Por Patrick Cockburn/ Créditos da foto: (Mark Dixon)/Tradução: Isabela Palhares
Enquanto a Grã-Bretanha se prepara para sediar a conferência climática Cop26 em Glasgow no mês que vem, está perseguindo duas políticas contraditórias que prejudicam suas chances de sucesso. Por outro lado, está buscando uma resposta global unificada à crise climática com nações que concordam com objetivos para a redução das suas emissões de carvão e petróleo. Mas ao mesmo tempo, se juntou aos EUA para promover uma nova guerra fria direcionada a confrontar a China e a Rússia em cada esquina.
As duas políticas possuem objetivos opostos na tentativa de persuadir a China, responsável por 27% das emissões globais de carbono, a não construir novas usinas de energia movidas a carvão, mas ao mesmo tempo demoniza o país como um Estado pária com o qual contatos políticos, comerciais e intelectuais deveriam ser os mais limitados possíveis.
Na prática, isso significa decidir qual ameaça é a maior. Seria o descongelamento do gelo que cobre 65% da Rússia e que poderia liberar quantidades tóxicas de gás metano? Ou seria a anexação da Criméia por Vladimir Putin, o apoio a insurgentes no leste da Ucrânia, a intervenção militar na Síria e a construção do gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha?
Seria o risco decorrente da reivindicação chinesa às ilhas Spratly, e a possibilidade de invadir Taiwan, maior do que o risco imposto por Pequim construindo centenas de usinas de energia movidas à carbono em seu plano de cinco anos – e, com isso, tornando o planeta menos habitável?
Visto desse modo, o equilíbrio de riscos é medido decisivamente concedendo prioridade à limitação da mudança climática, em comparação a ameaças de segurança mais tradicionais que originam da competição entre os Estados. Colocando de outro modo, a maior ameaça ao ocidente não é a improvável perspectiva de o presidente Xi Jinping invadir Taiwan ou Putin fazer o mesmo na Ucrânia, mas sim o desaparecimento de gelo no Ártico que leva a um aumento do nível do mar.
Anatol Lieven aponta em seu livro revolucionário, “Mudança Climática e o Estado Nação”, que a tensão entre os EUA e a China sobre a fortificação chinesa de recifes de corais e bancos de areia no mar do sul da China pode encerrar, se as duas nações fracassarem em limitar a mudança climática, não por meio de conflitos militares, mas sim pelo aumento do nível do mar e tufões que “colocam as fontes dessas tensões sob a água”.
Deveria ser óbvio que o nível de cooperação essencial para estagnar e, se possível, reverter o aquecimento da atmosfera global será impossível no contexto de uma guerra fria agravada entre as principais nações. Infelizmente, a crise climática e a guerra fria reavivada permanecem como questões separadas nas mentes das elites políticas e do público, uma cegueira autodestrutiva que é conduzida por diversas forças poderosas.
Entre elas estão a dificuldade que as pessoas no geral têm de aceitar que mega desastres, como o tipo que nunca tínhamos experienciado antes, podem acontecer com elas. Um exemplo recente disso foi calamitoso atraso da Europa e dos EUA em 2020 em entender a seriedade da epidemia do coronavírus e de que não ficaria confinada somente no leste asiático.
As consequências mais temidas da crise climática ainda estão no futuro, mesmo que já vejamos sinais de futuros desastres nos incêndios na Austrália e na Califórnia e no aumento da desertificação de países no Oriente Médio e no norte da África, do Iraque ao Chade. As pessoas podem falar sobre fazer sacrifícios por seus netos e pelas gerações futuras, mas elas deveriam fazê-los na prática. “Faça pela prosperidade”, alerta a velha piada atribuída a Groucho Marx. “Mas o que a prosperidade fez por mim?”, segue a resposta.
As pessoas podem se preocupar com a crise climática, mas isso não significa que estão dispostas a consentir com maiores taxas sobre os combustíveis. Líderes políticos em países democráticos e autoritários entendem que as pessoas não gostam de governos que presidem sobre a redução do seu padrão de vida, a não ser que estejam amedrontadas com uma grande ameaça como uma guerra ou uma pandemia, e possivelmente nem nessas situações.
A nível governamental, outro forte impulso é simplesmente que os poderes político, burocrático e militar se sentem confortáveis num mundo de guerra fria e de confrontação entre grandes potências. Foi esse confronto que os concedeu uma grande influência e vastos orçamentos durante a original Guerra Fria contra o comunismo e a União Soviética, e não há motivos para que isso não aconteça de novo. “Isso ajuda a explicar o entusiasmo com o qual as elites de segurança ocidentais abraçaram a ideia de uma nova guerra fria contra a Rússia e a China – uma analogia que é falsa e totalmente desnecessária”, escreve Lieven.
Apontar isso não é uma defesa aos regimes nacionalistas autoritários em Moscou e em Pequim ou, mais especificamente, à repressão de Putin aos seus críticos e às eleições fixas ou à perseguição dos Uyghurs conduzida por Xi Jinping e o aprisionamento de opositores em Hong Kong.
Nos termos da realpolitik, a Rússa e a China são jogadoras menores do que são descritas por si mesmas ou pelos seus inimigos. A Rússia pode ainda ser uma superpotência nuclear, mas na Europa é territorialmente mais fraca agora do que em qualquer outra época desde o século 17. A China pode ter a segunda maior economia do mundo, mas fingir que agora possui a maior marinha do mundo, contando cada barco de patrulha nas águas costeiras, é um equívoco.
A fixação estadunidense em relação a China como uma rival é partilhada entre Trump e Biden, mas possui uma contribuição diferente. A hostilidade para com a China é uma questão bipartidária no Congresso, quase a única questão séria na qual Republicanos e Democratas concordam. Isso é muito diferente em relação à campanha de vacinação e outras medidas anti-covid que produziram somente divisões rancorosas. Em tal cenário político bifurcado, não é de se surpreender que um Biden cercado esteja incitando a China como a inimiga no portão e chamando os estadunidenses a se juntarem ao redor da bandeira, com alguma expectativa de que realmente façam isso.
A crença e a descrença na crise climática é uma das linhas divisórias mais acidentadas na política estadunidense. A convicção de que não está acontecendo ou que é exagerada se tornou parte da identidade Republicana. Os quase cem líderes globais reunidos em Glasgow em novembro saberão disso e que o abalado controle Democrata do Congresso pode logo acabar, estagnando quaisquer outras medidas de controle climático, então por que deveriam fazer o que os EUA não podem ou não farão? Eles também sabem que Trump, ou um Republicano que exponha as mesmas opiniões, poderia voltar à Casa Branca em 2024.
Uma farra internacional como a Cop26 será repleta de apelos retóricos por uma ação global e por solidariedade. Como ocorreu durante a pandemia, ações reais, se acontecerem, serão conduzidas pelos Estados nações em prol de seus próprios interesses. Mesmo com todas as previsões apocalípticas de catástrofe climática, ainda não é chegado o momento em que esses países realmente acreditam que estão lidando com uma ameaça existencial.
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