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Argentina: começa a dura disputa pela Presidência

Eleição será em outubro, mas prévias decisivas ocorrem em cinco meses. Num país polarizado, principais pré-candidatos — do peronismo e da direita — têm alta rejeição. Quem são. Como atua a ultradireita. De que forma a situação pode evoluir.

Por: Fernanda Paixão. Multidão reúne-se na Praça de Mayo para solidarizar-se com Cristina Kirchner em 2022, um dia depois de a vice-presidente sofrer atentado. Pesquisas revelam que a pré-candidata peronista é, hoje, quem tem maior índice de apoios — mas, ao mesmo tempo, uma das mais rejeitadas

Março chegou oficializando o ano de eleição na Argentina. Apesar das muitas indefinições sobre os candidatos e os rachas nas coalizões, alguns movimentos no tabuleiro político já marcam o início da disputa eleitoral. Em outubro deste ano, o país irá eleger candidatos para os cargos de presidente, governadores e legisladores.

As decisões agora giram em torno das listas de candidatos que cada coalizão irá apresentar para a eleição primária, conhecida no país pela sigla PASO (Eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). Segundo a lei, esta etapa está prevista para o dia 13 de agosto, segundo domingo do mês.

Na Argentina, a eleição primária é realizada por meio da participação popular e define os partidos que, obtendo pelo menos 1,5% dos votos válidos, irão à eleição geral. As PASO também determina a lista de candidatos que será apresentada por cada agrupamento de partidos políticos, com as chamadas internas abertas – quando uma mesma coalizão apresenta mais de uma chapa para os cargos em disputa.

As principais forças que se lançam à corrida eleitoral argentina são, atualmente, a coalizão peronista Frente de Todos (FdT), a cargo do governo cujo mandato se encerra em dezembro; e a coalizão Juntos por el Cambio (JxC) – “Juntos pela Mudança”, em tradução livre –, que concentra partidos de direita e centro-direita. Foi nesta coalizão que Mauricio Macri chegou à presidência em 2015, consolidando sua base eleitoral e inaugurando, assim, uma fase neoliberal da qual o país ainda não conseguiu sair.

E, por diferentes motivos, são coalizões que vêm arrastando desavenças internas e ainda não possuem consenso em torno de um candidato para a presidência.

“A situação está bastante espelhada; elas têm os mesmos problemas e compartilham o mesmo ponto forte”, observa a analista política María Esperanza Casullo, autora do livro ¿Por qué funciona el populismo?. “As figuras políticas de ambas as coalizões possuem uma apreciação social muito baixa. Estamos em um momento em que a sociedade tem uma opinião negativa sobre as pessoas que se dedicam à política. Mas [as coalizões] compartilham o mesmo ponto forte: continuam sendo as forças que estruturam a política argentina.”

Uma possível eleição sem Cristina

Se o Juntos por el Cambio já conta com uma pré-candidatura de peso lançada para as PASO, com a postulação de Horacio Rodríguez Larreta, chefe de governo da cidade de Buenos Aires, do lado da FdT isso ainda é uma grande incógnita. A coalizão tem mantido debates, no que costumam chamar de “mesa política”, sobre as possibilidades de candidatura.

O desafio da coalizão governista está em definir um candidato alternativo à preferida dos eleitores e líder peronista, a atual vice-presidenta Cristina Kirchner. Não tem sido uma alternativa óbvia, já que Kirchner desponta nas pesquisas como favorita entre todos – isso ocorre apesar de manter uma alta imagem negativa, alimentada constantemente pela mídia hegemônica do país. Circulam para o pleito também os nomes dos ministros da Economia, Sergio Massa, uma figura de centro que já foi próximo de Macri, e o ministro do Interior, Eduardo Wado de Pedro, da ala kirchnerista, menos conhecido em nível nacional.

Outra novidade que estas prévias eleitorais trazem para o campo peronista é o fato de o presidente de primeiro mandato não ser o candidato automático. Tampouco é surpreendente: após os conflitos e distâncias com a ala kirchnerista da coalizão, arquitetada e lançada pela própria Cristina Kirchner, o presidente Alberto Fernández teve dificuldades na articulação política e surge hoje como uma figura isolada em seu próprio espaço.

Em seus três anos de governo, acumulou grande desgaste. Em uma pesquisa da Zuban Córdoba y Asociados, lançada na última semana de janeiro, Fernández é o possível candidato que reúne a maior porcentagem de “nunca votaria”, com 80,7%, contra 5% de “com certeza votaria”. Uma significativa distância em relação à segunda maior rejeição no ranking: Mauricio Macri, com 68,4% – e 5,4% de votos seguros.

