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Uma “OPEP do lítio” na América Latina?

Minério indispensável às baterias é visto como o petróleo do século XXI. Região detém 68% das reservas e pode tornar-se central para transição energética e novas tecnologias. Mas há obstáculos políticos, industriais e logísticos. Como superá-los?

Por: Acauã Alexandre José dos Santos; Gabriel N. Silva; Ivan Cersosimo Valverde; Luiza Martins; Mônica Almeida Peña e Tatiane Anju Watanabe |Imagem: YLB

Chamado de “ouro branco” ou “petróleo do século XXI”  –  por causa de sua importância na transição energética – o lítio é um minério que vem sendo utilizado principalmente na indústria elétrica e eletrônica, em que a produção de pilhas e baterias elétricas para celulares, notebooks e carros híbridos/elétricos representaram em 2022, segundo relatório do Serviço Geológico dos EUA (USGS, sigla em inglês), 74% do uso de lítio no mundo.

A sua importância na transição energética, que busca barrar o aquecimento global ao encerrar com o uso de combustíveis fósseis (principal emissor de gases de efeito estufa), se dá por ser associado à energia elétrica não poluente. No caso do setor de transportes, uma das alternativas “verdes” seriam os veículos elétricos. Esses contam com o lítio como um dos principais componentes de suas baterias recarregáveis, que possui uma alta capacidade de condução de energia elétrica aliada à sua leveza, sendo uma alternativa melhor do que as baterias de ácido de chumbo, por exemplo.

Além disso, diante a versatilidade do lítio, o minério é utilizado também na medicina (no funcionamento dos marca-passos cardíacos e na formulação de medicamentos para depressão e transtorno bipolar, na forma de carbonato de lítio); na constituição de ligas metálicas condutoras de calor (alumínio); na produção de lubrificantes para máquinas que trabalham submetidas à altas temperaturas; na fabricação de cerâmicas e lentes (telescópios) e nos sistemas de secagem industriais (na forma de cloreto ou brometo de lítio); e até em aplicações militares (aditivos energéticos nos propelentes dos foguetes e em bombas de hidrogênio).

As reservas no continente

A América Latina tem uma extensa concentração de reservas do minério, em que três países (Argentina, Bolívia e Chile), conhecido como o “triângulo do lítio”, concentram juntos cerca de 64% das reservas mundiais. A Bolívia possui a maior reserva no Salar de Uyuni, com 21 milhões  de toneladas, Argentina com 18 milhões no Salar del Hombre Muerto, e Chile com 9.8 milhões no Salar de Atacama.

Na região, há também reservas no Peru, México e Brasil, em menor escala. No total, aproximadamente 68% do lítio contabilizado no mundo está concentrado na América Latina.

A produção

Em termos de produção, o Chile assume a liderança na região, detendo cerca de 50% da produção de lítio. A nível mundial, o país se destaca novamente, em segundo lugar em 2022, com 25%, atrás da Austrália que é responsável por 52% da produção mundial de lítio.

Diferente do país da Oceania, que explora o lítio em rocha bruta, sendo mais danosa ao meio ambiente e mais cara, no Chile a maior parte da produção provém de “piscinas” de salmouras, assim como na Argentina e Bolívia, sendo a forma mais barata de extração e com menos danos ecológicos.

A Argentina é o 2º maior produtor de lítio da região e tem importantes depósitos que estão em fase de desenvolvimento. A produção argentina de lítio tem aumentado nos últimos anos, impulsionada pela demanda crescente pelas baterias do material. O país é o maior exportador de lítio para os EUA, segundo dados da USGS de 2022.

O Brasil fica em 3º lugar na região, sendo que a maior parte da sua produção vem da mina de lítio da Serra do Salitre, em Minas Gerais. No entanto, a produção no Brasil tem sido limitada devido a problemas de infraestrutura e logística.

O Peru, México e Bolívia possuem produções em fase de desenvolvimento. Este último teve sua industrialização iniciada em 2013, e tem um processo de desenvolvimento mais lento, apesar da vasta reserva, em que ainda não está gerando lucro, ao considerar o investimento estatal aplicado no projeto. O país então não tem uma participação significativa no mercado mundial de lítio, mas pretende avançar na sua industrialização. Em janeiro de 2023, sua empresa estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), firmou um acordo com o consórcio chinês Contemporary Amperex Technology (CATL) para que a partir de um investimento de  US$ 1 bilhão, possam em conjunto explorar e comercializar o lítio boliviano, com o objetivo de produzir baterias recarregáveis até 2025.

Uma “Opep” do metal?

Considerando a riqueza em lítio na região latino-americana, os presidentes do México e Bolívia vem expressando a vontade de integrar os países ricos em lítio. O presidente  Luis Arce (Bolívia) em um de seus discursos mencionou que: “um dos projetos de seu governo contam com a possibilidade de se criar uma Opep do lítio”  e com isso os Estados participantes conseguiriam controlar o preço mundial deste minério, assim como fazem a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O presidente ressaltou que o lítio pode possibilitar  um  avanço na  independência econômica do país.

Algumas ideias são cogitadas, principalmente na criação de um bloco entre os países do triângulo do lítio + México e Peru, que são os mais citados nos discursos do presidente boliviano. Mas também já houve discursos de ministros bolivianos que defendiam a integração de todos os 33 países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) em um bloco de colaboração e comércio do lítio, no qual a condição não seria somente ser produtor mas possuir mercado.

