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Há 190 anos, o primeiro Código Penal do Brasil fixava punições distintas para livres e escravos

Apesar da falta de igualdade de todos perante a lei, o Código Criminal do Império foi considerado tão vanguardista que serviria de molde até para nações europeias, como a Espanha e Portugal

Ricardo Westin

O primeiro código penal do Brasil independente, elaborado em 1830, época de D. Pedro I, fazia distinção entre os escravizados negros e os cidadãos livres na hora de ditar parte das punições, ainda que os crimes cometidos fossem os mesmos. Não havia a plena isonomia, isto é, a igualdade de todos perante a lei.

No próximo dia 16, a criação do Código Criminal do Império completará 190 anos. Ao longo das seis décadas seguintes, até a Proclamação da República, foi essa lei que buscou moldar o comportamento dos brasileiros na vida em sociedade.

O Código Criminal permitia que os juízes sentenciassem os cidadãos livres a uma dezena de penas diferentes, a depender do crime: morte na forca, galés (trabalhos públicos forçados, com os indivíduos acorrentados uns aos outros), prisão com ou sem trabalho, banimento (expulsão definitiva do Brasil), degredo (mudança para cidade determinada na sentença), desterro (expulsão da cidade onde se deu o crime), suspensão ou demissão de emprego público e pagamento de multa. A prisão podia ser perpétua ou temporária, assim como as galés, o degredo e o desterro.

Dessa extensa lista de penas aplicáveis aos cidadãos livres, sobre os escravizados só recaíam as duas mais terríveis: morte e galés. Caso recebessem do tribunal uma sentença mais branda, como prisão ou multa, o Código Criminal de 1830 ordenava a sua conversão automática em açoites —pena proibida para os livres. Assim, havia apenas três castigos legais possíveis para os escravizados.

A punição não podia exceder 50 chicotadas diárias. Caso o juiz fixasse um total de 200 açoites, por exemplo, a pena teria que ser fracionada em pelo menos quatro dias. Uma vez castigados pelas autoridades, os escravizados de origem africana eram devolvidos aos seus senhores e ainda tinham que passar uma temporada acorrentados.

Escravizados e livres condenados pela Justiça do Império.
Escravizados e livres condenados pela Justiça do Império.BIBLIOTECA NACIONAL/BRASILIANA FOTOGRÁFICA / AGÊNCIA SENADO

As chibatas eram aplicadas pelo poder público apesar de a Constituição do Império ditar expressamente que no território nacional estavam “abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis”.

Antes de ser assinado por D. Pedro I e entrar em vigor, o Código Criminal foi discutido, modificado e aprovado pelo Parlamento. Documentos da época guardados hoje nos Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, mostram que a existência da escravidão no Brasil foi um ponto insistentemente lembrado pelos parlamentares, em especial quando debateram a necessidade de o Brasil ter ou não a pena de morte.

O deputado Francisco de Paula Sousa (SP) discursou a favor da forca:

— O sistema de escravidão no Brasil é certamente péssimo. Porém, havendo entre nós muitos escravos, são precisas leis fortes, terríveis, para conter essa gente bárbara. Quem duvida que, tendo o Brasil 3 milhões de gente livre, incluídos ambos os sexos e todas as idades, esse número não chegue para arrostar [enfrentar] 2 milhões de escravos, todos ou quase todos capazes de pegar em armas? O que, senão o terror da morte, fará conter essa gente imoral nos seus limites?

Para Sousa, a mera prisão não seria uma punição pesada o suficiente para os escravizados:

— Excluindo-se do código a pena de morte e as galés, resta a prisão. Ora, o escravo que vive vergado sob o peso dos trabalhos terá porventura horror a encerrar-se em uma prisão, onde poderá entregar-se à ociosidade e à embriaguez, paixões favoritas dos escravos? Ele julgará antes um prêmio que o incitará ao crime. Citarei um exemplo mui frisante. Na Filadélfia no tempo do inverno, a gente desarranjada cometia pequenos crimes para ser recolhida à casa de correção. Foi necessário tornar a prisão mais incômoda, acrescentando-lhe trabalhos pesados.

Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-07/ha-190-anos-o-primeiro-codigo-penal-do-brasil-fixava-punicoes-distintas-para-livres-e-escravos.html

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