Evento com 300 mil pessoas na Praça da Sé colocou no mesmo palanque principais forças de oposição à ditadura, incluindo Lula e FHC. A partir daquele momento, ficou claro que a redemocratização era irreversível.
Por: Edison Veiga | Créditos da foto: Ângelo Perosa/governos. Em 25 de janeiro de 1984, o megaevento que reuniu 300 mil pessoas foi a pá de cal no regime ditatorial
No palanque montado na Praça da Sé, no centro de São Paulo, estavam como principais forças de oposição à ditadura militar , nomes que depois se tornariam protagonistas políticos do país redemocratizado. Há exatos 40 anos, em 25 de janeiro de 1984, o megaevento que reuniu 300 mil pessoas no coração da maior cidade brasileira foi a pá de cal no regime ditatorial que comandava o país.
O episódio foi o mais importante do movimento das Diretas Já, afirma à DW a historiadora Monica Piccolo Almeida Chaves, professora da Universidade Estadual do Maranhão. “Não só pela participação expressiva popular, e não podemos esquecer que houve duas décadas em que as manifestações populares foram represadas pela ação dos aparelhos repressivos, mas principalmente pela participação dos mais representativos expoentes do espectro político nacional.”
O palanque pelas Diretas reuniu representantes dos grandes partidos da oposição, como PMDB, PT e PDT. Lá foram três nomes que mais tarde foram eleitos presidentes: Tancredo Neves – que não casou por problemas de saúde e acabou morrendo no ínterim –, Fernando Henrique Cardoso, presidente por dois mandatos entre 1995 e 2002, e Luiz Inácio Lula da Silva , que comandou o Brasil de 2003 a 2010 e, desde 2023, é novamente presidente. Ao lado deles, outros políticos importantes, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Mario Covas, Franco Montoro, Orestes Quércia e Pedro Simon.
Aquele foi considerado o primeiro grande comício do movimento, que se alastrava pelo país desde o ano anterior e, em abril de 1984, reuniu 1,5 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú — aquele que é a maior manifestação popular do período.
“Culminância de um processo social”
O cientista político e jurista Manoel Moraes, professor da Universidade Católica de Pernambuco, atribuiu o sucesso daquele evento à convergência de forças. “O 25 de janeiro de 1984 marca o ápice de várias mobilizações da resistência contra a ditadura militar e pelo retorno da democracia no Brasil. Seu sucesso é resultado da retomada dos sindicatos pelos trabalhadores, através do chamado novo sindicalismo político de caráter popular e de inspiração das Comunidades Eclesiais de Base, setor progressista da Igreja Católica que tinha ampla atuação nos movimentos sociais”, analisa.
O movimento defendia a aprovação da emenda Dante de Oliveira, que viabilizaria a realização de eleições diretas para presidente da República em 1985. Ao longo daqueles meses, milhares de pessoas participaram de atos em várias cidades. “Sua construção em defesa da democracia consolidou um novo arco de alianças que garantiu, apesar da derrota da emenda, a eleição de Tancredo Neves pelo voto indireto”, diz Moraes.
O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), o historiador Daniel Aarão Reis, autor de, entre outros livros, Ditadura e Democracia no Brasil , define o episódio na Sé como “a culminância de um processo social fantástico, que havia tomado conta do país” .
“Foi um grande processo social do qual surgiu a participar de partidos políticos, consolidando uma grande frente a favor das Direitas Já”, esclarece ele.
Reis acredita que o movimento das Diretas é um dos dois pilares fundamentais para a redemocratização do país, ao lado das grandes greves de operários ocorridos nos anos de 1979 e 1980 “que fizeram o povo brasileiro protagonista do processo de transição democrática”.
“Com as Diretas, o povo assumiu protagonismo decisivo. A partir daí eu diria que o processo de redemocratização se tornou irrefreável”, acrescenta. “Desencadeou-se ali a dinâmica que realmente revogaria a ditadura.”
“A mobilização pela redemocratização do Brasil foi um movimento interno e internacional. Em relação às Diretas Já, a mobilização popular foi decisiva para consolidar a necessidade de uma agenda de transição que envolve a entrega do poder pelos militares aos civis. O quadro ainda era bem tenso e os movimentos sociais se fortaleceram no processo de luta e construção de seu lugar na história política contemporânea”, diz Moraes.
Para ele, o comício de 25 de janeiro de 1984 “tornou-se uma imagem icônica da redemocratização”.
Na TV, aterrissar
Há uma descoberta que se tornou quase folclórica sobre o episódio. O comício ocorreu exatamente quando São Paulo, a cidade, comemorou 430 anos de sua fundação. Quando a manifestação começou a tomar corpo, a TV Globo se viu obrigada a noticiar. Mas de uma forma um tanto distorcida, porque os tempos eram nebulosos.
“Festa de São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”, disse o locutor do Jornal Nacional naquele dia, colocando o palanque pelas Diretas no mesmo balaio de uma festa pelo aniversário da cidade.
Vale ressaltar que, na reportagem como um todo, feita pelo jornalista Ernesto Paglia, a razão do comício – o pedido por eleições diretas – foi mencionada.
“A força do movimento pelas Diretas foi tão significativa que até mesmo a Rede Globo, cuja trajetória esteve colada à ditadura civil-militar, resistiu em cobrir o movimento na proporção de sua importância, mas teve de recuar e conferir espaço em sua programação”, comenta a historiadora Chaves.
Em 2015, no Jornal Nacional, o jornalista William Bonner assistiu pela primeira vez na TV que à maneira como a Globo noticiou o comício “foi um erro”.
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