Ernest Mandel (1923 – 1995) foi um dos maiores pensadores políticos de sua época. Desde seu engajamento na resistência antinazista, quando era jovem, até seus últimos dias, Mandel foi um defensor intransigente dos ideais socialistas e dos interesses da classe trabalhadora.
Por: Alex De Jong | Tradução: Pedro Barbosa | Créditos da foto: Giorgio Piredda / Sygma via Getty Images. O economista Ernest Mandel participa de uma reunião da Liga Comunista Internacional
Ointelectual e militante socialista belga Ernest Mandel nasceu há cem anos, em 5 de abril de 1923. Mandel foi um incansável agitador e pesquisador que escreveu algumas das obras mais significativas de teoria marxista durante a segunda metade do século XX.
Mandel talvez seja mais lembrado hoje por seu livro O capitalismo tardio, que popularizou um termo agora familiar. O crítico Fredric Jameson se inspirou fortemente nos escritos econômicos de Mandel ao elaborar sua teorização sobre o pós-modernismo, e “capitalismo tardio” se tornou um clichê jornalístico para a análise cultural.
O próprio Mandel, que certa vez escreveu uma história social de romances policiais, poderia ter sorrido para esta curiosa apropriação de seu trabalho. Mas seu objetivo primordial era desafiar as estruturas de poder do capitalismo, em vez de analisar seus efeitos colaterais culturais.
Ele permaneceu fiel a esse objetivo desde sua adolescência como lutador da resistência nos tempos de guerra, tendo sobrevivido ao sistema prisional nazista, até seus últimos dias no deserto neoliberal dos anos 90. A vida política e a obra de Mandel podem ser uma importante fonte de inspiração para o novo movimento socialista de hoje.
Resistindo ao nazismo
Mandel nasceu numa família de judeus poloneses assimilados de origem alemã na cidade belga Antuérpia. Seu pai, Henri Mandel, tinha simpatias de esquerda – especificamente com as ideias de Leon Trótski. Durante os anos 30, após a chegada dos nazistas ao poder na Alemanha, a casa Mandel tornou-se um ponto de encontro para os refugiados de esquerda. Ao ouvir tais refugiados discutir o socialismo, os últimos desenvolvimentos na União Soviética e a ascensão do fascismo, o jovem Ernest recebeu uma introdução precoce à política radical.
Em maio de 1940, a guerra chegou à Bélgica, quando a Alemanha nazista invadiu o país. Grandes partes da esquerda estabelecida foram incapazes de responder à nova situação. Muitos dirigentes do social-democrata Partido Trabalhista Belga e dos sindicatos fugiram do país, enquanto o antigo dirigente do Partido Trabalhista Hendrik de Man pediu colaboração com os ocupantes.
O pacto de não-agressão soviético-alemão ainda estava em vigor na época, e os comunistas belgas proclamaram uma posição de “a mais pura e completa neutralidade”. Semanas após o início da invasão nazista, um assassino que trabalhava sob as ordens da União Soviética assassinou Trótski em seu exílio mexicano.
Em meio a esta desordem, um grupo de pessoas de esquerda independentes se propôs a publicar o primeiro jornal clandestino de língua flamenga, que foi produzido na casa Mandel. Ernest e seu pai escreveram muitos dos artigos do jornal. Em agosto de 1942, Ernest entrou na clandestinidade. No final daquele ano ele foi preso, mas conseguiu escapar enquanto estava sendo transportado.
De acordo com o biógrafo de Mandel, Jan Willem Stutje, Henri Mandel pagou um resgate pela soltura de seu filho. A “ousada fuga” de Ernest poderia muito bem ter sido “encenada por agentes receosos, que queriam evitar ser questionados”. De acordo com Stutje, a fuga de Mandel o deixou com um sentimento de culpa.
Incansável, Mandel continuou suas atividades na resistência. Nessa época, ele havia se tornado um membro do Partido Comunista Revolucionário trotskista (RCP, na sigla em inglês). No início de 1944, o RCP elaborou um panfleto bilíngüe sobre os contatos entre as corporações alemãs e americanas, que era dirigido diretamente aos soldados alemães: “Vocês estão sendo sacrificados como bala de canhão enquanto seus senhores negociam para salvar suas posses”. Em 28 de março de 1944, enquanto distribuía o panfleto, Mandel foi preso novamente.
