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Eleições no Peru: os distintos significados de mudança

A poucas semanas do pleito, país se divide em 23 candidaturas e um sentimento quase uníssono por rompimento de décadas de neoliberalismo e crise. Tudo indica que será uma “eleição plebiscitária”. Virada progressista parece muito possível

Por Rebeca Ávila

Se a América Latina vivesse a política com o gostinho de show business dos estadunidenses, o dia 11 de abril se chamaria Super Domingo. Isso porque os olhos do mundo estão voltados para o segundo turno equatoriano entre dois paradigmas enfrentados durante duas décadas: o neoliberalismo do banqueiro Lasso e o progressismo internacionalista de Andrés Arauz. Na mesma jornada, o Chile elegerá aqueles e aquelas que farão (ou não) o país deixar atrás o mais vivo símbolo da sua época mais sombria: a Constituição pinochetista. Finalmente, a votação no Peru é – a priori – a que gera menos certezas, mas ao mesmo tempo é a que pode causar um maior impacto na correlação de forças a favor de uma virada progressista na região.

O Peru atravessa uma profunda crise institucional que data de vários anos. A ditadura de Alberto Fujimori foi sucedida por governos que se caracterizaram, de maneira transversal, por dois pontos: todos apoiaram um modelo econômico neoliberal e absolutamente todos foram marcados por grandes casos de corrupção. Toledo, Humala, Alan García, o partido PPK e até o próprio ex-presidente Martín Vizcarra, recentemente afetado pelo escândalo da VacinaGate. O país andino ostenta por direito próprio o pódio de ex-presidentes recentemente presos ou fugidos da Justiça. Pela direita ou pelo centro, com discursos populistas ou liberais, os últimos trinta anos do Peru se caracterizaram por um crescimento econômico sem redistribuição e a consequente crise de representação política.

O descontentamento acumulado faz desta eleição um momento chave para a história peruana, que celebra no dia 28 de julho o bicentenário da sua independência. Os peruanos ainda não decidiram seu voto para 11 de abril, mas sabem o que não querem: continuar como estão até agora. Essa é a razão pela qual, até o momento, nenhum candidato chega a 12% de votos. As adesões não transcendem eleitorados de nicho ou máquinas partidárias.

Porém, percebe-se no ambiente que o que está por vir é uma eleição plebiscitária. Em dezembro de 2020, uma pesquisa do Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG) mostrou que 67% dos peruanos acreditavam que a crise política poderia ser resolvida com uma nova Constituição; 42% declararam contundentemente querer uma nova Constituição, e apenas 7,7% estavam inclinados a manter a Constituição de Fujimori intacta.

Tudo indica que os peruanos querem votar por um rompimento na sua história. Não precisam de um novo presidente ou presidenta, mas de um novo contrato social. Na ausência dessa oferta transcendental e definidora, o eleitorado se instala na desesperança em relação às eleições e no escepticismo em relação aos líderes. A abulia “empata” todas as candidaturas e empurra a maioria dos votos para a abstenção ou indefinição.

No entanto, a pouco mais de um mês para as eleições, o cenário começa a lançar algumas pistas sobre a disputa com 23 candidatos presidenciais: a última pesquisa do IEP, publicada no domingo passado, mostra que a intenção de voto está encabeçada por Yonhy Lescano (11,3%), seguido de perto por Verónika Mendoza (8,9%), que – embora ainda falte muito tempo – iriam para o segundo turno. São precisamente os dois candidatos mais rupturistas, os dois que mais têm trabalhado com a ideia de uma mudança constitucional.

Um pouco atrás, está o ex-goleiro do time de futebol Alianza Lima, George Forsyth, e Keiko Fujimori, a filha de Alberto, que tenta a presidência pela terceira vez, após duas derrotas nas urnas em 2011 e 2016.

Há um estreitamento evidente das opções centristas a favor de propostas mais radicais (aquelas que vão à raiz dos problemas). Por um lado, o binômio Lescano/Mendoza à esquerda, por outro, Keiko e a surpreendente ascensão de López Aliaga como expressão do fortalecimento de uma opção de direita. O que esses polos têm em comum? Um discurso desafiador da realidade atual do país, um voto de rechaço ao status quo. No meio (não no centro) e perdendo lugar, estão tanto George Forsyth como Julio Guzmán, representantes de uma centro-direita liberal mais associada à continuidade do que à mudança.

Lescano, o mais bem posicionado em um cenário de baixíssimas adesões, é um advogado de Puno, deputado nacional durante os últimos 18 anos. Embora o seu partido, Acción Popular (AP), seja o mesmo do ex-presidente Merino (que se manteve no cargo por apenas alguns dias, saindo após uma massiva mobilização popular), Lescano conseguiu se impor nas eleições internas e liderou uma virada discursiva para se distanciar do setor mais conservador do AP. Aos 62 anos, se apresenta como um caudilho conservador de centro-esquerda que consegue amalgamar reivindicações populares, como a nova Constituição ou a nacionalização de setores estratégicos, com uma marcada oposição à agenda de gênero. Ao mesmo tempo, seu histórico partido lhe oferece um ponto de partida sólida e a ideia de um governo que pode atrair um eleitorado em busca do “mal menor”.

No último mês, Lescano tem crescido nas pesquisas e conseguido se posicionar como primeira opção em um país que ainda tem altíssimos níveis de indefinição de voto – 31% dos peruanos ainda estão indecisos. Apesar do alvoroço inicial, o primeiro lugar nas pesquisas não é garantia de nada: desde 2006 até agora, todos os candidatos que lideraram as pesquisas acabaram derrotados. Há, porém, uma realidade: Lescano conseguiu o objetivo complexo de construir uma retórica anti-sistema a partir de um partido político tradicional, com posições mais moderadas que Verónica Mendoza, mas com uma agenda de mudanças.

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