As ameaças tarifárias de Donald Trump só tornaram a presidenta do México ainda mais popular — seu índice de aprovação agora bateu estratosféricos 85%. Na semana passada, Sheinbaum reuniu uma multidão e detalhou como pretende contra-atacar.
Por: Kurt Hackbarth | Tradução: Caue Seigner Ameni | Crédito Foto: Alfredo Estrella / AFP via Getty Images. A presidenta do México, Claudia Sheinbaum, gesticula durante um comício na praça Zócalo, na Cidade do México, em 9 de março de 2025.
No último domingo, um comício liderado pela presidenta Claudia Sheinbaum encheu a praça central da Cidade do México, o Zócalo. Não foi, no entanto, um evento de partido político, uma comemoração histórica ou um discurso sobre o Estado. Foi um comício de unidade nacional convocado diante das ameaças tarifárias em andamento pelo presidente dos EUA, Donald Trump. “Eu disse que somos um governo do povo… e que sempre que houvesse necessidade de informar ou enfrentar a adversidade, estaríamos juntos”, ela começou. “E, além disso, viemos de um grande movimento popular que foi criado em praças públicas e aqui estamos de volta com vocês.”
A presidenta então continuo detalhando a intenção original do comício: anunciar ações antitarifárias: “felizmente, o diálogo prevaleceu e, especialmente, o respeito entre nossas nações.”
Após uma revisão dos acontecimentos das últimas semanas, Sheinbaum fez um balanço da relação histórica entre o México e os EUA: as invasões de 1846 e 1914, mas também a recusa dos EUA em reconhecer as usurpações de Maximiliano de Habsburgo no século XIX e Victoriano Huerta no início do século XX, bem como a relação respeitosa entre os presidentes Franklin D. Roosevelt e Cárdenas na década de 1930. “A história comum de nossos países é marcada por numerosos episódios de hostilidade, mas também de cooperação e compreensão”, refletiu ela. “Somos nações em circunstâncias iguais; não somos mais, mas também não somos menos.”
Com ameaças tarifárias ainda pairando no ar, ela concluiu com um plano de cinco pontos para enfrentar o período incerto que se avizinha: 1) fortalecer o mercado interno do México, incluindo o aumento do salário mínimo e do bem-estar público; 2) aumentar a autossuficiência em energia e alimentos; 3) promover o investimento público para a criação de empregos, incluindo estradas, obras hidráulicas, um milhão de unidades de habitação pública e duas linhas de trem de longa distância da Cidade do México até a fronteira em Nogales e Nuevo Laredo; 4) aumentar a produção por meio do modelo de planejamento industrial conhecido como “Plano México”. E, finalmente, fortalecer a cesta de programas sociais do país, incluindo três novas iniciativas: reduzir a idade de aposentadoria pública para mulheres de 65 para 60 anos, bolsas de estudo para alunos do ensino fundamental e médio e o programa de extensão de saúde “casa em casa” para idosos.
“As táticas de intimidação de Trump estão facilitando o que antes era impensável: a criação de uma ampla frente popular.”
Não estavam presentes no comício apenas a multidão esperada de simpatizantes do MORENA e sindicatos do setor público, mas também aqueles que tendem a simpatizar com a oposição: governadores e líderes empresariais, incluindo o presidente do poderoso Conselho de Coordenação Empresarial (CCE em espanhol). Além de ajudar a empurrar o índice de aprovação de Sheinbaum para estratosféricos 85%, as táticas de intimidação de Trump estão facilitando o que antes era impensável: a criação de uma ampla frente popular.
Crônica de uma tarifa adiada
Embora não se concentrasse mais em seus fantasmas de “estupradores” e “hombres maus”, a campanha de Trump de 2024 encontrou bastante tempo para preparar o terreno para um conflito com o parceiro comercial número um dos EUA. Além do alarmismo padrão sobre “fronteiras abertas” e “ilegais votando nas eleições”, a campanha também apresentou uma série de novas frases, como “um banho de sangue que está destruindo o país”, “cada Estado é um Estado fronteiriço” e, mais insidiosamente, “os imigrantes estão envenenando o sangue do país”. Enquanto isso, Trump foi autorizado a mentir repetidamente que fabricantes de automóveis chineses como a BYD estão construindo “algumas das maiores fábricas de automóveis do mundo” no México, apesar do fato de que, como a própria Sheinbaum foi rápida em apontar, a maior fábrica da BYD na América fica na Califórnia.
Os ataques dispersos refletem uma confusão no círculo de Trump sobre a justificativa para aplicar tarifas ao México. Imigração? O déficit comercial? Entrada secreta no mercado dos EUA? É uma confusão refletida na justificativa mais ampla para uma dependência tão generalizada de tarifas em geral: como uma prática coercitiva? Gerador de receita? Última tentativa para promover a reindustrialização nacional? Seja qual for o conjunto de razões, Trump tentou agir rapidamente, anunciando em 25 de novembro que as tarifas sobre o México e o Canadá entrariam em vigor no primeiro dia de seu mandato. A presidenta Sheinbaum reagiu prontamente com uma carta pedindo cooperação, alertando que uma tarifa seria correspondida com outra e lembrando o presidente eleito da responsabilidade dos EUA tanto pelo consumo de drogas quanto pelo fluxo de armas para o sul.
