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As FFAA e a democracia

Por José Genoino

Não há como separar as FFAA da catástrofe que é o governo Bolsonaro. Transformaram-se em peça fundamental desde o apoio ao golpe contra a presidente Dilma, à prisão do Lula e construção da candidatura do atual governo. Mais do que participação no governo, avalizam e conduzem as diretrizes políticas e orientações governamentais, aceitam o programa neoliberal de ajuste fiscal, que envolve a eliminação de direitos e privatizações, a supremacia do capital financeiro e submissão à hegemonia americana. Estão comprometidas na imagem e no conteúdo com o desastre em curso em nosso país; alguns de seus líderes aderiram aos valores obscurantistas, outros silenciam diante deste desgaste da instituição.

As FFAA têm se transformado em uma força importante de governo, ocupando cargos, exercendo funções chaves e definindo orientações. Exercem uma tutela velada e aberta garantindo os privilégios corporativos e ocupando de maneira autônoma funções no Estado. Ora aparecem mais ajuizadas nas formas de governar, ora assumem posições conservadoras nos assuntos relacionados ao meio-ambiente, educação, racismo, defesa dos indígenas e aos temas relacionados com a agenda comportamental (mulheres, sexismo, LGBTQ , etc.). Temas que antes não uniam os militares como a hegemonia americana e o papel do Estado, hoje se unificam política e ideologicamente na defesa do programa neoliberal. Portanto, a relação com o governo é mais do que simples apoio, existe hoje em dia uma identidade ideológica e política nas questões de Estado, mesmo aparecendo divergências de algumas personalidades, na forma de governar.

A partir da crise internacional de 2008, da redefinição geopolítica dos Estados Unidos, da disputa de mercados, recursos naturais, da espionagem, inclusive contra o Brasil, e da guerra “contra a corrupção”, construiu-se uma influência através da CIA, ANS, FBI e Departamento de Justiça, uma espécie de “guerra híbrida”, objetivando construir a política “América para os americanos”. A diplomacia dos nossos governos de esquerda corretamente se baseava nas relações Sul-Sul, mas faltou uma correspondência mais efetiva no plano do direito penal e na diplomacia militar. Hoje em dia, porém, fortaleceram-se os laços históricos que vêm da Guerra Fria, das operações durante o período da Ditadura militar e da submissão vassala aos EUA.

Porém esta união possui meandros específicos, já que as FFAA preservam sua autonomia em relação ao poder político e também em relação às instituições estatais. São parceiras orgânicas nos assuntos governamentais e se necessário exercem o poder tutelar. Os militares da reserva e da ativa agem como se fossem um corpo só, muitas vezes nem as formalidades são preservadas. A politização entra nos quartéis, os militares dão aparência de normalidade enquanto passam a “boiada”; eles têm unidade nas questões programáticas e no combate à esquerda e ao PT.

Um exemplo disso é a recente nota (publicada em 14/11/2020 e atualizada em 17/11/2020) dos comandantes militares com o ministro da defesa onde elogiam o Presidente da República, opinam sobre a defesa das instituições e da sua transparência (o que não é papel das FFAA), defendem o conceito da época da ditadura militar, de “segurança e desenvolvimento” e só destacam as atividades subsidiárias e de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Este posicionamento é uma definição clara do conceito de autonomia tutelar, respaldada na interpretação de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.

O desastre no enfrentamento da pandemia, o agravamento da crise econômica e social, o isolamento internacional do Brasil, a degradação institucional, o desastre administrativo e a crise ambiental, o negacionismo fundamentalista e o incentivo aos valores neofascistas atingem a própria imagem das FFAA como instituição. A destruição aniquiladora das potencialidades do Brasil no plano regional e internacional atingem a autoestima e a confiança do país na relação com Governos, instituições multilaterais e opinião pública internacional. Um outro exemplo deste desastre é a negação da política cultural, a eliminação das instituições de apoio e fomento à cultura e a perda das grandes potencialidades do Brasil neste terreno.

No plano interno as FFAA avançam na ocupação de órgãos públicos, de fiscalização e controle, mudando regras, eliminando instituições e ocupando espaços do poder político civil. A defesa do governo, da política da Ditadura Militar, da tortura e dos torturadores visa legitimar e resgatar os 21 anos do período ditatorial e aplicar uma política autoritária buscando criar uma hegemonia destes valores antidemocráticos.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-FFAA-e-a-democracia/4/50805

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