Tendo sido preso mais por suas atividades na resistência do que por ser judeu, Mandel foi enviado a prisões e campos de trabalho diferentes, a certo ponto sendo forçado a trabalhar em uma indústria química da IG Farben. Como membro da resistência, judeu e trotskista, que era desprezado por seus colegas prisioneiros stalinistas, suas chances de sobrevivência eram pequenas.
Mandel posteriormente lembrou que a sorte pura foi uma das razões pelas quais ele conseguiu sobreviver. Mas ele também atribuiu seu sucesso ao estabelecimento de laços com alguns dos carcereiros alemães que haviam sido apoiadores do partido social-democrata antes da tomada de poder pelos nazistas: “Essa era a coisa inteligente a se fazer, mesmo do ponto de vista da autopreservação”. As duras condições cobraram seu preço e Mandel foi hospitalizado no início de 1945. Em 25 de março de 1945, as forças estadunidenses libertaram o campo em que ele estava sendo mantido.
Trotskismo depois de Trótski
Embora os membros diretos da família de Mandel tenham sobrevivido à guerra, sua avó, tia e tio foram todos mortos em Auschwitz, junto com suas famílias. Henri Mandel sonhou com uma carreira acadêmica para seu filho, mas Ernest tinha outras prioridades. Ele queria continuar a luta contra o capitalismo, o sistema que tinha produzido os horrores do nazismo e da guerra. Ao longo de sua vida, a experiência do fascismo continuou sendo um ponto de referência político e moral para Mandel.
Leon Trótski e seus apoiadores haviam fundado a Quarta Internacional (QI) em 1938. Trótski acreditava que o teste da guerra que se aproximava iria descredibilizar os partidos comunistas stalinistas e tinha esperanças de que a QI iria se desenvolver e se transformar em uma alternativa. Entretanto, o importante papel da União Soviética na derrota da Alemanha nazista e a participação dos comunistas nos movimentos de resistência na Europa trouxeram um prestígio e popularidade sem precedentes a esses partidos, deixando seus rivais na ala radical do movimento de trabalhadores com oportunidades limitadas de crescimento.
Ao longo de sua vida, a experiência do fascismo permaneceu um ponto de referência política e moral para Mandel.
Enquanto isso, a guerra e a repressão haviam dizimado os pequenos grupos associados à QI. Mandel sentiu que era seu dever ajudar a construir o movimento trotskista e tornou-se um destacado militante em suas fileiras. Em parte, ele foi impulsionado pela memória dos camaradas que os nazistas haviam assassinado, como seu amigo próximo Abram Leon, autor de um importante estudo da história do judaísmo e do antisemitismo.
Como muitos radicais, Mandel pensou que a guerra seria o prelúdio de uma onda de revoluções na Europa, como havia sido o caso na Primeira Guerra Mundial. O programa que Trótski elaborou para a QI em 1938 afirmava que o capitalismo havia estagnado:
“As forças produtivas da humanidade estagnaram. As novas invenções e melhorias já não conseguem elevar o nível de riqueza material. As crises conjunturais sob as condições da crise social do conjunto do sistema capitalista infligem privações e sofrimentos cada vez mais pesados às massas.”
Gradualmente, Mandel veio a reconhecer que o sistema não apenas continuaria a funcionar, mas que seria capaz de se desenvolver ainda mais, entrando em um longo período de crescimento econômico depois de 1945. Sob estas condições, ele se juntou ao Partido Socialista Belga, mantendo secreta sua identidade trotskista, e ajudou a fundar o semanário La Gauche (A Esquerda), um jornal que se tornou influente na esquerda socialista na Bélgica.
