Estudos mostram: celulares podem afetar a concentração, a saúde mental e o aprendizado de crianças e adolescentes. Porém, normaliza-se o “inovacionismo” nas escolas, sem reflexão crítica – e o Estado é moroso em promover este debate
Por: Gustavo Gabriel Garcia | Ilustração: Spur Design
É amplamente aceito por especialistas de diversas áreas que o uso prolongado de telas traz muitos malefícios, tanto para a saúde física quanto para o sistema neurológico. Esses efeitos negativos são particularmente preocupantes para crianças e adolescentes, que estão em uma fase crucial de desenvolvimento.
O uso excessivo de telas está associado a uma série de problemas de saúde física, incluindo fadiga ocular, dores de cabeça, distúrbios do sono e problemas posturais. Passar muitas horas por dia em frente a uma tela pode levar ao cansaço visual, que se manifesta em visão turva, olhos secos e dificuldade de foco. Além disso, a postura inadequada durante o uso de dispositivos eletrônicos pode causar dores no pescoço e nas costas, bem como outras complicações musculoesqueléticas. Para crianças e adolescentes, cujos corpos ainda estão em desenvolvimento, esses problemas podem ter efeitos a longo prazo.
No entanto, os impactos negativos não se limitam à saúde física. O uso prolongado de telas também pode afetar o desenvolvimento neurológico e psicológico dos jovens. Estudos têm mostrado que o tempo excessivo de tela está correlacionado com dificuldades de concentração, problemas de comportamento e desempenho acadêmico prejudicado. Além disso, a exposição constante a estímulos digitais pode interferir no desenvolvimento da criatividade e da capacidade de resolução de problemas, habilidades essenciais para a formação de cidadãos.
Em pleno século XXI onde a tecnologia está cada dia mais avançada, as pessoas adquirem doenças e problemas psicológicos frequentes. A tecnologia com os processos de automação leva as pessoas a assumirem uma vida sedentária, já que, a comodidade, rapidez e flexibilidade na aquisição de informação diminuem o esforço das pessoas em buscar fontes alternativas de lazer, trabalho e estudo (MATTOSO, 2010, p. 31).
O uso constante de telas, tanto na escola quanto na vida particular dos alunos, tem levado muitos jovens a desenvolverem dificuldades de aprendizagem. Quando são solicitados a realizar atividades analógicas ou escritas, eles não conseguem se concentrar por muito tempo, perdem a atenção e ficam estressados. Isso ocorre porque a forma de pensar está sendo condicionada pelo alto índice de interação com telas, que não exige esforço intelectual significativo, já que tudo é apresentado pronto e o máximo de esforço necessário é apertar teclas ou tocar a tela.
O que mais preocupa nesse momento é a inserção dessas plataformas tecnológicas nas escolas de forma natural, sem uma pesquisa prévia ou consulta popular. Isso tem levado à normalização da tecnologia como uma ferramenta essencial para o desenvolvimento e a aprendizagem, sem considerar os possíveis efeitos nocivos. Condicionar docentes e alunos a passarem horas diante de telas, além do já excessivo tempo que muitos passam fora da escola, pode ser prejudicial. A falta de limites no uso dessas tecnologias pode agravar problemas de saúde física e mental, além de impactar negativamente a capacidade de concentração e o desenvolvimento de habilidades analógicas e motoras.
A escola deveria oferecer aos alunos um modelo diferente de elaboração do conhecimento, que promova a criatividade e valorize tanto o saber prático quanto o teórico. Em vez de condicionar ainda mais os alunos a passarem horas na frente das telas, as instituições de ensino deveriam incentivar atividades que não dependam exclusivamente da tecnologia digital.
Para desenvolver e expor os riscos da imposição do uso constante de plataformas digitais nas escolas sem uma reflexão crítica, utilizamos o trabalho de Pierre Weil (2020). O autor levanta questionamentos sobre a normalização de certos hábitos associados ao consumo de conteúdos digitais e à frequência de acesso a esses conteúdos, destacando os possíveis riscos à formação e ao desenvolvimento cognitivo. Segundo Weil (2020, n.p), a normose é considerada:
“o resultado de um conjunto de crenças, opiniões, atitudes e comportamentos considerados normais, logo em torno dos quais existe um consenso de normalidade, mas que apresentam consequências patológicas e/ou letais. Alguns exemplos de normoses: usos alimentares como o açúcar, o uso de agrotóxicos e inseticidas, o consumo de drogas como o cigarro ou o álcool, o paradigma newtoniano-cartesiano e a fantasia dualista sujeito-objeto em ciência, o consumismo associado à destruição da vida no planeta.
