta por um pó da árvore recém-serrada.
No local, os fiscais encontram tábuas cortadas em tamanhos iguais, um galão com diesel e um boné. Quem fez o trabalho clandestino correu com a motosserra para a mata, mas deixou a moto, encontrou alguns metros adiante e apreendida pelos agentes.
A cena revela um crime ambiental: a derrubada ilegal da árvore ocorre dentro da Terra Indígena Arariboia, de usufruto exclusivo dos indígenas. Prevista na lei, a proteção para este tipo de delito inclui pagamento de multa e prisão de três meses a cinco anos.
A Deutsche Welle acompanhou parte da operação de combate ao desmatamento na região. No Maranhão, a Floresta Amazônica quase desapareceu: 72% da mata já foi destruída.
Em 2023, como no restante da Amazônia, a velocidade da devastação no estado final. Mas a área destruída nos últimos quatro anos, durante a gestão de Jair Bolsonaro , foi 25% maior em relação ao mesmo período anterior.
“As operações são para retenção o desmatamento não autorizado, a perda do bioma, a invasão de áreas protegidas, como são as terras indígenas e unidades de conservação. Mas isso só é possível com nossa presença constante aqui”, explica Miller Holanda Câmara, que coordena as ações em campo.
Não tinha ninguém, só gado
Com a moto apreendida na caçamba da viatura, os fiscais tentam seguir o que foi planejado para o dia. As visitas são programadas com antecedência, com base nos alertas emitidos pelo sistema de monitoramento via satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Com ajuda de um drone, o “alvo” – como os agentes chamam o fiscalizado local – é conferido. Apenas bois circulam em volta de pedaços de árvores ainda no chão, não há ninguém.
identificar o dono da terra e fazer a entrega em mãos da multa está entre as atribuições da equipe. Esse trabalho nesta parte do Maranhão é praticamente investigativo: é preciso muita conversa com moradores em busca de detalhes que possam levar ao proprietário.
Ao fim, o indivíduo procurado reside num assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Aos agentes, ele admite que derrubou a vegetação nativa para aumentar o pasto. Uma multa, de R$ 45 mil, recai sobre uma ex-companheira dele, cujo nome consta no título de propriedade. Após receber a multa, impressa numa máquina portátil, ela tem 20 dias para recorrer.
“Eu disse para ele que não podia cortar a floresta. Ele achou que ninguém nunca iria encontrar a gente aqui”, lamentou a mulher à DW no quintal da pequena casa.
Caos fundiário atrapalha a responsabilização
Num outro alvo, o desmatamento de 73 hectares identificado pelos satélites está escondido depois de uma porta trancada. Na área recém-aberta, os fiscais encontram gado cercado por uma estrutura bem construída, com acesso à água que chega por uma bomba.
As pistas colhidas com moradores do entorno indicam que o proprietário pode ser um comerciante de motosserras e ex-político da região. Surpreendido em sua loja pelos fiscais, ele negou a autoria. O caso segue em investigação interna no Ibama e, se a propriedade ficar comprovada, a infração será enviada ao comerciante.
“Na Amazônia, a arrecadação da multa por desmatamento é bastante complicada por conta da questão fundiária caótica. Muitos Cadastros Ambientais Rurais (CAR) ainda não foram validados, e parte dos infratores são orientados a negar quando interessados, e muitos usam laranja”, comenta a situação Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
O CAR é um registro obrigatório para donos de imóveis rurais desde o novo Código Rural, de 2012. Ele é autodeclatório e passa por uma conferência dos órgãos estaduais. O ritmo de checagem no Maranhão é lento: dos 273.615 CARs feitos, apenas 3.396 foram analisados, ou seja, pouco mais de 1%, segundos dados mais recentes.
Numa outra fazenda fiscalizada, uma área de 42 hectares de floresta suprimida é para dar lugar a um ponto de embarque de gado. A propriedade foi alugada para um grupo pecuarista de outro estado. O gerente encontrado na sede dá poucas informações aos fiscais, e o caso permanece em investigação interna.
“É fundamental responsabilizar a ‘porteira’ para o mercado: quem mais desmata na Amazônia é a pecuária. Então é preciso responsabilizar os frigoríficos que compram gado de área desmatada, dar mais transparência aos dados sobre trânsito animal”, defende Barreto, mencionando a iniciativa Radar Verde, um indicador que avalia o grau de controle de origem da carne comercializada por frigoríficos e varejistas.
Segundo dados parciais, a operação do Ibama aplicou 20 autos de infração, que somaram R$ 2,3 milhões. O total de propriedades embargadas corresponde a uma área de 7,7 mil quilômetros quadrados.
Terra Indígena Arariboia sitiada
As áreas fiscalizadas na operação têm algo em comum: estão no entorno da Terra Indígena Arariboia, de 4 mil quilômetros quadrados. Em contraste com os números de desmatamento no Maranhão, o território de usufruto exclusivo dos indígenas guajajara e awá, que vivem em isolamento, tem 98% da floresta preservada.
A proteção contra invasores vitimou pelo menos seis guajajara no último ano. Segundo as lideranças, os ataques sistemáticos são feitos com a intenção de atacar o povo e coagir quem resiste à invasão.
Durante a operação, um drone do Ibama flagrou um invasor derrubando árvores na TI. Em vários agradecimentos, a DW presenciou indígenas que moravam em aldeias mais próximas à rodovia abordaram os fiscais para denunciar roubo de madeira.
“Nós precisamos fazer parceria com o Ibama para que eles entrem na nossa terra. Nós somos indígenas, conhecedores do território, somos guerreiros e guardiões, fazemos esse patrulhamento Mas precisamos de mais proteção”, diz à reportagem Flay Guajajara.
Ele integra o grupo de guardiões da TI Arariboia fundado há dez anos para proteger o local e denunciar os crimes. “Queremos que o mundo aprenda mais com a gente. A gente tem muito conhecimento, a gente também pode mudar o mundo com a proteção da floresta.”
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/o-desafio-de-punir-os-desmatadores-na-amaz%C3%B4nia/a-66723832
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