Breve roteiro para conhecer três visões teóricas contemporâneas, que se opõem ao inferno neoliberal com pontos de vista externos ao marxismo: Ciência da Complexidade, estudo das culturas matrísticas e crítica à política do patriarcado
Por Antônio Salles Rios Neto | Imagem: Fernand Léger, O Grande Desfile do Circo (1954)
Diante da possibilidade de um futuro tão distópico, a sensatez recomenda não esperar para ver o que resultará da supremacia do novo capitalismo de algoritmos
“se é para existir a verdade sobre o mundo, ela deverá ser não-humana” (Joseph Brodsky)
Em uma de suas últimas entrevistas, o renomado sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman assim sintetizou o drama que aflige a humanidade nestes tempos demasiadamente líquidos: “O futuro (outrora a aposta segura para o investimento de esperanças) tem cada vez mais sabor de perigos indescritíveis (e recônditos!). Então, a esperança, enlutada, e desprovida de futuro, procura abrigo num passado outrora ridicularizado e condenado, morada de equívocos e superstições. Com as opções disponíveis entre ofertas de Tempo desacreditadas, cada qual carregando sua parte de horror, o fenômeno da ‘fadiga da imaginação’, a exaustão de opções, emerge. A aproximação do fim dos tempos pode ser ilógica, mas por certo não é inesperada.”
Bauman aponta, nestas poucas linhas, os grandes dilemas da encruzilhada civilizatória que marca a contemporaneidade. Enquanto um futuro sombrio nos espera, nos apegamos inutilmente ao resgate nostálgico dos mitos (o progresso talvez seja o maior deles) e de experiências fracassadas no passado, o que reflete o vazio criativo, notadamente na política, para lidar com as realidades emergentes.
Entre muitos críticos do nosso sistema-mundo parece haver um consenso de que a crise civilizatória que vem se arrastando e se amplificando nas últimas décadas está associada, em grande medida, a dois principais fatores. O primeiro diz respeito ao fenômeno crescente do declínio dos regimes democráticos, como consequência do projeto de supremacia capitalista (“fim da história” – “there is no alternative”), por meio da doutrina neoliberal instalada a partir dos anos 1970, que ultrapassou as fronteiras e ideologias de Estado. Esta hegemonia neoliberal é resultado do esforço levado a cabo por um punhado de corporações transnacionais, que, em simbiose com a revolução tecnológica, globalizou, financeirizou e virtualizou o capital e vem impondo, gradualmente, o padrão mercadológico de sociabilidade em praticamente todos os recantos do globo. Os efeitos mais nefastos deste fenômeno são a crescente degradação dos espaços políticos e, por consequência, o desmoronamento gradual dos Estados-nações, hoje sequestrados pelas forças de mercado por meio de expedientes como endividamento público, influência econômica nas campanhas políticas, lobbies empresariais, controle da informação, captura de processos decisórios governamentais, dentre outros.
O segundo fator, de longe bem mais destrutivo do que o primeiro, está relacionado às mudanças climáticas decorrentes da ação antrópica, refletida na relação extrativista e predatória do capital com a natureza. A maior evidência da incongruência do sistema de reprodução capitalista está na superpopulação que sobrecarregou o planeta. No início deste século, o notável ambientalista britânico James Lovelock já nos alertava, dizendo que “chegou a hora de planejarmos uma retirada da posição insustentável que agora atingimos pelo emprego inadequado da tecnologia. Melhor recuar agora, quando ainda dispomos de energia e tempo. Como Napoleão em Moscou, temos bocas demais para alimentar e recursos que diminuem diariamente enquanto não nos decidimos.” Segundo ele, a Terra padece de uma praga disseminada de gente. Nessa perspectiva, somos um organismo patogênico, pois não há como manter 7,8 bilhões de seres humanos (estimativa atual, segundo a ONU) sem que haja uma devastação dos ecossistemas da Terra.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/as-complexidades-nos-salvarao-da-distopia/
Comente aqui