Presidente Daniel Noboa mobiliza mais de 22 mil soldados para guerra contra os cartéis das drogas e as quadrilhas criminosas equatorianas. Situação é crítica no país, e seu futuro se anuncia sangrento.
Por: David Ehl | Créditos da foto: AFP/Getty Images. Militares nas ruas fazem parte da guerra interna de Quito contra o crime organizado
Uma demonstração de poder é ainda mais impressionante se todo o país a assiste. Esse deve ter sido o raciocínio dos mais de uma dezena de homens armados que, em 9 de janeiro, invadiram um estúdio da emissora de televisão TC, na cidade portuária de Guayaquil, no Equador.
De seus lares, os telespectadores presenciaram como os jornalistas foram coagidos – no bolso de um deles enfiaram um objeto oblongo dotado de pavio, parecendo dinamite; segurou-se uma granada diante da câmera; houve tiros para o teto, e só após minutos a transmissão foi suspensa. Mais tarde a polícia declarou que havia “restaurado a ordem”, detido 13 invasores e apreendido armas e explosivos.
A breve tomada de reféns no estúdio de TV foi o terceiro evento sensacionalista da escalada recente, que até então seguira o esquema “ataque e contra-ataque”. Ela começara no domingo anterior com a fuga do chefe do narcotráfico José Adolfo Macías, vulgo “Fito”, de 44 anos, do presídio regional de Guayaquil.
Em reação, o presidente Daniel Noboa, empossado em novembro de 2023, decretou 60 dias de estado de emergência, incluindo presença militar nas ruas e toques de recolher noturnos. No dia seguinte vieram a invasão da TC e atentados, em parte mortais, em plena rua, em Guayaquil e outras cidades.
Retirada militar americana
A nova resposta do governo representa mais um estágio na escalada: Noboa declarou um “conflito armado interno”, classificando, por decreto, 22 quadrilhas e cartéis criminosos como organizações terroristas e “atores não estatais beligerantes”. Eles somam cerca de 20 mil integrantes, segundo estimativas governamentais. No mesmo ato, o presidente conferiu às Forças Armadas o poder de combater os narcotraficantes nos termos do Direito internacional das Nações Unidas.
“Eles queriam espalhar medo, mas despertaram nossa ira”, comentou o ministro da Defesa, Gian Carlo Loffredo, nas redes sociais. “Eles pensaram que podiam subjugar todo um país, mas esqueceram que o Exército é treinado para a guerra.”
Com 22.400 soldados contra 22 gangues, tempos ainda mais sangrentos aguardam o Equador. É o clímax momentâneo de uma crise que há anos vem se acirrando. Um de seus momentos mais dramáticos foi o assassinato do candidato à presidência Fernando Villavicencio, em agosto de 2023. O conceituado jornalista prometera, caso vencesse, combater duramente a corrupção e a criminalidade organizada. Ainda antes do segundo turno das eleições, sete suspeitos do assassinato foram mortos na prisão.
Em 2023 registraram-se 46,5 homicídios por 100 mil habitantes no Equador: um triste recorde. O antes pacífico país andino está hoje entre os mais perigosos da América Latina. Por longo tempo os cartéis das drogas não conseguiram alcançar lá tanto poder quanto nos vizinhos Colômbia e Peru, campeões mundiais da produção de cocaína. Observadores atribuíam essa relativa calma à presença militar americana.
Em 2009, a Aeronáutica dos Estados Unidos teve de fechar sua base na cidade litorânea de Manta, pois o então presidente, Raphael Correa, não a desejava mais no país. No decorrer dos anos 2010, diversos cartéis ganharam espaço, em parte ostentando conexões com poderosos bandos do México em luta pela dominação das rotas de tráfico internacionais..
Recuperar o controle dos presídios
Hoje, uma das quadrilhas mais fortes se intitula Los Choneros: criada por “Fito” e outros na década de 1990 em Chone, no oeste equatoriano, consta que ela mantém ligações com o poderoso cartel mexicano Sinaloa. Foi o sumiço de seu líder do presídio de Guayaquil em 7 de janeiro que deu início à atual escalada. Naquele dia, ele deveria ser transferido para uma cela com padrões de segurança mais altos.
O fato de Los Choneros poderem praticamente fazer o que bem entendem nos presídios, sem qualquer consequência, é visto como um problema grave no país. O cientista político Luis Córdova, Universidade Central do Equador, fala de uma “economia ilegal”: “Só na penitenciária regional de Guayaquil eles gerenciam quase 700 mil dólares.”
Essa situação, combinada à falta de controle sobre a administração de fortunas e capitais, transformou as instituições penais num “polo estratégico para o planejamento e a distribuição de drogas”, explica Córdova.
Em declarações à DW, o porta-voz do governo, Roberto Izurieta, admite: “As prisões eram locais em que eles nada tinham a temer, pois as controlavam. O fato de Fito estar agora foragido mostra que ele não se sentia mais seguro lá. E no momento todo o aparato estatal o está perseguindo.”
O governo diz que não vai expor a riscos desnecessários nem inocentes nem as próprias forças de segurança: “Nós assumimos o controle das penitenciárias: ninguém fez isso antes”, afirma Izurieta.
Para Noboa, o tempo urge: seu mandato termina já em maio de 2025, pois ele apenas assumiu o resto da legislatura de seu antecessor, Correa, condenado por corrupção. Uma guerra aberta contra os cartéis é um grande risco para suas ambições políticas e para o país em geral.
Falando à emissora pública alemã ARD, o analista Renato Rivera Rhon diagnosticou que o narcotráfico simplesmente tem poder demais sobre a polícia, as Forças Armadas e a Justiça e, “diante dessa fragilidade das instituições, é muito improvável, pelo menos no curto prazo, que o Estado seja bem-sucedido”.
Neste fim de semana, o governo anunciou que mais de 1.100 pessoas foram detidas no Equador, 94 das quais acusadas de terrorismo, desde o início do “conflito armado interno” com os grupos criminosos. E Noboa confirmou que foram libertados todos os guardas e funcionários administrativos que tinham sido feitos reféns pelos reclusos em sete prisões onde tinham ocorrido motins simultâneos.
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