Neste período, Mandel se consolidou como um teórico e dirigente socialista. Em 1962, ele publicou seu primeiro grande trabalho, Teoria Econômica Marxista. O livro fez uma apresentação sistemática de seu tema, tentando provar que se poderia “reconstituir o conjunto do sistema econômico de Karl Marx” baseando-se “nos dados científicos da ciência contemporânea”.
Na introdução do livro, Mandel descreveu sua abordagem como “genético-evolutivo”, com o que ele quis dizer que estava preocupado com o estudo da origem e da evolução de seu tema. “A teoria econômica marxista”, escreveu ele, deve ser considerada como “uma soma de um método, de resultados obtidos pelo uso deste método e de resultados que são continuamente sujeitos a reexame”. A combinação de história e teoria, continuamente tentando integrar novas descobertas, seria característica da obra de Mandel.
Reformas estruturais e estratégia socialista
Enquanto trabalhava em Teoria Econômica Marxista, um livro que chegou a quase oitocentas páginas em sua tradução em inglês, Mandel desenvolveu uma estratégia de “reformas estruturais anticapitalistas” como parte do círculo ao redor de La Gauche. Com isso ele quis dizer reformas que não iriam introduzir o socialismo por si mesmas, mas que, no entanto, representariam passos em direção a ele e “dariam à classe trabalhadora a capacidade de enfraquecer decisivamente o grande capital”.
Para Mandel, possíveis reformas estruturais anticapitalistas na Bélgica incluíram a organização de um comitê de planejamento que iria garantir o pleno emprego, o controle público sobre as grandes corporações e a nacionalização do setor energético. Ele enfatizou que as reformas econômicas não poderiam ser separadas do problema do poder político.
Mandel estava tentando formular uma estratégia socialista que poderia ser adequada para um país capitalista altamente desenvolvido como a Bélgica. Uma fonte de inspiração para este esforço foi a greve geral belga do inverno de 1960 contra uma série de reformas propostas pelo governo de direita. Durando várias semanas, a greve envolveu centenas de milhares de trabalhadores. As greves e ocupações de fábricas francesas de junho de 1936, após a chegada ao poder da Frente Popular de esquerda, foram outro exemplo citado por Mandel.
Durante o período de crescimento econômico do pós-guerra, as condições de vida haviam melhorado para muitas pessoas, mas lutas como a greve geral belga mostraram que o desenvolvimento capitalista não havia pacificado totalmente a classe trabalhadora. Para Mandel, as armas mais poderosas dos trabalhadores na sua luta contra o capitalismo eram a organização, a educação política e a consciência de seu papel econômico essencial.
Mandel estava tentando formular uma estratégia socialista que pudesse ser adequada para um país capitalista altamente desenvolvido como sua Bélgica natal.
Ele reconheceu que as lutas dos trabalhadores não giravam simplesmente em torno de condições econômicas, mas também eram movidas pela resistência a práticas de trabalho alienantes e opressivas. Mesmo os trabalhadores relativamente abastados experimentaram a alienação e a dominação no local de trabalho. Em um balanço da greve de 1960, Mandel escreveu que a luta da classe trabalhadora contra o capitalismo “difere das lutas sociais do passado, pois não é apenas uma luta por interesses essenciais imediatos”. Essa luta poderia se tornar uma “luta consciente para reestruturar a sociedade”.
Mandel sustentou que a greve belga foi uma oportunidade perdida porque não tinha havido uma direção política para propor tal reestruturação. Para a transformação revolucionária acontecer, era necessário estender a luta por reformas econômicas à questão do poder político.
Para Mandel, a luta só poderia ser vitoriosa se “o inimigo fosse confrontado não apenas nas fábricas, mas também nas ruas”. A história havia mostrado, insistiu ele, a necessidade de estabelecer um partido revolucionário que iria “explicar incansavelmente” ao povo trabalhador que era necessário conquistar tanto o poder econômico quanto o poder político para alcançar seus objetivos.
Dinâmicas do capitalismo tardio
Durante os anos 60, Mandel desenvolveu sua compreensão de como o capitalismo funcionava um século após Marx ter publicado O Capital. Inicialmente, ele usou o termo “neocapitalismo” antes de se decidir por “capitalismo tardio”. O livro de 1972 que levou esse título foi a magnum opus de Mandel.