Pesquisa de probabilidade de voto a possíveis candidatos da FdT. / Zuban Córdoba y Asociados

No dia 1º de março, no último discurso de abertura do ano legislativo do mandato de Fernández, cartazes nos arredores do Congresso sugeriam um “Alberto 2023″, mas sem a presença das militâncias nas ruas. “Poucas pessoas dentro do peronismo imaginam ou inclusive desejam que Alberto Fernández seja o candidato natural à reeleição”, enfatiza Caruso. O presidente disse recentemente em uma entrevista que deseja que “a Frente de Todos vença as eleições, não importa quem seja o candidato”.

Em bora a vice-presidenta Cristina Kirchner seja alvo de um processo judicial carregado de irregularidades – também superexplorado pela mídia –, a imagem negativa de Fernández supera a de Kirchner, como destaca o cientista social Julio Dario Burdman, diretor da consultoria Observatorio Electoral.

“Mas ela enfrenta o problema de não conseguir ampliar muito mais sua base de sustentação com seus seguidores”, diz Burdman. “Ela tem uma imagem negativa alta e isso torna-se um problema em um cenário de segundo turno ou para enfrentar um candidato opositor que tenha as condições de reunir apoio.”

Segundo a mesma pesquisa citada anteriormente, Cristina Kirchner concentra 18,6% de votos seguros, marca que supera a de todos os outros possíveis candidatos.

Como pontapé, duas figuras da FdT já anunciaram sua disposição para disputar as PASO. Foi o caso de Juan Grabois, do partido Patria Grande e líder do Movimiento de Trabajadores Excluidos (MTE) – que ameaçou deixar a coalizão com fortes críticas à gestão dos planos sociais de Fernández e hoje mantém distância política com o presidente. O atual embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, também apresentou a sua pré-candidatura. Ele disputou em 2015 como candidato apoiado por Cristina Kirchner, finalmente derrotado por Macri.

Cristina Kirchner declarou que não irá participar da disputa eleitoral deste ano após receber a condenação de 6 anos de prisão e inabilitação política. Judicialmente, não há impedimento para que a atual vice-presidenta se postule para a eleição deste ano, já que ainda há várias instâncias que o processo deve passar para que a sentença seja firme. No dia 9 de março, o Tribunal Oral Federal 2 divulgará os fundamentos da sentença anunciada em dezembro. A partir desta data, a defesa poderá apelar à Câmara Federal de Cassação Penal.

Os pedaços de Juntos por el Cambio

Em um distanciamento de longa data, Horacio Rodríguez Larreta e Mauricio Macri surgem como nomes fortes de trajetória dentro da coalizão JxC e do mesmo partido, Proposta Republicana (PRO). Se bem Macri disse que não se apresentará para as eleições prévias de agosto, ainda é uma possibilidade em jogo. Em outubro do ano passado, o ex-presidente lançou seu segundo livro, Para qué, em tom de busca de um novo mandato, após sua primeira publicação de sugestivo título “Primero tiempo”.

Pesquisa de probabilidade de voto a possíveis candidatos do JxC. / Zuban Córdoba y Asociados

Neste contexto, a ex-ministra de Segurança de Macri, Patricia Bullrich, entra em disputa. Impulsora de narrativas anti-mapuche e de discursos belicistas constantes, a possível candidata lidera a ala mais reacionária da coalizão centro-direitista. “Bullrich é um incômodo para Larreta; em um primeiro turno, poderia ganhá-lo”, afirma Burdman.

Se hoje esse cenário torna-se factível, é graças a um movimento radical no tabuleiro, com a chegada do ultra-direitista Javier Milei, da coalizão La Libertad Avanza e atual deputado federal, eleito em 2021. “Apesar de não ser visto como um candidato real à presidência, aparece bastante consolidado nas pesquisas em terceiro lugar, inclusive em segundo, em algumas províncias”, analisa Caruso. “Se esse desânimo e essa desconfiança social com os candidatos mais instalados continuar, é possível que Milei possa entrar mais a sério na discussão presidencial.”

Portanto, há uma radicalização no discurso das direitas mais tradicionais pela possível perda de votos para as “novas direitas”, especialmente entre os jovens. Larreta, no entanto, preferiu apostar pela moderação. Nessa seara do discurso pacifista, o partido Unión Cívica Radical (UCR) pode também lançar um pré-candidato para as internas do JxC. Nesse sentido, Facundo Manes, um rosto mais conhecido, é o nome mais provável para entrar na disputa.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/estadoemdisputa/argentina-a-dura-disputa-pela-presidencia/

 

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