Acadêmicos da área, como pesquisadores do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag), defendem a criação de um bloco entre Argentina, Bolívia, Chile, México, Peru e Brasil (esquecida nos discursos oficiais bolivianos), em que os últimos três apesar de não contarem com reservas tão significativas, são essenciais pelo seu peso geopolítico e a possibilidade de transferência de tecnologia.

No entanto, a integração apresenta algumas contradições e dificuldades. Segundo relatório do Celag, há uma diferença de produtividade entre os países do triângulo. Enquanto Argentina e Chile contam com uma produção de compostos de lítio mais avançada, a Bolívia não possui ainda uma produção em escala industrial, não tendo desenvolvido uma infraestrutura rodoviária e apresentando falta de tecnologia para a extração direta do lítio.

Há também diferentes legislações quanto à exploração do lítio nos países. No Chile e Argentina são empresas transnacionais que cuidam da exploração do minério, com os respectivos Estados participando somente no recebimento de royalties. No Peru apesar de constar na Constituição que os recursos naturais são patrimônio da nação, não há um avanço na sua nacionalização. Já na Bolívia há um controle do Estado em toda a sua cadeia produtiva, e no México há um avanço na exploração do minério com atuação do Estado. Em abril do ano passado, o Congresso Nacional do México nacionalizou as reservas de lítio, e em agosto foi criada uma empresa estatal para administrar sua exploração, como acontece na Bolívia.

Evidencia-se a falta de um embasamento em consenso sobre como a região deve tratar o lítio. Há por exemplo, a ausência de debates no Foro do Mercosul, o que pode se provar como algo sensível a longo prazo dado que houve uma escalada de importância industrial para o destaque da extração de lítio para o desenvolvimento tecnológico dos países centrais no futuro.

Cada país da América Latina tem uma Constituição que prioriza diferentes fatores econômicos para seu crescimento, e o lítio pode ser encarado como uma forma de se inserir no mercado de exportações primárias, como é o caso do Brasil, ou uma inserção no mercado de produtos com valores agregados, como no caso argentino.

Outra dificuldade é que no México, diferente dos outros países, há um custo de extração de lítio bem maior, porque se encontra em argila não em salmouras (como no triângulo). E sua indústria está conectada diretamente com a norte-americana, a partir do Tratado México-EUA-Canadá (TMEC, ex-Nafta), que dificulta o desenvolvimento de uma cadeia de valor soberana.

Também é necessário frisar que o lítio é de grande interesse dos países imperialistas, como os EUA, que conta com duas das principais empresas produtoras de veículos elétricos (Tesla e General Motors). Assim, pode-se afirmar que a criação de um bloco de países que buscam desenvolver suas indústrias, adquirindo um maior controle no comércio mundial do minério, podendo no futuro obter um controle de preços não é de interesse dos países do Norte. A interferência dos EUA no golpe que derrubou o presidente Evo Morales em 2019 demonstrou isso. Vale ressaltar que Elon Musk, fundador da Tesla, confirmou essa participação no seu twitter afirmando que “nós daremos golpe em quem quisermos. Lide com isso”.

O comércio mundial 

O consumo e a produção de lítio têm aumentado significativamente nos últimos anos, impulsionados pelo crescente mercado de veículos elétricos. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), a expectativa é que até 2040 a demanda pelo material cresça em até 40 vezes.

Em termos de comércio, os países asiáticos se destacam, em especial a China, que lidera o ranking global da cadeia de suprimentos de baterias íon-lítio, sendo a principal consumidora de lítio do mundo. Outros grandes consumidores incluem Europa, Estados Unidos e Japão.

Entre as principais empresas produtoras de baterias recarregáveis estão: LG Chem (Coreia do Sul), Tesla (EUA), BYD (China) e Panasonic (Japão). E considerando as empresas produtoras de veículos elétricos: Tesla (EUA), Grupo Volkswagen (Alemanha), BYD (China), General Motors (EUA) e Stellantis (Holanda).

Sustentabilidade da produção

Considerando a importância do lítio nos discursos de um futuro mais sustentável, deve-se levar em conta que apesar da energia proveniente do lítio ser considerada limpa, os processos de extração, refino e descarte do metal agridem o meio ambiente, além de causarem degradação do solo, perda da biodiversidade, contaminação da água e do ar.

A mineração em rochas, como na Austrália, não difere em nada de outras extrações, sendo a alternativa mais sustentável de extração em salmouras. No entanto, um ponto crítico é o alto consumo de água, uma vez que são necessários 2,1 milhões de litros para refinar uma tonelada de lítio – quantidade necessária para produzir baterias para cerca de 80 carros elétricos (aproximadamente 12 kg de lítio por bateria). Para produzir a bateria de um iPhone 11, por exemplo, são necessários apenas de 2 a 3 gramas de lítio.

Há previsões que em 2040, 58% de todos os carros vendidos no mundo sejam elétricos e a quantidade total de resíduos gerados possa chegar a 8 milhões de toneladas. Hoje, apenas por volta de 5% das baterias de íons de lítio são recicladas globalmente por causa de limitações tecnológicas e de seu alto custo. Assim, apesar dos veículos totalmente elétricos serem considerados como de emissão zero, há a necessidade de pensar no que fazer com as baterias neles utilizadas, além de  aumentar sua vida útil e repensar o próprio modo de vida baseado nos carros individuais, ao invés de fortalecer o transporte público. Essa seria uma alternativa muito mais sustentável do que um mundo com mais de um bilhão de veículos circulando.

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