Em O capitalismo tardio, ele tentou “fornecer uma explicação marxista das causas da longa onda de crescimento rápido do pós-guerra”. Segundo Mandel, este período de crescimento também tinha “limites inerentes” que asseguravam que daria lugar a “outra longa onda de crise social e econômica crescente para o capitalismo mundial, caracterizada por uma taxa de crescimento global muito menor”. Ele previu corretamente o fim do boom do pós-guerra em meados dos anos 70.
Mandel considerou as taxas aceleradas de inovação tecnológica como uma das características do capitalismo tardio. Isto encurtou a vida útil do capital fixo e resultou em uma maior necessidade para as grandes empresas de implementar um planejamento. Também houve intervenção governamental na economia em uma escala sem precedentes para evitar quebras como a depressão de Wall Street de 1929. Como Mandel observou em 1964: “O Estado agora garante, direta e indiretamente, o lucro privado de formas que vão desde subsídios disfarçados até a ‘nacionalização das perdas’”.
Segundo Mandel, toda tentativa do capitalismo de superar suas contradições lhe apresentava novos problemas.
Entretanto, toda tentativa do capitalismo de superar suas contradições lhe apresentava novos problemas. Apoiados pelos governos, os bancos concederam crédito barato às corporações, permitindo um crescimento rápido, mas também levando à inflação. Tal inflação prejudicou os principais investimentos de longo prazo que eram centrais para a concorrência entre as grandes empresas de capital intensivo.
Por sua vez, as tentativas de combater a inflação criaram seus próprios problemas, estrangulando o crescimento econômico. A intervenção do Estado na economia pode ser útil para evitar crises catastróficas e garantir lucros. Mas também deixou claro para todos que “a economia” não era um dado natural.
As autoridades norte-americanas negaram a entrada de Mandel num caso que a maioria conservadora do Supremo Tribunal citou mais tarde como precedente para justificar a “proibição muçulmana” de Donald Trump.
Horizontes revolucionários
Mandel apostou na possibilidade de uma transformação revolucionária decorrente de tais contradições. Explosões como a greve geral belga e a crise da Apostasia grega de 1965 apresentaram-lhe um clássico dilema marxista. Se fosse verdade, como Marx havia insistido, que “a ideologia dominante de toda sociedade é a ideologia da classe dominante”, então como a classe trabalhadora poderia se libertar?
Mandel reconheceu que o predomínio da ideologia da classe dominante tinha raízes mais profundas do que a “manipulação ideológica” através dos meios de comunicação de massa, do sistema escolar, etc. Este predomínio extraia força do funcionamento cotidiano do capitalismo, no qual o povo trabalhador era forçado a competir entre si e tinha de depender da venda de sua força de trabalho.
Contudo, as inevitáveis contradições e crises do capitalismo que resultaram da competição entre os monopólios dominantes, também levaram a fissuras no consenso dominante. A questão central para os socialistas era como ir além das explosões de descontentamento que eram o resultado inevitável da turbulência econômica. Passar das lutas defensivas contra os ataques às condições de vida e aos salários para as demandas de poder dos trabalhadores exigia um “salto consciente”.
Em um texto influente sobre a necessidade de organização socialista, Mandel desenvolveu suas ideias sobre o que tornaria possível tal salto. Ele distinguiu três grupos: a massa da classe trabalhadora; uma vanguarda dessa classe, composta por trabalhadores militantes; e os membros de organizações revolucionárias. A terceira categoria se sobrepunha parcialmente à segunda.
No quadro de Mandel, a “vanguarda” não era uma elite autodeclarada, mas sim os ativistas mais comprometidos e enérgicos da classe trabalhadora.
No modelo de Mandel, a “vanguarda” não era uma elite autodeclarada, mas sim os militantes mais comprometidos e enérgicos da classe trabalhadora. Construir um movimento revolucionário significava conquistar tais trabalhadores militantes para as ideias socialistas. Isto lhes forneceria organização e impediria sua retirada da militância política durante o inevitável refluxo das lutas sociais imediatas.
