A pandemia me fez refletir sobre como há estudantes que têm afinidade acadêmica e amam ler, assistir a palestras e passar horas estudando teorias, enquanto outros, como eu, preferem a prática e conexões com o mundo real.
Por: Vinícius De Andrade |Crédito Foto: Marcelo Casal Jr./ Agencia Brasil. “Peço que professores universitários busquem formas, por mais desafiador que seja, de fazer os conteúdos que lecionam parecerem coesos com o mundo real, e não o contrário”
Há pouco mais de dois anos, em meados de março de 2020, vivi o que seria apenas mais um dia comum na universidade: assisti a minhas aulas e fui embora. Mal sabia eu, mas levaria mais de dois anos para pisar novamente na USP e viver outro belo dia comum como esse. Meu retorno ocorreu há cerca de um mês, no dia 21 de março deste ano, e devo dizer que foi estranho. Foi uma mistura de dois sentimentos conflitantes e que causam mais confusão do que parece: a sensação de que os dois anos online nunca existiram e, ao mesmo tempo, a de que o modelo presencial nunca tinha sido vivido por mim.
Confesso que o dia do retorno foi especialmente difícil. Andando pela faculdade, eu não parava de me sentir culpado por não ter me formado durante a pandemia, pois deveria ter sido uma estratégia pessoal utilizar o ensino remoto para otimizar meu rendimento. Afinal, já não precisava mais gastar horas de transporte público com o deslocamento, estava em casa, e não havia razões para não estudar e ser um estudante mais exemplar do que nunca.
Na prática, não foi o que aconteceu. No meio do primeiro semestre de 2020, durante a transição de modelos de ensino, eu ainda não tinha notebook. Wifi eu tinha e poderia sim ter estudado pelo celular, mantido o rendimento e ter sido aprovado em todas as disciplinas, mas a verdade é que não tive a energia e, honestamente, não fiz muita questão.
Já me culpei por isso, mas como eu poderia focar nas aulas e ignorar tudo o que estava acontecendo? Acredito que quando estamos dentro da situação fica difícil entender o contexto com a complexidade ou seriedade que merece, mas vivemos uma pandemia, algo que antes só conhecíamos pelos livros de história.
Conexão com o mundo real
A USP se orgulha muito de seu tripé: pesquisa, ensino e extensão. Acho incrível a premissa, mas a verdade é que, pensando na capacidade da universidade e no investimento que recebe, a extensão ainda não é trabalhada com o máximo potencial.
Sinto sinceramente que podemos fazer muito mais pela sociedade, esta que mesmo sem saber ajuda a manter a universidade por meio dos impostos que tanto pagam. Esta que ajuda a pagar as pesquisas que nunca nem irá conseguir compreender, pois utilizam linguagens que muitas vezes não têm como objetivo maior a difusão da informação, mas sim o enaltecimento do ego de quem escreveu.
Sinto também que a extensão é, em muitos níveis, subestimada em detrimento dos dois outros pilares. Me considero uma pessoa pragmática. Amo trabalhar, colocar ideias em ação, ver os resultados e aprender com os erros. Sei que a teoria é necessária, mas entendo que podemos avançar e entender que há diferentes formas de aprender.
Há estudantes que têm afinidade acadêmica e amam ler livros, assistir a palestras e passar horas estudando teorias. Outros, como eu, preferem mais prática e conexões com o mundo real. Perdoem minha autoconfiança, mas sei que sou um importante ativo para a universidade devido a todo o trabalho que faço com o programa
Salvaguarda – que saiu do mundo das ideias e chegou a todos os estados do país –, mas o modelo da universidade não me faz sentir assim.
Responsabilidade dos professores
Já ouvi muitas vezes que a maioria dos docentes universitários não gosta de dar aula, mas que são “obrigados” por serem contratados pela universidade. Não seria possível, portanto, só fazer pesquisa. Confesso que não sei se é verdade essa teoria de que a maioria não gosta de dar aula, mas sei que muitos não têm didática e ainda insistem em aulas excessivamente conteudistas e com uma quantidade de informação maior do que somos humanamente capazes de absorver.
Não estou dizendo que há um grupo de professores que conscientemente se reúnem para planejar lecionar aulas que já não funcionam mais e que fazem seus estudantes se sentirem não capazes de ocupar a vaga conquistada. Sei que a intenção costuma ser boa e que eles tentam sim fazer um bom trabalho, mas noto que há falta de tato. Além disso, as universidades deveriam investir fortemente na formação didática de seu quadro de professores, envolvendo as áreas de pedagogia e psicologia. Essa formação contínua deveria ser obrigatória.
Desejo que os professores universitários que estejam lendo este texto tentem sempre se autoavaliar e colher feedback de seus alunos. Que tentem levar em consideração as diferentes realidades de seus estudantes e que se permitam reavaliar a régua que utilizam para julgar um bom aluno. Sei e concordo com o fato de que a universidade já não é mais o ensino médio, que somos adultos e que é necessário que sejamos ativos no processo de aprendizagem. Mas peço, por favor, que essa expectativa do estudante ativo não os limite de assumir as responsabilidades que vêm no pacote de ser um professor – que significam ter didática, sensibilidade, empatia e encontrar formas, por mais desafiador que seja, de fazer os conteúdos que lecionam parecerem coesos com o mundo real, e não o contrário.
__
Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1
Comente aqui