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Que Brasil vai receber manto tupinambá?

Diante da devolução de artefato indígena levado à Dinamarca no século 17, torço para que o Brasil faça jus à grandiosidade dessa peça e de todas as histórias que ela carrega.

Por: Ynaê Lopes dos Santos | Créditos da foto: Roberto Fortuna/The National Museum of Denmark. Na capital dinamarquesa desde 1689, manto tupinambá é uma das mais bem preservadas peças dessa natureza, dentre 11 remanescentes

Nesta semana, o Nationalmuseet, o Museu Nacional da Dinamarca, anunciou que devolverá um raro manto tupinambá ao Brasil. Ele está na capital dinamarquesa desde 1689 e é uma das mais bem preservadas peças dessa natureza, dentre 11 remanescentes. Composto de mais de 10 mil penas vermelhas de guará, o manto tem mais de um metro de altura, composto por uma capa e um gorro, e é considerado um artefato sagrado.

Esse manto também está envolto de inúmeras histórias, boa parte delas repletas de violência. Mas, se há algo bonito nisso tudo, é que tais histórias começam e terminam com os tupinambá.

No Brasil de 2023 ainda é importante pontuar que, durante muito tempo, tupinambá foi um termo utilizado para designar a maior parte dos indígenas que viviam nas terras que hoje conhecemos como Brasil. Era assim que os portugueses chamavam as sociedades indígenas que falavam a língua tupi e suas variantes, desde o Pará até a região Sul do país.

No entanto, esse termo não abarcava as complexas identidades dessas milhares de sociedades, que, apesar da proximidade linguística, se entendiam e se denominavam de outras formas. Atualmente, aqueles que se reconhecem como tupinambá vivem em três regiões brasileiras, uma localizada no Pará (no baixo Rio Tapajós), outra na Bahia, e a terceira nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Para essas sociedades, os mantos eram objetos ritualísticos de grande importância. Confeccionada por meio de sabedoria ancestral, a vestimenta era utilizada em momentos especiais, como no enterro de familiares, assembleias políticas e rituais religiosos específicos.

Manto tupinambá
Manto era considerado sagrado pelos tupinambá. Foto: Roberto Fortuna/The National Museum of Denmark.

Contexto de subjugação, usurpação e violência

Não se sabe ao certo como o manto em questão acabou em Copenhague no final do século 17, mas a chegada desse e de outros mantos tupinambá à Europa é prova de uma intensa troca comercial realizada em meio à colonização, um longo e violento processo que, vale lembrar, reordenou as forças políticas, econômicas, sociais e raciais de todo o Ocidente.

Ressalto isso porque, sob algumas perspectivas, a devolução do manto parece ser um ato pio e generoso de uma instituição europeia. Tenho poucas dúvidas de que o investimento e conhecimento tecnológico construído pelas instituições museais da Dinamarca e de outros países europeus foram fundamentais para a preservação dessas e de outras tantas peças indígenas que compõem os acervos de muitos museus do continente.

Mas também sei que a aquisição dessas peças foi feita num contexto de subjugação, usurpação e violência cometidas por algumas nações europeias em nome de seus próprios interesses. No jogo do “se”, se não fossem os museus europeus, é provável que esses mantos tivessem se perdido com o tempo; mas, se não fosse a colonização (e a mortandade indígena que ela acarretou em toda a América), esses mantos dificilmente teriam chegado à Europa e teriam cumprido a finalidade pra a qual foram produzidos.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/que-brasil-vai-receber-manto-tupinamb%C3%A1/a-66065033

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