O autor considera o uso da informática uma normose. Segundo ele, há um consenso cultural quanto à normalidade do uso da informática, mas esse uso apresenta consequências patogênicas e/ou letais, que são frequentemente normalizadas ou ignoradas.
Para desnaturalizar o aumento vertiginoso do uso da informática e suas consequências sociais, Weil propõe dois conceitos para aprimorar sua análise: “informatose” e “cibernose”. Esses conceitos ajudam a entender os impactos patogênicos e letais do uso intensivo da informática, que são frequentemente normalizados ou ignorados na cultura atual. De acordo Weil (2020), “A informatose é um termo que criamos para designar distúrbios ou mesmo doenças causados por excesso de fluxo de mensagens informacionais em relação a um só receptor, isto é, a uma só pessoa”. enquanto que “cibernose”:
[…] criado por um psicosociólogo francês, Van Bockstaele, para designar nós de estrangulamento nas comunicações, mais especialmente durante uma situação experimental que ele chamava de socioanálise, um método de dinâmica de grupo. Retomamos o termo para designar mais especialmente situações de perturbação de comunicações, com efeitos patogênicos sobre o sistema nervoso, ou funções mentais, causados na sua maioria pelo uso de aparelhos cibernéticos (WEIL, 2020, n.p).
Vamos abordar algumas consequências patológicas do acúmulo de informações ou do uso da informática em determinadas condições, caracterizando o que o autor denomina como “informatose”. Entre essas consequências, destacam-se o isolamento e o desmembramento familiar, onde o uso excessivo da tecnologia pode levar a uma desconexão emocional e física entre os membros da família. Além disso, há a dissonância cognitiva entre a aspiração de absorver informações e a real capacidade de processá-las, gerando frustração e estresse.
Outra consequência é a ligação sutil entre o computador e o ser humano, onde a dependência da tecnologia pode afetar a saúde mental, levando à neurose do virtual. Essa condição é caracterizada pela dificuldade de distinguir entre o mundo virtual e o real. Além disso, a divulgação constante de violência na mídia digital pode dessensibilizar o indivíduo e aumentar a sensação de insegurança. Essas são as principais consequências patológicas resultantes do excesso de fluxo de mensagens informacionais direcionadas a um único receptor, conforme descrito pelo autor.
A “cibernose” está associada aos efeitos de atrofia das funções humanas, incluindo a comunicação. Segundo o autor, uma das principais consequências é o desequilíbrio dos hemisférios cerebrais. Weil (2020) afirma que a educação atual se tornou predominantemente intelectual, focada no armazenamento de grandes quantidades de informações e no treino do raciocínio lógico-matemático, funções ligadas ao hemisfério esquerdo do cérebro. Em contraste, a criatividade, associada ao hemisfério direito, é pouco estimulada pela informática, levando à atrofia dessas funções em crianças e adolescentes, que se tornam dependentes do computador. Outras consequências incluem a atrofia da função numérica da mente humana e frustrações nas comunicações e relações humanas.
As considerações sobre os impactos do uso excessivo da informática e das redes de comunicação virtual não foram devidamente observadas pelo Estado. Não há um documento oficial do Governo Federal alertando sobre os riscos associados ao uso excessivo dessas plataformas pelas instituições de ensino. Esse cenário contribui para a percepção de normalidade, como se toda a lógica implementada por meio dessas plataformas estivesse alinhada com o desenvolvimento intelectual e tecnológico, que é sempre considerado um avanço, mas que na verdade expõem as crianças e adolescentes aos riscos quando não observado as restrições cognitivas que as telas podem produzir.
Publicado originalmente em: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/telas-deficit-cognitivo-e-crise-da-educacao/
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