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Pegadas: uma escola indígena e feminista

Em 2004, nas ancestrais terras mapuches do Chile, surgiu experiência instigante para uma educação libertária — e trocas de experiências, histórias e pedagogias latino-americanistas. Conheça a Escola de Formação Popular de Mulheres .

Por Roberta Traspadini

1. O contexto da Escola de Formação Latino-Americana de Mulheres (CLOC)

Por Roberta Traspadini, na coluna Diálogos Pedagógicos

Em novembro de 2004 ocorreu, no Chile, a Escola de Formação Latino-Americana para Mulheres, organizada pela Coordenadora Latino-Americana de Organizações Camponesas (CLOC)1.

A CLOC foi criada em 1994, quando se reuniram no Peru, mais de 300 delegados/as de 85 organizações camponesas e indígenas da América Latina e o Caribe. Na construção da unidade e da integração latino-americana, cabe destacar o papel protagonista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil. O MST sempre teve como premissa que a luta pela terra e a luta pela conhecimento rompiam juntas muitas cercas.

Nesta 1ª Escola de Formação Coletiva, participaram mais de 70 mulheres de distintas organizações e regiões do continente. A entidade anfitriã foi a ANAMURI (Associação Nacional de Mulheres Indígenas)2.

Ao longo de duas semanas, estas mulheres, juntamente com os educadores e educadoras da América Latina — que fomos convidados/as para atuar com temas específicos –, estudaram, conviveram, socializaram experiências e histórias, trocaram sementes.

Um destaque importante: na mesma semana da Escola de Formação, ocorriam, em Santiago, manifestações públicas contra a implementação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Vivenciar, nas ruas, com milhões de chilenos e chilenas, tanto o canto do hino da Unidade Popular — (Porque dessa vez não se trata de trocar o Presidente, será o povo que construirá um Chile bem diferente) – como o grito uníssono, El Pueblo unido jamás será vencido!, foi emocionante.

Nas ruas, vivenciamos um aproximação real à história sanguinária chilena dos anos 1970. O golpe e a chacina em Chile contra o Governo Popular de Salvador Allende e seus defensores, apresentava-se vivo nos dizeres contestatários à ordem vigente3. Foram muitas aprendizagens em poucas horas.

O século XXI foi de recrudescimento do capital contra os povos, as terras e os trabalhadores. Na chancela dos Estados Nacionais Dependentes Latino-Americanos, intensificou-se a expropriação em nome do capital financeiro internacional. Abria-se assim alas ao direito monopolista de espoliação sobre as, até então, autônomas, terras indígenas. A ordem era/é expulsar para manter o progresso. Na lei, ou na bala, o extrativismo do agronegócio confirma/va, na economia neoliberal chilena, o que toda América Latina vivenciaria/á no século XXI como regra: a expansão da fronteira agrícola.

Na lógica hedionda do Estado do capital contra os povos, em economias capitalistas dependentes subjugadas ao imperialismo, o direito apresenta seus códigos, cuja ética penal é a da morte em vida para a maioria. Na tutela do Estado, o capital avança na execução de duas cartilhas: 1) econômica do Consenso de Washington, desde 1989. 2) política, com a produção de leis “antiterroristas” e “acordos de paz”.

À luz do legalismo prisional, os povos indígenas, negros e camponeses, somados aos trabalhadores superexplorados, vivendo em condições cada vez mais desumanas nas periferias das cidades, passam a ser perseguidos políticos, taxados como inimigos principais do Estado. Alia-se a isto, o papel da grande mídia do capital em propagar de forma massiva como criminosas, as lutas de resistências como um perigo à sociedade, um freio ao progresso.

A Escola de Mulheres4

A Escola ocorreu em Villarrica uma região de luta Mapuche (mapu = terra; che = pessoa).5 Além da geografia física diferenciada, aberta pelo vulcão e lago com o mesmo nome (Villarrica), a construção indígena da territorialidade, demarcada pela história das resistências, fez dessa escola um marco central de múltiplas formações para além dos estudos.

A visita aos presos políticos Mapuches (gente da terra), foi um dos momentos de exercer a solidariedade latina. No país estandarte das políticas neoliberais dos 1970, sob a tirania de Pinochet, o Estado assume, ao longo dos séculos XX e XXI, a coerção direta contra a nação Mapuche, imprimindo a tirania e a prisão sobre sua gente e seus modos de vida.6

Os Mapuches nos ensinam que sua concepção de terra, de natureza e de gente, não está demarcada pela fronteira mercantil dos negócios, ou na trava do mundo das mercadorias. Contra isto estes povos historicamente se levantam e o alto preço que pagam é o da tortura, da criminalização, da prisão e do linchamento social. Por dizerem não à mercantilização da vida, pagam, por todos nós, o preço do progresso na coerção sobre seus corpos e terras.

Na CLOC e na Via Campesina, a formação, desde o início, esteve vinculada a dois princípios: 1) a solidariedade; 2) o internacionalismo. Ambos, marcas definidoras das escolas de formação em unidade, que após este ano, não deixarão mais de ser realizadas em várias modalidades: Cono Sur; Escuela Latino-americana para dirigentes (ENFF); Escuela Latino-americana de militantes (ENFF); Escuela Egidio Brunetto, entre outras. Nestes espaços, a teoria e a prática se fundem em uma unidade dialética, cuja harmonia depende da subversão à ordem excludente e opressora. Promovem encontros em uma sociedade que insiste em aniquilá-los. Subvertem a ordem com resistência colorida no tom da Wiphala7.

Na formação dos Movimentos Sociais (MS) do campo, os tempos são divididos em: tempo de estudar, tempo de trocas culturais; tempo de organicidade; tempo de trabalhos e cuidados; tempo de místicas, tempo de reconhecimento das experiências de luta dos territórios. Juntos, estes tempos compõem a tessitura da educação popular presente nas escolas latino-americanas dos MS do campo, seja na CLOC ou na Via Campesina. A consigna Freiriana aprender a aprender torna-se pulsante.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/pegadas-uma-escola-indigena-e-feminista/

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