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A formação da personalidade autoritária

O contexto social e político é decisivo. Mas que características psíquicas levam os indivíduos a ansiar por relações de poder baseadas na força bruta e na opressão? Publicado há 70 anos, estudo clássico de Theodor Adorno tem enorme atualidade

Por Rodrigo Duarte | Imagem: Cleon Peterson,Blood and Soil

O crescimento e a difusão de posições políticas neofascistas e até mesmo a eleição de políticos de extrema-direita – como nos Estados Unidos, Reino Unido, Hungria, Brasil – conclamam as consciências democráticas do mundo todo a não apenas se contrapor politicamente ao fenômeno, mas também compreendê-lo e sobre ele refletir em profundidade. Esse tipo de reflexão sempre teve na Teoria Crítica da Sociedade um esteio importante, a partir da publicação, em 1944, de uma primeira versão da Dialética do esclarecimento, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, para a compreensão em profundidade – e em detalhes – do autoritarismo. Naquele mesmo ano de 1944, uma obra não menos relevante começou a ser gestada, quando Adorno, ainda na condição de exilado nos Estados Unidos, foi chamado a coordenar um grupo de pesquisadores da Universidade de Berkeley com o propósito de realizar uma investigação inédita. O objetivo era identificar, em indivíduos considerados “normais”, elementos psíquicos que predisporiam sua adesão a posições políticas fascistas, não obstante o caráter “liberal” da democracia estadunidense. Essa pesquisa deu origem ao livro A personalidade autoritária, de autoria coletiva, publicado em 1950 e que tem sido considerado, desde então, um clássico da psicologia social. Uma obra que, de modo peculiar no momento presente, é revestida de enorme atualidade.

Embora os resultados da pesquisa tenham apontado para uma situação mais ampla que o preconceito em relação a judeus, o fato gerador da investigação foi um financiamento fornecido pelo Jewish Labor Committee estadunidense, que incluiu vários projetos sobre o assunto e influenciou também na inclusão do capítulo “Elementos do antissemitismo” na Dialética do esclarecimento. Além disso, havia também o “Projeto sobre o antissemitismo”, iniciado por Adorno e Horkheimer em 1941.  Tratava-se de um trabalho essencialmente teórico, embora retomasse a pesquisa empírica iniciada ainda na Alemanha e intitulada Estudos sobre autoridade e família. Ambas as investigações – considerando-se também o referido capítulo da Dialética do esclarecimento – serviram de ponto de partida para a contribuição de Adorno em A personalidade autoritária, como fica patente na declaração dos próprios autores da pesquisa de que o “antissemitismo foi o ponto de partida para a investigação sobre o caráter autoritário”.

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Em A personalidade autoritária, destaca-se um ponto de vista ético-político — não escamoteado em prol de uma suposta “neutralidade” científica — no qual os autores contemplam a possibilidade de explicitar os pressupostos psicológicos para o desenvolvimento de uma racionalidade mais substantiva, superior à instrumental que ainda hoje predomina de forma quase absoluta. Vale observar que um importante pressuposto teórico da pesquisa é de que o fascismo, embora seja um fenômeno de massas, tem sua gênese numa predisposição psicológica dos indivíduos, na medida em que “um caráter maduro aproximar-se-ia mais de um sistema de pensamento racional do que um imaturo. […] Nisso baseia-se a convicção de que à busca pelos determinantes psicológicos da ideologia subjaz a esperança de que as pessoas possam se tornar mais racionais”. Levando em consideração a irracionalidade congenial às ideologias totalitárias, a esperança dos autores poderia ser igualmente determinante na consolidação de uma democracia mais plena.

Entre os pressupostos da pesquisa empírica – que incluía preenchimento de questionários, fornecimento de dados, respostas discursivas a questões projetivas, entrevista ideológica, entrevista clínica e Teste de Apercepção Temática – estava a ideia de que as pessoas que demonstram susceptibilidade extrema para a propaganda fascista têm muito em comum, enquanto as que a rejeitam enfaticamente diferem muito entre si. Além disso, os autores do estudo externam a convicção de que “o antissemitismo, mais do que em propriedades reais dos judeus, repousa em fatores subjetivos da situação geral do antissemita”.

Vale ressaltar que o papel determinante ou não da propaganda antidemocrática no posicionamento político das pessoas depende fortemente da atuação de poderosas comunidades de interesse econômico. Não por acaso, a escala F (de fascismo) de medição de tendências autoritárias, obtida com base em um dos quatro tipos de questionário aplicados, foi estabelecida por Adorno diretamente vinculada à influência da indústria cultural sobre os indivíduos. A consideração desse fato pode explicar, aliás, por que “nesses casos o indivíduo parece não apenas ignorar seus interesses, mas até mesmo agir contra eles; parece identificar-se com um grupo maior, como se indagações menos racionais dos próprios interesses determinassem seu ponto de vista”.

 O impacto determinante da indústria cultural no psiquismo dos indivíduos tem a ver com o fato de que o fascismo – diferentemente de outros regimes ditatoriais –, necessita de uma base de massa para ter sucesso como movimento político, o que significa que ele deve assegurar uma cooperação ativa, e não apenas uma submissão medrosa de amplos setores da população envolvida. Esse impacto ocorre porque a ideologia fascista veiculada pelos meios de massa corresponde à estrutura de caráter dos indivíduos integrantes dos mencionados setores, uma vez que “antigas expectativas, nostalgias, medos e inquietações tornam as pessoas receptivas a certas convicções e resistentes a outras”.

As características psicológicas que, de acordo com os autores, permitem aferir o grau de antissemitismo latente nos sujeitos da pesquisa foram: a) “convencionalismo”, ou seja, a fixação em valores aceitos de forma convencional e acrítica; b) “submissibilidade autoritária”, a qual designa a submissão completa e acrítica a um líder; c) “agressão autoritária”, que é a tendência do autoritário a punir pessoas consideradas outsiders; d) “anti-intracepção”, que significa uma reação extremada contra tudo o que é subjetivo ou imaginativo; e) “superstição e estereotipia”, que indica a crença na determinação mística do próprio destino; f) “pensamento de poder”, que designa a identificação completa com formas de poder; g) “destrutividade e cinismo”, que corresponde à hostilidade generalizada e gratuita; h) “projetividade”, a qual aponta para a projeção de pulsões sobre o exterior; i) “sexualidade”, que consiste na exacerbação no trato com processos sexuais.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/direita-assanhada/a-formacao-da-personalidade-autoritaria/

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