O Dia da Posse chegou e não aconteceu nada. Então Trump anunciou que as tarifas entrariam em vigor em 1º de fevereiro. Em sua “papelada de fatos” que acompanhou o anúncio, a Casa Branca alegou que “organizações do tráfico de drogas têm uma aliança intolerável com o México” — precisamente a acusação sem prova propagandeada por publicações da ProPublica ao New York Times em uma tentativa flagrante de interferir na campanha presidencial do México em 2024. Em uma ironia histórica altamente divertida, um dos artigos usados para substanciar sua afirmação se referiu a Genaro García Luna, o ministro da segurança pública no governo conservador de Felipe Calderón: um aliado dos EUA condecorado pela CIA, FBI e DEA antes de ser condenado por conluio com o Cartel de Sinaloa e receber uma sentença de prisão de 38 anos.
Pouco antes da medida entrar em vigor, no entanto, Sheinbaum anunciou em sua coletiva de imprensa matinal que eles haviam chegado a um acordo temporário: o México enviaria 10 mil tropas adicionais da guarda nacional para sua fronteira ao norte do país e os Estados Unidos trabalhariam para reprimir o tráfico de armas. Os dois países também criariam grupos de trabalho sobre segurança e comércio e as tarifas seriam adiadas por um mês. Por uma concessão nominal, a estrategista Sheinbaum, conquistou uma vitória inicial.
“No mesmo período em que Justin Trudeau ou Keir Starmer, Emmanuel Macron e Volodymyr Zelensky viajaram à Casa Branca para serem repreendidos, Sheinbaum permaneceu no México, negociando, governando e se recusando a jogar o jogo de Trump em seus termos.”
Quando a segunda rodada começou em março, a presidenta tinha seus argumentos prontos. Travessias de fronteira e homicídios estavam em baixa. Apreensões de drogas estavam em alta. Laboratórios de metanfetamina estavam sendo desmantelados. O México havia entregue 29 capos de drogas à custódia dos EUA, incluindo super procurado Rafael Caro Quintero, acusado de planejar o assassinato de um agente da DEA em 1985. Mesmo assim, a Casa Branca declarou que iria prosseguir com as tarifas de qualquer maneira, divulgando um comunicado com acusações recicladas que Sheinbaum qualificou como “ofensivas, difamatórias e infundadas”. No domingo seguinte, ela anunciaria uma série de contramedidas tarifárias e não tarifárias em uma assembleia pública no Zócalo. Era hora de voltar as negociações.
Desta vez, Sheinbaum negociou outro adiamento de um mês no Acordo Estados Unidos-México-Canadá pedido pela própria Casa Branca. Com cada atraso, a ameaça do alardeado rolo compressor tarifário está se diluindo cada vez mais.
A arte da negociação assimétrica
Talvez, mais do que qualquer outro país, o corpo diplomático do México tem um longo histórico de lidar com negociações assimétricas com os EUA. Às vezes, isso fez com que a política externa da nação caísse em um grau excessivamente tímido; mas também forneceu uma riqueza de experiência em lidar com situações como a atual.
Adicione a isso as próprias habilidades de Sheinbaum na área. Para uma presidenta que foi criticada no início de sua campanha por ser “pouco carismática” (em grande parte uma tentativa nada sutil de jogá-la contra seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador), ela se tornou, em apenas 6 meses no cargo, um exemplo internacional de como lidar com um Trump volátil e caprichoso. Sua postura e a famosa cabeza fría estrategista diante de ameaças de tarifas e invasões, a classificação de cartéis como organizações terroristas estrangeiras por Trump e uma série de outras barbaridades lhe renderam aplausos de líderes mundiais como Gustavo Petro e Olaf Scholz.
Aprimorando a arte de governar diante da beligerância grosseira, a presidenta caminhou em uma linha tênue entre firmeza e flexibilidade, jogando com Trump algo que ele pode usar para declarar uma “vitória” sem comprometer sua posição em negociações futuras. Isso lhe rendeu repetidos elogios de Trump pessoalmente. No mesmo período em que Justin Trudeau ou Keir Starmer, Emmanuel Macron e Volodymyr Zelensky viajaram à Casa Branca para serem repreendidos, Sheinbaum permaneceu no México, negociando, governando e se recusando a jogar o jogo de Trump em seus termos. E, como se viu, atrasar o anúncio de tarifas recíprocas por alguns dias para permitir espaço para diálogo de última hora e tempo para a organização de um comício público acabou sendo a decisão certa em ambos os casos. É o tipo de pensamento estratégico que Sheinbaum precisará, e tem de sobra, nos próximos dias e semanas.
Publicado originalmente em: https://jacobin.com.br/2025/03/as-ameacas-tarifarias-de-trump-tornaram-claudia-sheinbaum-mais-forte/
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