Donald Trump começou seu governo distribuindo bravatas nas redes e na mídia. Mas, como todos os glutões, ele pode ter mordido mais do que pode mastigar e sua beligerância em relação aos líderes latino-americanos aumenta a perspectiva de uma resistência regional mais organizada, onde o bloco popular de esquerda está bem posicionado para liderar.
Por: Cruz Martínez | Tradução: Caue Seigner Ameni| Crédito Foto: (Reprodução Bi Notícias). O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, durante sua visita ao México com a presidente mexicana Claudia Sheinbaum.
Os primeiros dias de Donald Trump no cargo provaram que sua retórica isolacionista anterior sempre foi uma bravata. Declarações sobre conquistar a Groenlândia, “retomar” o Canal do Panamá e invadir o México viraram manchetes; parece que o governo acabou com as formalidades do imperialismo e abraçou totalmente a versão superdimensionada de Trump. Mas, como todos os glutões, ele pode ter mordido mais do que pode mastigar.
Na semana passada, Trump entrou em um duelo com o presidente de esquerda da Colômbia, Gustavo Petro, que se recusou a aceitar um avião militar dos EUA com imigrantes colombianos algemados. Como o conteúdo das postagens na rede social de Trump e Petro circulou na mídia dos EUA, grande parte dela afirmou que Trump era o vencedor e rapidamente passou para o próximo escândalo. No entanto, se a mídia tivesse prestado um pouco mais de atenção, teria visto que o desafio público de Petro a Trump funcionou; o governo Trump concordou em permitir que os imigrantes retornassem para casa de forma digna e decidiu não aplicar nenhuma das sanções que Trump ameaçou. No dia seguinte, os mesmos colombianos que estavam algemados anteriormente chegaram a Bogotá sem algemas no avião presidencial colombiano.
Repórteres correram para entrevistar os migrantes assim que eles desceram as escadas para a pista. As histórias que eles contaram foram um testemunho da crueldade do governo Trump e da desumanização dos migrantes que caracterizou a política dos EUA desde o ano passado. Enquanto muitos corriam passando pelas câmeras, uma mulher com uma criança nos braços parou para contar sua história. Ela disse que cruzou o Deserto de Sonora com seu filho quando foi roubada por coiotes e forçada a passar fome, apenas para ser apreendida pelo Immigration and Customs Enforcement (ICE) e forçada a ficar detida. Ela terminou dizendo que as pessoas estão sendo mantidas sob custódia e há pessoas desaparecidas — uma frase que remonta a alguns dos dias mais sombrios da história da América Latina, quando ditaduras militares e paramilitares desapareciam à força as pessoas “indesejáveis” da sociedade, fossem militantes de esquerda, sindicalistas, pessoas queer, usuário de drogas, profissionais do sexo ou apenas pessoas pobres no lugar errado e na hora errada.
Outro homem, José Erick, um requerente de asilo, foi entrevistado por repórteres no saguão do aeroporto, contando uma história semelhante de cruzar o deserto e ser forçado a suportar privação de sono sob custódia do ICE, uma prática que a jornalista colombiana Diana Carolina Alfonso identifica como uma forma de tortura, proibida pelo direito internacional. Erick então contou a história de como ele estava buscando asilo para se juntar ao resto de sua família nos Estados Unidos e escapar da violência, um problema na Colômbia alimentado por armas que são fabricadas nos Estados Unidos. Outro homem foi convidado a responder às acusações de Trump de que os que estavam a bordo eram criminosos. “Sou um engenheiro mecatrônico”, ele respondeu. “Trump precisa de melhores informações sobre quem estava naquele avião.”
O retorno altamente divulgado dos imigrantes em condições mais humanas expôs para a América Latina e o Caribe os horrores da política interna e externa de Trump. Para Petro, essa foi uma vitória moral.
O presidente Petro também lançou as bases para uma coalizão regional que poderia superar divisões ideológicas e unir a maioria da América Latina em torno de uma agenda compartilhada diante das ameaças do governo Trump, incluindo tarifas. Isso se consolidou em uma reunião de emergência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) convocada em Honduras pela presidente daquele país, Xiomara Castro. Embora a reunião tenha sido cancelada assim que a Colômbia e os Estados Unidos chegaram a um acordo, outros líderes têm se mostrado preparados para mostrar seu desdém pelo tratamento de Trump aos seus cidadãos.
Claudia Sheinbaum, presidente de esquerda do México, também ganhou as manchetes por sua resposta irônica a Trump sobre sua proposta de mudar o nome do “Golfo do México” para “Golfo da América”. Ela respondeu propondo que o continente da América do Norte mudasse seu nome para “América Mexicana”, citando um mapa espanhol da era colonial como prova e documento histórico.
Em resposta à recente aprovação do Google para a mudança de nome sugerido por Trump, o Ministério das Relações Exteriores do México enviou uma reclamação formal à empresa, lembrando-os de que ela violou o direito internacional. No entanto, apesar de um breve período de negação de um voo de deportação na semana passada, o México tem sido diplomático sobre como planeja receber migrantes. Ainda assim, se as coisas esquentassem, ele poderia negar o uso de seu espaço aéreo ao governo Trump, tornando seus voos de deportação para outros países extremamente caros.
O governo Trump não perdeu tempo em atacar até mesmo possíveis aliados regionais além dos governos de extrema direita de El Salvador e Argentina. Até mesmo o presidente de centro-direita do Panamá, José Raúl Mulino, se viu em uma posição embaraçosa depois que Trump atacou o país em discursos alegando falsamente que o Canal do Panamá está nas mãos da China e que os Estados Unidos podem precisar “retomar” o canal. Mulino deixou claro que essas declarações violam os Tratados Torrijos-Carter, que devolveram a soberania do canal ao povo panamenho em 1999, após quase um século de ocupação dos EUA.
O fato de Trump ter atacado alguns dos aliados tradicionais dos EUA na região pode levar seus líderes a buscarem fortalecer as relações com a China, Rússia e Europa e dar impulso a uma nova onda de integração latino-americana. A perspectiva de uma resposta latino-americana organizada ao governo Trump entre as divisões esquerda-direita continua improvável, mas a recente agressão dos EUA e um bloco de esquerda popular na região a tornaram muito menos remota. Esse bloco sozinho pode colocar uma pressão significativa sobre o governo atual. Mesmo com os partidos alternando o poder, a desumanidade das ações recentes dos EUA não será esquecida tão cedo.
Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2025/02/lideres-latino-americanos-estao-se-unindo-para-enfrentar-a-tirania-de-trump/
Comente aqui