O projeto de nova Constituição não conseguiu convencer a maioria dos chilenos. Mas seria um erro interpretar o resultado como luz verde para seguir adiante como se nada tivesse acontecido, opina Emilia Rojas Sasse.
Por: Emilia Rojas Sasse | Créditos da foto: Alex Diaz/REUTERS
Foi um golpe devastador para o governo de Gabriel Boric e para aqueles que depositavam suas esperanças de mudanças profundas neste projeto de nova Constituição. As pesquisas anunciaram e desta vez acertaram, embora muitos tenham custado a acreditar que os chilenos – que em 2019 saíram em massa às ruas para protestar contra o modelo neoliberal instaurado pela ditadura – rejeitaram a possibilidade de mudança submetida a plebiscito neste domingo (04/09).
Poderia parecer uma enorme contradição. E é, no mínimo, um sério revés nos esforços para desenhar uma nova Constituição. Não se trata de uma catástrofe, mas o resultado de um processo democrático validado por uma grande participação eleitoral, impulsionada pela obrigatoriedade de votar neste plebiscito.
O rechaço foi imposto pela grande maioria e de forma contundente. Será que o resultado significa que tudo dará em nada e que o Chile continuará no mesmo caminho traçado em 1980? É improvável. Os setores conservadores que agora comemoram também sabem que a Constituição de Augusto Pinochet não é mais politicamente viável.
A grande maioria dos eleitores já havia votado pela mudança quando se pronunciou amplamente pela instauração de uma Assembleia Constituinte e elegeu seus integrantes. A rejeição do texto proposto não significa que agora eles mudaram de opinião, mas que o projeto apresentado não conseguiu convencer a maioria.
Uma nova tentativa
As causas são variadas. Atribuir o resultado à esmagadora campanha lançada contra o projeto constitucional, repleta de fake news, seria simplista demais. Sem dúvida, essa estratégia serviu para semear insegurança e desencorajar muitos a aprovarem o projeto. Mas isso não explica tudo e, muito menos, a margem pela qual a rejeição venceu. Tampouco é útil usar apenas a variável ideológica para analisar o que aconteceu.
Porque há também uma quantidade considerável de cidadãos, de diversos espectros políticos, que acredita ser necessária uma nova Constituição, mas que levantou objeções e críticas fundamentadas ao projeto redigido pela Assembleia Constituinte. E eles não acreditaram nas emendas que os próprios promotores da nova Constituição reconheceram como necessárias e optaram por rejeitá-la “para melhorá-la”, ou seja, apostaram numa nova tentativa.
Vontade de mudança continua
Mas não se enganem. O resultado do plebiscito não é um endosso ao modelo neoliberal que tem cimentado a desigualdade no Chile por décadas. Ignorá-lo seria desconhecer a realidade do descontentamento social e empurrá-lo de volta às ruas. A vontade de mudança não será desarticulada após a derrota do “sim”. Agora será novamente necessário dar-lhe um caminho institucional.
Mas qual caminho? Isso não foi estipulado, e é aí que afloram as grandes incertezas que abalarão o país a partir desta segunda-feira. Será possível reeditar o caminho de uma constituinte, como alguns gostariam, depois desse fracasso? Parece complexo, especialmente com um governo mais enfraquecido do que nunca devido ao resultado do plebiscito – mesmo que sua administração não tenha sido levada a julgamento nas urnas.
O Congresso irá se encarregar desse trabalho? Também não é fácil, com uma correlação de forças muito mais igualitária do que na Assembleia Constituinte, e uma preocupante falta de credibilidade aos olhos dos cidadãos.
A esfera política, tão desacreditada, tem agora o mandato imperativo de reconquistar a confiança da população e se colocar para trabalhar seriamente pelo bem do país. Esta é a sua tarefa, aliás muito bem paga: abrir o caminho para um Chile mais justo, igualitário e inclusivo, que exige uma nova Constituição. O oposto seria um verdadeiro desastre.
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