A transformação radical só seria possível durante ondas de agitação, quando as contradições do capitalismo geram raiva e protesto em massa. Durante tais períodos, um partido revolucionário deveria tentar atrair grupos cada vez maiores de pessoas para a ação política e propor reivindicações anticapitalistas.
Mandel via a revolução como um processo de interação entre a ação organizada e os movimentos espontâneos nos quais as pessoas trabalhadoras iriam inevitavelmente se organizar em diferentes grupos. Isto afasta uma divisão estereotipada entre organização e espontaneidade, que estavam associadas respectivamente às figuras de Vladimir Lênin e Rosa Luxemburgo na esquerda marxista. Em parte como brincadeira, Mandel se considerava “um leninista com desvios luxemburguistas”.
Uma ponte entre gerações
Os anos 60 e início dos anos 70 foram tempos turbulentos durante os quais Mandel foi extraordinariamente produtivo, como se fosse levado pela maré ascendente da luta de classes. Junto com O capitalismo tardio, os outros livros que ele publicou naqueles anos incluíram um estudo das contradições entre o capitalismo estadunidense e europeu, um texto acadêmico sobre A formação do pensamento econômico de Karl Marx, uma crítica da tendência eurocomunista entre os partidos comunistas da Europa Ocidental e um exame dos ciclos de crescimento e de queda na história do capitalismo, Ondas longas do desenvolvimento capitalista. Durante sua vida, Mandel publicou mais de duas dúzias de livros e centenas de artigos.
Ao mesmo tempo, Mandel foi um incansável agitador e debatedor. Em 1964, ele foi convidado a Cuba para participar de debates sobre o planejamento socialista. Che Guevara havia lido o Teoria Econômica Marxista com grande interesse e teve longas discussões com Mandel.
Por sua vez, Mandel ficou muito impressionado com o dirigente revolucionário argentino. Quando o exército boliviano capturou e executou sumariamente Guevara em 1967, quando ele tentava lançar uma campanha de guerra de guerrilha, Mandel publicou uma homenagem apaixonada a “um grande amigo, um camarada exemplar, um militante heróico”.
Os governos dos estados capitalistas consideraram Mandel uma presença que não era bem-vinda em seu território. Em 1969, as autoridades estadunidenses lhe negaram a entrada no país em um caso que a maioria conservadora da Suprema Corte posteriormente citaria como um precedente para justificar a “proibição muçulmana” de Donald Trump. Alguns anos depois, o governo da Alemanha Ocidental interveio para bloquear a nomeação de Mandel na Freie Universität Berlin e fez com que ele fosse deportado do país.
A França foi outro país que baniu Mandel de seu território. Em maio de 1968, ele foi convidado a falar nas reuniões da Juventude Comunista Revolucionária (JCR), um grupo radical que havia se aproximado da Quarta Internacional. A JCR estava fortemente envolvida nos tumultos e protestos de maio de 68.
No que deve ter sido uma oportunidade satisfatória para se envolver em alguma atividade prática, Mandel ajudou a construir barricadas no Latin Quartier de Paris durante a “noite das barricadas”. O carro em que ele tinha vindo a Paris foi destruído durante os combates de rua. Um repórter ouviu Mandel exclamar “Que lindo! É a revolução!”.
Para a nova geração de revolucionários, Mandel foi um elo com a história e a experiência revolucionárias. Daniel Bensaïd, dirigente da JCR, rememorou como Mandel os ajudou a descobrir “um marxismo aberto, cosmopolita e militante”. Para esses jovens radicais, segundo Bensaïd, Mandel foi “um orientador em termos de teoria” e uma ponte entre gerações – alguém que fez as pessoas pensarem, em vez de pensar por elas.
Mandel tinha fortes habilidades pedagógicas, praticadas em incontáveis reuniões com trabalhadores, sindicalistas, estudantes radicais e militantes revolucionários. Seu panfleto de 1967, “Introdução à teoria econômica marxista”, tornou-se um clássico amplamente lido.
Socialismo ou barbárie
Há algo de trágico no fato de que Mandel, que havia lutado tanto pela transformação socialista, tenha falecido em 1995, quando a hegemonia neoliberal estava no seu auge. Mandel teve dificuldades de se adaptar ao declínio das lutas sociais a partir do final dos anos 70.
No novo século, olhando retrospectivamente para uma popular introdução ao marxismo que Mandel havia publicado em 1974, Bensaïd argumentou que sua análise política otimista sobre as perspectivas do socialismo se baseou na “confiança sociológica de Mandel na crescente extensão, homogeneidade e maturidade do conjunto do proletariado”. Segundo Bensaïd, essa confiança “transformou em uma tendência histórica irreversível a situação específica criada pelo capitalismo industrial do pós-guerra e seu modo específico de regulação”. No entanto, a ofensiva neoliberal da década de 1980 reverteu este processo, minando as forças do trabalho organizado:
“Longe de ser irreversível, a tendência à homogeneização foi minada pelas políticas de dispersão das unidades de trabalho, intensificação da concorrência no mercado de trabalho mundial, individualização de salários e do tempo de trabalho, privatização do lazer e dos estilos de vida, a metódica demolição da solidariedade e proteção sociais. Em outras palavras, longe de ser uma consequência mecânica do desenvolvimento capitalista, a unificação das forças de resistência e de subversão da ordem estabelecida pelo capital é uma tarefa incessante recomeçada nas lutas cotidianas, e cujos resultados nunca são definitivos.”
Mais tarde em sua vida, o otimismo excessivo de Mandel foi combinado com avisos contra os efeitos de longo prazo do capitalismo. A escolha histórica era a barbárie ou o socialismo, ele insistia, e um resultado socialista não estava garantido.
Durante este período, Mandel retornou ao estudo da barbárie capitalista tal como expressa na Segunda Guerra Mundial e dos crimes do nazismo. Embora tenha permanecido durante toda a sua vida um admirador de Trótski, ele reavaliou alguns de seus julgamentos anteriores, tornando-se mais crítico das práticas de Trótski durante seus “anos obscuros” no início da década de 1920, quando, de acordo com o entendimento de Mandel, “a estratégia da direção bolchevique inibiu em vez de promover a autoatividade dos trabalhadores”.
Mandel teve dificuldade de se adaptar ao declínio das lutas sociais a partir do final dos anos 70.
Mandel se orgulhava de se situar dentro do que considerava a tradição essencial do iluminismo – a luta pela emancipação e autodeterminação humana. Embora ele não gostasse do termo, havia, como Manuel Kellner observou, uma dimensão utópica no pensamento de Mandel. Mas utópico no melhor sentido da palavra: fé de que a sociedade pode ser refeita, pela ação humana, e transformada em algo muito melhor.
A crise do socialismo e do comunismo era aos olhos de Mandel, antes de tudo, uma crise desta crença. “A principal tarefa dos socialistas e comunistas”, escreveu ele pouco antes de sua morte, “é restaurar a credibilidade do socialismo na consciência de milhões”. Ele descreveu os objetivos do socialismo em “termos quase bíblicos”:
“Eliminar a fome, vestir os que não tem roupa, dar uma vida digna a todos, salvar a vida daqueles que morrem por falta de cuidados médicos adequados, generalizar o livre acesso à cultura, incluindo a eliminação do analfabetismo, universalizar as liberdades democráticas e os direitos humanos e eliminar a violência repressiva em todas as suas formas.”
Para Mandel, a esperança de um tal futuro estava baseada na faísca de rebelião que sempre fez as pessoas se rebelarem contra condições opressivas e alienantes. A tarefa dos socialistas era transformar essa faísca em uma chama, apoiando todas essas rebeliões e apresentando um caminho alternativo para avançar.
Essa tarefa não mudou. Em um período histórico diferente, o legado de escrita e militância de Mandel pode nos ajudar na busca por um novo caminho.
Veja em: https://jacobin.com.br/2023/09/ernest-mandel-foi-um-dos-maiores-pensadores-marxistas-do-seculo-xx/
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